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Fotografias de Grey Villet
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Há
um senhor que anda na minha rua, ao luso-fusco, a escrever «Morte aos Pretos» nas
paredes e nas caixas da EDP. Eu não gosto das caixas da EDP, mas ainda gosto
menos que o senhor escreva ñas paredes e, menos ainda, que escreva «Morte aos Pretos». Isto
passa-se em Lisboa e estamos na Páscoa de 2013.
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Há 45 anos, já eu era nascido – e,
provavelmente, também muitos dos leitores destas linhas pascais –, 16 estados dos EUA ainda
proibiam os casamentos mistos, entre pessoas de raças diferentes. Acontece que
Richard Loving, que era branco, estava in loving por Mildred, que era negra. E,
como Mildred também gostava de Richard, decidiu tornar-se Mrs. Loving. Foram
condenados a um ano de cadeia apenas por estarem in loving um pelo outro e
terem decidido casar. Um ano de prisão. Isto pode parecer-nos ridículo e arcaico, mas muitos de
nós já éramos nascidos e até crescidos quando esta história aconteceu. E ainda ontem o senhor da
minha rua voltou a escrever «Morte aos Pretos» numa caixa de electricidade.
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Os Loving não se conformaram com a
aplicação do Racial Integrity Act, de
1924, que proscrevia a «miscigenazção» (!) na Virgínia. Não sendo activistas
dos direitos cívicos, queriam apenas que os deixassem em paz e levaram o seu
caso às mais altas instâncias. Em 1967, o Supremo Tribunal, através da sentença
Loving v. Virginia, decidiu, por
unanimidade, que aquela lei da Virgínia era inconstitucional e revogou uma
decisão, o Pace v. Alabama, do
longínquo ano de 1883. O caso Loving v.
Virginia abriu a porta aos casamentos entre pessoas de raças
diferentes e firmou jurisprudência que veio a tornar-se muito importante no
debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
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Sobre o casal Loving já correram rios de tinta – e não os rivers of blood que Enoch Powell tanto temia… –, já se fizeram filmes e músicas. Em 2012, na preparação de um
documentário sobre os Loving, Nancy Buirski descobriu um conjunto maravilhoso
de fotografias que Grey Villet, num trabalho para a Life, tirou à família
Loving. As imagens foram exibidas no International Center of Photography, em
Nova Iorque. E o António, que está por lá há tempo demais para o meu gosto, mandou-me a notícia, com aquele amor
que é o do António, e que faz com que todos os amigos dele o amem por ser assim tão amigo no amor amigo.
Olhem para as imagens de Richard e Mildred juntos, observem a alegria das crianças.
Haveria o direito de prender quem apenas cometeu o delito de amar? Pense nisso
da próxima vez que ler «Morte aos Pretos» numa parede da sua rua.
António Araújo
" (...) Acontece que Richard Loving, que era branco, estava in loving por Mildred, que era branca. (..)"
ResponderEliminarHelloooooooooo!...
Obrigado, Margarida, pela correcção. Já alterei, muito obrigado.
EliminarBoa Páscoa,
António Araújo
:)
EliminarBoa Páscoa!
Não é que isto seja relevante, mas o tal "senhor" escreve "morte aos pretos" ou "pretos fora"?. É que quando vou para o meu trabalho, passo por uma rua onde tenho que ver essa m... escrita todos os dias. Há quem apague o escrito, risque, escreva por cima, etc. mas o tal "senhor" não desiste e já enjoa semelhante mania.
ResponderEliminarP.S. Não sou a Fernanda Câncio, nem o José Falcão.
P.P.S. Este blogue é muito bom (na minha modesta e irrelevante opinião) e gosto muito dos textos e fotografias.
Também tenho visto «Pretos Fora», mas o caso a que me refiro é «Morte aos Pretos».
EliminarObrigado pelas suas palavras.
Cordilmente,
António Araújo
do muito que há (sempre) a fazer face a questões do preconceito, lamento que não se faça (mais) repúdio da utilização abusiva da expressão "raça"
ResponderEliminarcreio que muitas pessoas reproduzem a utilização em sequência de a ver tantas vezes utilizada na Sociologia e até - valha-me a santíssima - na Medicina
mas cabe a cada um de nós impôr o travão, se utilizo a expressão "raça" para falar de seres humanos (da mesma raça, portanto) faço-o com aspas e com ref.ª às mesmas