Manifesto Anti-Marlon.

O grande sucesso de Os Azeitonas, conhecida banda da Invicta, chama-se Anda Comigo Ver os Aviões. É inegavelmente uma bela melodia. E é uma música que fica no ouvido. As otites também. No YouTube, existem várias versões de Anda Comigo Ver os Aviões. Em nenhuma delas Marlon (voz) faz o que quer que seja. Marlon = raspas, nada, niente, rien.

Marlon, nome artístico de Mário Folhadela Cunha Brandão, é um rapaz nascido a 9 de Março de 1977, e, portanto, já com bom corpo para trabalhar. Mas trabalhar custa, não é, Marlonzão? Calão. Marlon Brandão possui um assinalável currículo, tendo marcado presença, só presença, em muitas bandas históricas. No seu cadastro já vitimou os Yellow-Jellow-Caramelo, os LOAD ASPAS ASPAS, os Dois Duques, os Pequenos Homens Verdes, os M Band e o Dj Marl-ON. Agora, está neste projecto dos Azeitonas, a recibos verdes. Acompanhemos, verbi gratia, uma prestação oficial da banda, ao vivo:

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Viram, viram bem o bicho? Observaram a alimária em palco? Colocado ao centro, no meio de quem trabalha, Marlon abana-se simiescamente de um lado para o outro, e dá à cabeça. Isto durante 3:53. Parece um primata de grande porte, enjaulado. Ganda macacão, Marlon. Três minutos e cinquenta e três segundos. Só te pedíamos isso, três minutinhos de trabalho. Mas, para o menino Marlon, para este madraço do Marlon, três minutos são uma eternidade. Envergando uma camisa que possui claras similitudes com uma mira técnica da TV antiga, o moço Folhadela agarra-se ao apoio do microfone, e anda por ali à toa, flectindo as pernitas ao som do ritmo. Tenta, enfim, que o tempo passe depressa. Pois é, tem o Sudoku à espera. Ai balha-me Deus, Marlon. Enquanto isso, os colegas da banda lá trabalham a audiência em delírio. Apresentando vaguíssimas parecenças com Jim Morrison, o rapaz Marlon, armado em Satchmo, transporta consigo um lenço dos grandes, daqueles que só no Norte. Um lençol enorme, alvo como a neve, para limpar o suor que o rosto não tem.  

De quando em quando, Marlon acerca-se do microfone e fareja, curioso com o objecto. Mas, na hora H, retrai-se, por receio ou timidez. Pastelão. Os lábios mexem, mas dali não sai nada de audível. Marlon observa o soalho, pensativo, contempla filosoficamente os tectos do Sá da Bandeira. Cantar, que é bom, nada. Entretanto, na plateia, isqueiros acesos, público ao rubro, trauteando a letra. As fãs incendiadas, o cio a pairar no ar. Uma atmosfera incríbel, daquelas que só mesmo no Bandeira. E então, Marlon, nada? Nada. Marlon não se comove, não justifica o cachet. Apenas faz esgares, muitos. Franze a cara, e mais uns esgares. O rapaz não estará bem, as dores de palco são terríveis, lancinantes. Que se passa contigo, Marlon? Para quê tantas caretas pró pessoal? Êxtase místico, gases no ventre? Talvez a barriguita avariada, caiu-lhe mal aquela francesinha digerida às pressas numa confeitaria da Cedofeita. E eu, acreditem, foram tantas, mas tantas vezes que o avisei: Marlon, tu vai-me para mecânico de ligeiros, rapaz… Marlon, tu vê-me o teu futuro, olha o desemprego que anda para aí, Marlon, ó Marlon! Prossegue o espectáculo. O barbichas do acordeão, um piazzolla da Areosa, desfia às teclas o melancólico trinado final. A coisa está quase mesmo a terminar. E Marlon? Nada. De Marlon, nada. Nunca nada. Entra no palco, rien. Do rapaz Marlon, só contorções, provavelmente de origem gasosa. Passa um minuto, dois, vamos quase nos quatro. Marlon lá move os lábios, muito a pedido. Ouve-se alguma coisa, aí ao fundo? Nada? Pois claro. Mas tu julgas-me o quê, Marlon, que és administrador não-executivo dos Azeitonas? Nada, Marlon? Tu emprega-te ófazfavor na oficina do teu tio, olha que já não vais para novo, amigo. Então? Andas-me agarrado ao rendimento mínimo, carago? Poças, Marlon, canta, fala lá, colabora, man. Diz qualquer coisinha aí ao people, Marlas. Fosga-se, Marlon, ‘tá mal, descola-me lá os aviões da música. Cena muita, muita má, meu. Muita má, mesmo. Tiveste mal, Marlon, aqui tiveste muita mal, tu desculpa lá. Marlon?

 

 

António Araújo