sábado, 12 de outubro de 2019

A minha mãe, a cochonilha e a pintura do Século de Ouro.


 
 
A apanha da cochonilha, México
 
Tenho o jardim a morrer-me por causa da cochonilha. A culpa é de um limoeiro velho, já devassado pela praga infecta. Por mais que tente, ela volta, sempre mais, e mais em força. O remédio mesmo é deixar morrer, plantar de novo, uma e outra vez – é este o fado da lusitana lavoura.
Queixinhas à mãe, a cochonilha é má, isto e aquilo. A grande vantagem de termos uma mãe culta e clássica é que contamos um desastre botânico e somos alentados por uma lição de história da pintura. Um errozito materno: a cochonilha não foi usada apenas pelos pintores do Siglo de Oro, como a minha mãe dizia, e não encontrei vestígio de que viesse de laranjais atlânticos, dos Açores ou da Madeira, como a senhora também me disse. Mas soube e confirmei aqui que a seiva ou o sangue da cochonilha era matéria preciosa, usada num vermelho escarlate muitíssimo apreciado. Foi descoberto pelos homens de Cortés nos mercados de Tenochitlán, actual Cidade do México, então capital do império azteca. Michel Pastoreau tem livros sobre o preto, o azul e o verde, mas sobre o vermelho há outro, de Butler Greenfield, A Perfect Red, e é aí que se conta a história da cochonilha. O seu rubro deslumbrou a Europa, até aí marcada pelos St. John’s Blood e pelo Vermelho Arménio, A tintura da cochonilha produzia 30 vezes mais corante por onça do que o Vermelho Arménio e em meados do século XVI o insecto era dos negócios mais rentáveis do continente. Hoje espalha-se por toda a parte, minando o jardim e o juízo de muita gente, eu incluído. Devasta a hera, o alecrim, mas também tinge de invulgar beleza telas como estas, ora vejam-nas (mas, antes disso, agradeçam muito à minha mãe, sff):
 
 
Caravaggio, Os Músicos, 1595
 
 
Cristóbal de Villapando, Santa Rosa Tentada pelo demónio, 1695
 
 
 
López de Arteaga, A Incredulidade de São Tomé, séc. XVII
 

 
Caravaggio, A Incredulidade de São Tomé, 1601-02
 
Rubens, Retrato de Isabella Brandt, 1610



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