Meu
caro António, li o que escreveu no seu magnífico Malomil, arrastando a minha reputação, já de si duvidosa, pela
calçada da amargura, mas fê-lo com tanta elegância que só lhe posso responder
com gosto e o mais angélico dos sorrisos.
Deixe-me
dizer no que estamos de acordo, primeiro, para a seguir falarmos do nosso
desacordo. Estamos de acordo na existência de um aquecimento global no último
século e estamos de acordo no factor antropogénico, ou seja, na contribuição do
comportamento humano para esse aquecimento, com a emissão de dióxido de
carbono.
As
minhas leituras – nas quais teve particular importância o que uma cientista
climática, Judith A. Curry, tem vindo a sustentar, e por isso acabo de lhe
publicar o livro Alterações Climáticas: O Que Sabemos, o Que Não Sabemos
–, as minhas leituras, dizia, levam-me a estar do lado dos cientistas que
valorizam a incerteza e que, aceitando a hipótese antropogénica, contestam que,
nos termos de conhecimento e observação existentes, se possa afirmar que ela é
dominante ou até que se possa quantificar para o futuro ou que se possa avaliar
com segurança a futura perigosidade. Faz uma gigantesca diferença, e é aqui,
caro António, que não estamos de acordo.
O
António pergunta-me se os cientistas do IPCC não são cientistas. São, claro,
mas o IPCC não é apenas, nem sei se maioritariamente, científico. O IPCC é
fortemente político e os seus relatórios são escritos também por políticos que
pediram, para não dizer que exigiram, respostas simples. Respostas simples a um
problema complexo geram equívocos. E, sobretudo, carregam de enviesamento cognitivo
a prática científica, concentrando-a, de modo arbitrário, numa hipótese exclusiva.
Exclusiva ao ponto de gerar situações tão vergonhosas, para não voltar ao velho
Climategate, como a que neste último Agosto todos pudemos ler na reputada
revista Nature, a saber, o pedido para banir ou de alguma forma
silenciar, negando-lhes acesso à imprensa, científica ou não, 400 cientistas,
divulgadores e comentadores acusados de não respeitar o chamado «consenso
científico». Quem perde com este afunilamento é a ciência, cujo motor sempre
foi o reconhecimento da ignorância e o confronto com a incerteza. Há outras
razões para o aquecimento global, e essas razões não estão a ser estudadas.
O
quadro que nos espera até pode ser apocalíptico, e provavelmente não é, mas se
a causa dominante que levaria a esse apocalipse não for o factor humano, então
as acções requeridas nada têm que ver com as bandeiras incendiárias e de
auto-expiação que têm vindo a ser erguidas.
Devemos
agir, claro, e o primeiro e inelutável princípio é o de que queremos um planeta
mais limpo, o que passa pela redução das emissões de CO2. Mas não
devemos tomar medidas de que nos venhamos a arrepender, sobretudo, e estou a
falar das medidas radicais, quando percebemos que essas medidas são políticas e
visam mais o ataque ao «sistema», entendendo-se por sistema, o crescimento e a
economia de mercado capitalista, realíssima fonte da melhoria de vida da
humanidade nos séculos XX e XXI. É contra essa acção que reajo e é essa acção
que considero demagógica, porque vai originar um sofrimento certo e que já
podemos antecipar, enquanto o que o aquecimento possa vir a provocar, se
provocar, não é neste momento quantificável.
E agora, um bocadinho do inglês de que o António tanto
gosta, pela mão do francês Pascal Bruckner, na Quillette: «The idea that decarbonizing economies will be a long
and tortuous process, and that an incremental ecological policy therefore makes
more sense than thundering declarations, is totally unacceptable to the
prophets of the coming Apocalypse.»
Um
caminho de descarbonização, e lá vou eu comprar barulho outra vez, é o recurso
à energia nuclear, limpa de emissões de CO2, hoje uma energia
segura, mais barata e que pode ajudar os países em desenvolvimento,
evitando-lhes o pântano do decrescimento.
Com
esta minha resposta, que lhe peço seja publicada no seu Malomil, assim satisfazendo um anseio pelo qual há tanto estremeço
de pôr um pé no paraíso, segue também um exemplar do livro Alterações Climáticas,
de Judith A. Curry. Está lá, exposto, o caso prático de um conflito de
paradigmas científicos, que é em tudo o retrato, na prática, do que tinha lido,
em teoria, no A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas S. Kuhn,
o livro de história e filosofia da ciência mais antiautoritário, que é um dos meus
guias de vida. Nesse antiautoritarismo, meu caro António, julgo que nos
reconhecemos os dois, do que este diálogo é prova. Assim, sim, António.
Manuel
S. Fonseca
e obrigada aos dois por partilharem o vosso diálogo connosco :)
ResponderEliminarEsta questão ja cansa e preocupa-me pelo grau de incultura cientifica, mas também politica, que ela revela.
ResponderEliminarAdmitindo que o autor deste texto esta de boa fé, gostava de saber em que espécie de conhecimento cientifico ele considera que é saudavel apoiar as nossas politicas ? Na ciência em que cada um acredita pessoalmente no seu canto, ou no conhecimento que reune o maior consenso, que é precisamente o que o IPCC procura descobrir, por processos publicos, que podem e devem ser debatidos e, se for caso disso, melhorados, mas que ainda assim apresentam verdadeiras e solidas garantias de rigor e de transparência ?
E' que uma coisa é afirmar que a ciência não alcança nunca um grau de certeza absoluta e que ela avança a partir da apreciação critica dos resultados representam, provisoriamente, o melhor que sabemos. Estas afirmaçãos são justificadas e, que eu saiba, não esta proibido por ninguém procurar demonstrar cientificamente que os resultados publicados pelo IPCC estão errados, nem ninguém critica quem procura discutir esses resultados cientificamente.
Outra coisa, muito diferente, é sugerir que deveriamos por de lado o consenso cientifico a pretexto de que não se trata de uma certeza absoluta, e deixarmo-nos influenciar pela teoria do meu primo Ricardo, que considera que a lei da gravidade so faz objecto de consenso porque tal interessa ao lobby dos vendedores de balanças.
Que eu saiba, não existe certeza absoluta, a 100 %, de que a ponte sobre o Tejo não vai cair amanhã. Vamos, por causa disso, proibir o acesso à ponte ?
Portanto que se debata a realidade e a medida do aquecimento, e das suas causas, muito bem, mas que se ponha em causa, sem argumentos outros do que "cheira-me a esturro" a existência, por provisoria que seja, de um consenso cientifico sobre estas questões, é outra, muito diferente.
Não querer fazer esta distinção é, irremediavelmente, impedir qualquer possibilidade de apoiarmos as nossas decisões politicas nos dados da ciência...
Boas
Va la... podia ter como guia de vida o Against Method, do Feyerabend. Alias, ate podia ajuda-lo mais na defesa da sua tese, do que o pastel do Khun (cuja autoridade, anunciada pelo Manel, nao e tao granitica como assevera).
ResponderEliminar“Assim sim? É por causa dos salamaleques? É que o Manuel S. Fonseca acaba de desacreditar e demolir o trabalho do IPCC, dizendo que tem motivações políticas, o que contraria totalmente o que disse antes o Malomil… e, para mais, citando o Pascal Bruckner, um internacionalmente reconhecido expert no assunto.;) Isto é engraçado.
ResponderEliminarIsto de dizer que por alguma coisa ter motivações políticas não pode invalidar o seu conteúdo.
ResponderEliminarTal como foi dito, a maioria da comunidade científica está de acordo de que é a acção humana que está a provocar o aquecimento global.
Agora, concordo com a última ideia de Manuel S. Fonseca. A energia nuclear é uma ideia que não se pode pôr de parte. Tem os seus contra mas, apesar de tudo, é a energia mais barata e que mais garantias dá para o funcionamento da nossa sociedade.
Devo dizer que sempre fui muito crítico desta energia por razões óbvias (segurança) mas não conseguiremos ter a nossa produção de energia a vir, essencialmente, da energia eólica e fotovoltaica. Não é possível controlar a geração desta energia por isso tanto podemos ter estas fontes a produzir a 100% como podem passar a produção para 20% com o aparecer da noite e o abrandamento do vento. E no caso do vento, é bastante aleatório. Isto leva a que tenha de existir centrais a gás (centrais de ciclo combinado) para que entrem em "acção" sempre que a produção destas energias quebre.
O pior é que a maior parte das pessoas nem tem noção disto.
Gostava que esta discussão fosse trazida para debate e que fôssemos melhor informados acerca disto.
A energia de fusão nuclear ainda está para vir e pode demorar muito tempo até chegar..