sábado, 30 de janeiro de 2021

Ato trágico.

 

 

Ato trágico.

 

Pode um Actus tragicus que fala da fugacidade da vida soar assim?

Pode. Numa sonatina composta por um J. S. Bach de 22 anos, vista pelo dulcíssimo G. Kurtág, que a reconverteu numa transcrição para dois pianos. O mesmo Kurtág das peças-miniatura, momentos por vezes tão breves como as sete notas de Flores somos, Meras flores e outros pedacinhos intensos de música. O mesmo que sabia como cativar as crianças, pequenas e grandes. Aqui tocada por dois miúdos que são grandes.

 


Manuela Ivone Cunha

 





A minha avó Gracinda e os provérbios.

 



 

Já terei escrito isto nalguma parte, v. g., nas páginas deste Diário? Pelo sim pelo não, e ciente de que repetita juvant e de que é melius abundare quam defficere, como tantas vezes repito, a história aqui vai.

No decorrer do meu terceiro ano de seminário menor (em conversas de reminiscências com velhos colegas, costumamos dizer jaula clerical, em vez de seminário), quando o bom e muito competente Padre Amador dos Anjos era meu professor de Português, não me lembro por que motivo, fiz uma redacção em que entravam muitos provérbios, quase sem eu saber, sendo vários deles totalmente desconhecidos desse meu saudoso professor.

          O Padre Amador, visivelmente impressionado, perguntou-me como é que eu sabia assim tanto provérbio. Depois de haver pensado um pouco, respondi-lhe que provavelmente acontecia isso por influência do modo de falar da minha avó materna. É que, reflectindo um pouco, cheguei à conclusão que a minha avó Gracinda raramente botava falação sem meter provérbio pelo meio ou pelo fim, quando não a torto e a direito.        

Perante essa hipótese, o Padre Amador aconselhou-lhe a munir-me de um caderno e de um lápis, logo nas próximas férias de Verão (as únicas que nos davam a nós, seminaristas salesianos), e tomar nota de todos os provérbios que eu fosse ouvindo dizer à minha avó, pois ele estava com uma enorme curiosidade de aprender provérbios novos.

Sabendo que, para um bom seminarista, o desejo de um superior era uma ordem, como nos incutiam na mente, a partir do primeiro momento em que transpúnhamos os umbrais do seminário, chegado à minha aldeia, Soutelinho da Raia, do Concelho de Chaves, creio que ainda não tinha desfeito as malas quando me aproximei da minha avó e lhe pedi, sem qualquer preâmbulo, que me dissesse um provérbio. Mediante um pedido tão inesperado e tão estranhamente bizarro, a minha avó Gracinda volta-se para mim e dispara-me com estas palavras:

- Ó filho, julgas que é só chegar à burra e tirar-lhe um figo?

Foi ela acabar de proferir este provérbio e eu a correr para o meu quarto, pegar do caderno e registá-lo nele. E, apostado em satisfazer o desejo e o pedido do meu bom professor de Português, Padre Amador dos Anjos, sei que, pelo final dessas férias, tinha eu enchido uns dois ou três cadernos de provérbios ouvidos dos lábios imaginosos e fecundos da minha avó Gracinda. Eram todos originais? Garanto que o não sei. Mas o que sei é que muitos deles tinham de ser originais, pois, se os provérbios existem, é porque alguém os inventa e a minha avó materna tinha uma inclinação inata para esse tipo de invenção, pois, de uma maneira geral, repito, quase sempre que falava saía provérbio de se lhe tirar o chapéu.

O que posso também garantir é que, nesse mesmo dia, antes de ir para a cama, ainda lhe ouvi proferir mais dois provérbios, intermediados com um da “koiné”, surgidos ao acaso, com uma espontaneidade estonteante. Brotaram-lhe dos lábios de enfiada, no momento em que ela estava a acabar de fazer um bolo para a sobremesa. Quando o meu irmão mais velho lhe chamou a atenção não sei para que defeito encontrado no bolo, a minha avó ripostou-lhe assim, a talhe de foice, sem papas na língua:

- Ó filho, isto não é nariz de santo. Para quem é, bacalhau basta. E sabes que mais? Para um atrevido e um ingrato como tu, dar-te um bolo destes é o mesmo que pôr manteiga em nariz de cão.

Declaro também que foi cheio de alegria e de orgulho, por ter uma avó tão bem-falante, que, de regresso ao seminário, me apressei a depositar esses cadernos recheados de provérbios nas mãos sôfregas, radiantes e gratas do meu professor de Português. Ter-mos-á devolvido? Não sei. E se o meu professor mos não devolveu, por que terá sido? Embora o não saiba ao certo, tenho as minhas dúvidas e as minhas desconfianças. Terá sido por que da boca franca da minha avó Gracinda saíam às vezes provérbios um pouco apimentados, susceptíveis de macular a pureza dos ouvidos de um seminarista exemplar? Pergunta sem resposta, porque nunca tive inclinação para interrogar sombras indesejáveis e muito menos para dar ouvidos a vozes de além-tumba:  a “palavras loucas, ouvidos moucos”, como diria minha avó. Só sei que nunca soube que sumiço levaram esses preciosos cadernos, repletos de provérbios da minha avó materna, o que sempre profundamente lamentei e continuo a lamentar. O que eu daria para ter hoje em meu poder esse tesouro inestimável saído dos férteis e sábios lábios da minha saudosa avó Gracinda!


António Cirurgião

 





Coronmaisons.






 

http://coronamaison.fun/








quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Grandes momentos do YouTube.


Grandes momentos do YouTube.


Grandes momentos do YouTube.



Grandes momentos do YouTube.


Grandes momentos do YouTube.


Grandes momentos do YouTube.





Grandes momentos do YouTube.


Grandes momentos do YouTube.



Grandes momentos do YouTube.

Memórias de Lisboa.



https://www.memoriasdelisboa.pt/







domingo, 24 de janeiro de 2021

Books by the Foot, já ouviu falar?

 














Musica Ficta.

 


Musica Ficta.

 

Não “música falsa”, como diz a expressão latina. Antes inflexões não explicitadas. Acidentes.

Fossem todos como as dobras escondidas deste origami:

Musica Ficta: Origami Chopin de Gérard Pesson, por Caroline Cren

(1,5 minuto)




Manuela Ivone Cunha

 




Mutatis Mutandis.

 

  Mutação: Coronavírus muda de roupagem e faz estirpe-tease

 

Ricardo Álvaro





O Zorro contrafeito.



Nas Presidenciais de 1986, Salgado Zenha desafia Mário Soares, antigo amigo e correligionário com quem andava de candeias às avessas. Tinha o apoio do PRD e do PC, conseguindo 20% na 1ª volta das últimas Presidenciais com interesse (Soares X Amaral). Para os mais novos, a imagem (um “slide” que andou perdido nestes últimos 30 anos...) dirá pouco ou nada. Os mais “idosos” talvez se lembrem que dado o artifício gráfico da campanha - um “Z” - Zenha ficou conhecido por Zorro. Este “slide”, que fiz numa moradia já demolida e que esteve ocupada pelo PSR (a mãe do BE, já que o pai é o Anacleto Loucã), é um feliz acaso, uma disputa propagandística entre Zorro, o verdadeiro que se apresentava no circo, e Zenha, o Zorro contrafeito. 

 

Miguel Valle de Figueiredo 









terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Em leilão, atenção.

 


https://www.invaluable.com/auction-lot/portrait-of-martim-afonso-de-souza-1500-1564-129-c-aad42668bf





O legado de Trump.



 


To assess the legacy of Donald Trump’s presidency, start by quantifying it. Since last February, more than a quarter of a million Americans have died from COVID-19—a fifth of the world’s deaths from the disease, the highest number of any country. In the three years before the pandemic, 2.3 million Americans lost their health insurance, accounting for up to 10,000 “excess deaths”; millions more lost coverage during the pandemic. The United States’ score on the human-rights organization Freedom House’s annual index dropped from 90 out of 100 under President Barack Obama to 86 under Trump, below that of Greece and Mauritius. Trump withdrew the U.S. from 13 international organizations, agreements, and treaties. The number of refugees admitted into the country annually fell from 85,000 to 12,000. About 400 miles of barrier were built along the southern border. The whereabouts of the parents of 666 children seized at the border by U.S. officials remain unknown. Issue cover image

Trump reversed 80 environmental rules and regulations. He appointed more than 220 judges to the federal bench, including three to the Supreme Court—24 percent female, 4 percent Black, and 100 percent conservative, with more rated “not qualified” by the American Bar Association than under any other president in the past half century. The national debt increased by $7 trillion, or 37 percent. In Trump’s last year, the trade deficit was on track to exceed $600 billion, the largest gap since 2008. Trump signed just one major piece of legislation, the 2017 tax law, which, according to one study, for the first time brought the total tax rate of the wealthiest 400 Americans below that of every other income group. In Trump’s first year as president, he paid $750 in taxes. While he was in office, taxpayers and campaign donors handed over at least $8 million to his family business.


aqui






O legado de Trump.



 


Um ensaio fundamental do historiador Timothy Snyder, aqui






 


sábado, 16 de janeiro de 2021

José-Augusto França disserta sobre as nossas colónias e o pós-colonial

 



 




Introdução: O volume Pensamento e Escritos (Pós-)Coloniais, com coordenação de Maria João Castro, Edições ArTravel, 2017, resulta da Conferência Pensamento e Escritos (Pós) Coloniais que teve lugar no dia 20 de abril de 2016 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e contém os textos de Adriano Moreira, Eduardo Lourenço, Helder Macedo e José-Augusto França, bem como a súmula do debate subsequente. Nomes incontornáveis nas áreas da política, ensaio, literatura e história da arte, os quatro autores pensaram e escreveram sobre o colonialismo português, triangulando a reflexão arte/política/império num testemunho singular de olhares que se cruzam e articulam entre si. O livro está disponível em formato digital no site https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/5650759/Pensamento_e_Escritos_Pos_Coloniais.pdf.

Sem desprimor da elevada qualidade das comunicações dos outros três intelectuais, já que aqui o nosso propósito é fazer o levantamento da obra deste ilustre tomarense, damos exclusivamente assento à intervenção que ele fez, intitulada a propósito de colónias, e o mínimo que se pode dizer é que é um texto rico de memórias, belissimamente organizado e onde não faltam as questões angustiantes com angustiantes respostas sobre a natureza do nosso colonialismo e as tragédias que veio a suscitar decorrentes da descolonização.

Ele começa assim: “Em princípios de 1945 tomei o paquete África e, depois de ter adquirido um capacete em S. Tomé, desembarquei em Luanda. Melhor dizendo, ao largo da cidade que ainda não tinha cais, e acostei a bordo de um gasolina, rente às obras do porto, onde negros enfaixados de sarapilheira e luzentes de suor acarretavam pedras enormes. Assim foi para um jovem saído de Histórico-Filosóficas”. Conta onde se aboletou e as viagens que fez às fazendas de café do Golungo e o trabalho forçado que pôde ver, e da qual resultou o seu romance Natureza Morta, de que a censura não gostou. Da trama deste romance já aqui se falou, é indubitavelmente uma das obras de ficção de José-Augusto França que importa reter. E fala da sua experiência de historiador onde a vivência colonial é abordada. Escreveu uma história de Lisboa física e moral, aludiu a uma Praça dos Escravos, ribeirinha, nas urbanizações manuelinas. “Esses escravos, trazidos de África, enxameavam Lisboa, conforme testemunhos de viajantes, e sabe-se que podiam dar assassinos a soldo, pela Lisboa barroca dentro. Lamento não saber, por falta de estudos apropriados, a percentagem de mão-de-obra negra na reconstrução de Lisboa, quando foi caso disso, após o Terramoto; mas será importante sabê-lo (…) A pintura não foi aberta a modelos negros e a literatura também não e, em 1868, o Mário, de Silva Gaio, levando o seu herói a África, em simpática deportação política, põe pela primeira vez em cena (notei-o, escrevendo sobre o Romantismo cem anos depois) um negro ‘ser estúpido, selvagem, colocado no último degrau da escala humana’, que se dedica ao herói branco, ‘a luz do espírito que descia sobre o negro’ (…)”. E progride a narrativa falando de livros, da Associação Promotora da Civilização em África, em Sá da Bandeira, no aparecimento do Banco Nacional Ultramarino, na Sociedade de Geografia de Lisboa, a Casa Africana, que tinha a escultura de um preto à porta (…) Em 1998, dei-me a examinar o ano então secularmente comemorado, foi o Centenário da Índia de Vasco da Gama. ‘A África só serviu para nos dar desgostos’ e só era ‘boa para vender’, lia-se na Ilustre Casa de Ramirez, e opinião do ‘vendamo-las’, de Ramalho Ortigão”.

José-Augusto França passa em revista as suas reminiscências imperiais desde 1940, quando andou pela Exposição do Mundo Português, onde houve uma notável realização artística, lembra Alves dos Reis e o Banco Angola e Metrópole, a I Conferência Imperial de 1933, a Carta Orgânica do Império Colonial, a Exposição Colonial do Porto, a Agência Geral das Colónias e a Escola Superior Colonial. Outras recordações lhe ocorrem: um cruzeiro de férias para universitários em 1936, a criação da Junta de Investigações Ultramarinas, a Exposição Histórica da Ocupação no século XIX, o Congresso Histórico da Expansão dos Portugueses no Mundo, Carmona a visitar colónias, Marcello Caetano ministro das mesmas. E depois a criação da ONU, a passagem de colónias a províncias ultramarinas. E seguem-se as experiências do pós-25 de Abril, quando dirigia o Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em Paris, ali se realizou um colóquio sobre as literaturas africanas de língua portuguesa e a tentativa de fundar em Luanda uma secção da AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte). Lembrou o cinema de feição colonial, caso de O Feitiço do Império, de Lopes Ribeiro, de 1939, uma Nova Lusitânia, o falhado Chaimite, de Brum do Canto, e lembrou a chegada de uma literatura pós-colonial, caso do romance A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge, mas fez questão de não esquecer as obras literárias de Henrique Galvão, Castro Soromenho e Luandino Vieira. Isto para já não pôr para trás das costas o racismo, e faz perguntas, em jeito de despedida: “Racismo, havê-lo-á em Portugal? Teremos, nós, também, fantasmas no armário? Alguém poderá ter opinião, estaremos nós presos, ainda, e sem anacrónicos arrependimentos que têm feito moda, nas malhas que o império tece – já não havendo máquinas domésticas para as apanhar?”. É esta a comunicação do José-Augusto França, mas relembra-se ao leitor que os outros três intervenientes fizeram igualmente intervenções dignas de nota.

Tanto quanto se sabe, foi esta a última incursão de José-Augusto França sobre os temas do colonialismo e da descolonização.



Cozinha do Museu do Azulejo




Mário Beja Santos





Sugestões para um aprazível confinamento (sugestão de Duarte Vaz Pinto)

 


https://publishingperspectives.com/2021/01/oxford-university-press-makes-puts-its-world-classics-online-covid19/




quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Lindo, lindo.




https://www.theguardian.com/us-news/2021/jan/14/trump-refusing-to-pay-rudy-giuliani-legal-fees-after-falling-out?CMP=Share_iOSApp_Other



Sugestões para um aprazível confinamento.


Que rico emplastro.




 

Olhem-me bem, com olhos de ver, este rico emplastro que querem construir no Douro. Em Mesão Frio, Douro Marina Hotel. Uma beleza de comodidades, até com heliporto junto ao rio. 23.100m2 de empreendimento, 180 quartos, um impacto paisagístico que está à vista, até dói. O emplastro está em consulta pública, aqui: https://participa.pt/pt/consulta/douro-marina-hotel .

E V., fica-se, não diz nada na consulta pública? Depois, não se queixe de que destruíram uma das mais belas paisagens de Portugal.  





segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Torre da Péla.

 








Fotografias de António J. Ramalho


E assim está, linda de morrer (literalmente), a medieval Torre da Péla, ao Martim Moniz. No coração de Lisboa, gasto e cansado de tantos maus-tratos. A Helena Peixoto, moradora e mulher d’armas,  lançou uma petição online. Assine, se puder e quiser:
https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=torrepela