domingo, 31 de janeiro de 2021
sábado, 30 de janeiro de 2021
Ato trágico.
Ato trágico.
Pode um Actus tragicus que fala da
fugacidade da vida soar assim?
Pode. Numa
sonatina composta por um J. S. Bach de 22 anos, vista pelo dulcíssimo G. Kurtág,
que a reconverteu numa transcrição para dois pianos. O mesmo Kurtág das peças-miniatura,
momentos por vezes tão breves como as sete notas de Flores somos, Meras flores e outros pedacinhos intensos de música.
O mesmo que sabia como cativar as crianças, pequenas e grandes. Aqui tocada por
dois miúdos que são grandes.
Manuela Ivone Cunha
A minha avó Gracinda e os provérbios.
Já terei escrito isto nalguma parte, v. g., nas páginas deste Diário? Pelo
sim pelo não, e ciente de que repetita juvant e de que é melius abundare quam
defficere, como tantas vezes repito, a história aqui vai.
No decorrer do meu terceiro ano de seminário menor (em conversas de
reminiscências com velhos colegas, costumamos dizer jaula clerical, em vez de
seminário), quando o bom e muito competente Padre Amador dos Anjos era meu
professor de Português, não me lembro por que motivo, fiz uma redacção em que
entravam muitos provérbios, quase sem eu saber, sendo vários deles totalmente
desconhecidos desse meu saudoso professor.
O
Padre Amador, visivelmente impressionado, perguntou-me como é que eu sabia
assim tanto provérbio. Depois de haver pensado um pouco, respondi-lhe que
provavelmente acontecia isso por influência do modo de falar da minha avó
materna. É que, reflectindo um pouco, cheguei à conclusão que a minha avó
Gracinda raramente botava falação sem meter provérbio pelo meio ou pelo fim,
quando não a torto e a direito.
Perante essa hipótese, o Padre Amador aconselhou-lhe a munir-me de um
caderno e de um lápis, logo nas próximas férias de Verão (as únicas que nos
davam a nós, seminaristas salesianos), e tomar nota de todos os provérbios que
eu fosse ouvindo dizer à minha avó, pois ele estava com uma enorme curiosidade
de aprender provérbios novos.
Sabendo que, para um bom seminarista, o desejo de um superior era uma
ordem, como nos incutiam na mente, a partir do primeiro momento em que
transpúnhamos os umbrais do seminário, chegado à minha aldeia, Soutelinho da
Raia, do Concelho de Chaves, creio que ainda não tinha desfeito as malas quando
me aproximei da minha avó e lhe pedi, sem qualquer preâmbulo, que me dissesse
um provérbio. Mediante um pedido tão inesperado e tão estranhamente bizarro, a
minha avó Gracinda volta-se para mim e dispara-me com estas palavras:
- Ó filho, julgas que é só chegar à burra e tirar-lhe um figo?
Foi ela acabar de proferir este provérbio e eu a correr para o meu quarto,
pegar do caderno e registá-lo nele. E, apostado em satisfazer o desejo e o
pedido do meu bom professor de Português, Padre Amador dos Anjos, sei que, pelo
final dessas férias, tinha eu enchido uns dois ou três cadernos de provérbios
ouvidos dos lábios imaginosos e fecundos da minha avó Gracinda. Eram todos
originais? Garanto que o não sei. Mas o que sei é que muitos deles tinham de
ser originais, pois, se os provérbios existem, é porque alguém os inventa e a
minha avó materna tinha uma inclinação inata para esse tipo de invenção, pois,
de uma maneira geral, repito, quase sempre que falava saía provérbio de se lhe
tirar o chapéu.
O que posso também garantir é que, nesse mesmo dia, antes de ir para a
cama, ainda lhe ouvi proferir mais dois provérbios, intermediados com um da
“koiné”, surgidos ao acaso, com uma espontaneidade estonteante. Brotaram-lhe
dos lábios de enfiada, no momento em que ela estava a acabar de fazer um bolo
para a sobremesa. Quando o meu irmão mais velho lhe chamou a atenção não sei
para que defeito encontrado no bolo, a minha avó ripostou-lhe assim, a talhe de
foice, sem papas na língua:
- Ó filho, isto não é nariz de santo. Para quem é, bacalhau basta. E sabes
que mais? Para um atrevido e um ingrato como tu, dar-te um bolo destes é o
mesmo que pôr manteiga em nariz de cão.
Declaro também que foi cheio de alegria e de orgulho, por ter uma avó tão
bem-falante, que, de regresso ao seminário, me apressei a depositar esses
cadernos recheados de provérbios nas mãos sôfregas, radiantes e gratas do meu
professor de Português. Ter-mos-á devolvido? Não sei. E se o meu professor mos
não devolveu, por que terá sido? Embora o não saiba ao certo, tenho as minhas
dúvidas e as minhas desconfianças. Terá sido por que da boca franca da minha
avó Gracinda saíam às vezes provérbios um pouco apimentados, susceptíveis de
macular a pureza dos ouvidos de um seminarista exemplar? Pergunta sem resposta,
porque nunca tive inclinação para interrogar sombras indesejáveis e muito menos
para dar ouvidos a vozes de além-tumba: a “palavras loucas, ouvidos
moucos”, como diria minha avó. Só sei que nunca soube que sumiço levaram esses
preciosos cadernos, repletos de provérbios da minha avó materna, o que sempre
profundamente lamentei e continuo a lamentar. O que eu daria para ter hoje em
meu poder esse tesouro inestimável saído dos férteis e sábios lábios da minha
saudosa avó Gracinda!
António Cirurgião
sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
domingo, 24 de janeiro de 2021
Musica Ficta.
Musica Ficta.
Não “música falsa”, como diz a expressão latina. Antes
inflexões não explicitadas. Acidentes.
Fossem todos como as dobras escondidas deste origami:
Musica Ficta: Origami Chopin de Gérard Pesson, por Caroline Cren
(1,5 minuto)
Manuela Ivone Cunha
O Zorro contrafeito.
Nas Presidenciais de 1986, Salgado Zenha
desafia Mário Soares, antigo amigo e correligionário com quem andava de
candeias às avessas. Tinha o apoio do PRD e do PC, conseguindo 20% na 1ª volta
das últimas Presidenciais com interesse (Soares X Amaral). Para os mais novos,
a imagem (um “slide” que andou perdido nestes últimos 30 anos...) dirá pouco ou
nada. Os mais “idosos” talvez se lembrem que dado o artifício gráfico da
campanha - um “Z” - Zenha ficou conhecido por Zorro. Este “slide”, que fiz numa
moradia já demolida e que esteve ocupada pelo PSR (a mãe do BE, já que o pai é
o Anacleto Loucã), é um feliz acaso, uma disputa propagandística entre Zorro, o
verdadeiro que se apresentava no circo, e Zenha, o Zorro contrafeito.
Miguel Valle de Figueiredo
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
O legado de Trump.
To assess the legacy of Donald Trump’s presidency, start by
quantifying it. Since last February, more than a quarter of a million
Americans have died from COVID-19—a fifth of the world’s deaths from the
disease, the highest number of any country. In the three years before the pandemic,
2.3 million Americans lost their health insurance, accounting for up to 10,000
“excess deaths”; millions more lost coverage during the pandemic. The
United States’ score on the human-rights organization Freedom House’s annual index dropped from 90 out of 100 under President
Barack Obama to 86 under Trump, below that of Greece and Mauritius. Trump
withdrew the U.S. from 13 international organizations, agreements, and
treaties. The number of refugees admitted into the country annually fell from
85,000 to 12,000. About 400 miles of barrier were built along the southern
border. The whereabouts of the parents of 666 children seized at the border by
U.S. officials remain unknown.
Trump reversed 80 environmental rules and
regulations. He appointed more than 220 judges to the federal bench, including three
to the Supreme Court—24 percent female, 4 percent Black, and 100 percent
conservative, with more rated “not qualified” by the American Bar Association than under any other president in the past half
century. The national debt increased by $7 trillion, or 37 percent. In
Trump’s last year, the trade deficit was on track to exceed $600 billion, the
largest gap since 2008. Trump signed just one major piece of legislation,
the 2017 tax law, which, according to one study, for the first time brought the
total tax rate of the wealthiest 400 Americans below that of every other income
group. In Trump’s first year as president, he paid $750 in taxes. While he was in office, taxpayers and campaign
donors handed over at least $8
million to his family business.
O legado de Trump.
sábado, 16 de janeiro de 2021
José-Augusto França disserta sobre as nossas colónias e o pós-colonial
Introdução: O
volume Pensamento e Escritos (Pós-)Coloniais, com coordenação de Maria
João Castro, Edições ArTravel, 2017, resulta da Conferência Pensamento e
Escritos (Pós) Coloniais que teve lugar no dia 20 de abril de 2016 na Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, e contém os
textos de Adriano Moreira, Eduardo Lourenço, Helder Macedo e José-Augusto
França, bem como a súmula do debate subsequente. Nomes incontornáveis nas áreas
da política, ensaio, literatura e história da arte, os quatro autores pensaram
e escreveram sobre o colonialismo português, triangulando a reflexão arte/política/império
num testemunho singular de olhares que se cruzam e articulam entre si. O livro
está disponível em formato digital no site https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/5650759/Pensamento_e_Escritos_Pos_Coloniais.pdf.
Sem desprimor da elevada qualidade das comunicações dos
outros três intelectuais, já que aqui o nosso propósito é fazer o levantamento
da obra deste ilustre tomarense, damos exclusivamente assento à intervenção que
ele fez, intitulada a propósito de colónias, e o mínimo que se pode dizer é que
é um texto rico de memórias, belissimamente organizado e onde não faltam as
questões angustiantes com angustiantes respostas sobre a natureza do nosso
colonialismo e as tragédias que veio a suscitar decorrentes da descolonização.
Ele começa assim: “Em princípios de 1945 tomei o paquete África
e, depois de ter adquirido um capacete em S. Tomé, desembarquei em Luanda.
Melhor dizendo, ao largo da cidade que ainda não tinha cais, e acostei a bordo
de um gasolina, rente às obras do porto, onde negros enfaixados de
sarapilheira e luzentes de suor acarretavam pedras enormes. Assim foi para um
jovem saído de Histórico-Filosóficas”. Conta onde se aboletou e as viagens que
fez às fazendas de café do Golungo e o trabalho forçado que pôde ver, e da qual
resultou o seu romance Natureza Morta, de que a censura não gostou. Da
trama deste romance já aqui se falou, é indubitavelmente uma das obras de
ficção de José-Augusto França que importa reter. E fala da sua experiência de
historiador onde a vivência colonial é abordada. Escreveu uma história de
Lisboa física e moral, aludiu a uma Praça dos Escravos, ribeirinha, nas
urbanizações manuelinas. “Esses escravos, trazidos de África, enxameavam
Lisboa, conforme testemunhos de viajantes, e sabe-se que podiam dar assassinos
a soldo, pela Lisboa barroca dentro. Lamento não saber, por falta de estudos
apropriados, a percentagem de mão-de-obra negra na reconstrução de Lisboa,
quando foi caso disso, após o Terramoto; mas será importante sabê-lo (…) A
pintura não foi aberta a modelos negros e a literatura também não e, em 1868, o
Mário, de Silva Gaio, levando o seu herói a África, em simpática
deportação política, põe pela primeira vez em cena (notei-o, escrevendo sobre o
Romantismo cem anos depois) um negro ‘ser estúpido, selvagem, colocado no
último degrau da escala humana’, que se dedica ao herói branco, ‘a luz do
espírito que descia sobre o negro’ (…)”. E progride a narrativa falando de
livros, da Associação Promotora da Civilização em África, em Sá da Bandeira, no
aparecimento do Banco Nacional Ultramarino, na Sociedade de Geografia de
Lisboa, a Casa Africana, que tinha a escultura de um preto à porta (…) Em 1998,
dei-me a examinar o ano então secularmente comemorado, foi o Centenário da
Índia de Vasco da Gama. ‘A África só serviu para nos dar desgostos’ e só era
‘boa para vender’, lia-se na Ilustre Casa de Ramirez, e opinião do
‘vendamo-las’, de Ramalho Ortigão”.
José-Augusto França passa em revista as suas
reminiscências imperiais desde 1940, quando andou pela Exposição do Mundo
Português, onde houve uma notável realização artística, lembra Alves dos Reis e
o Banco Angola e Metrópole, a I Conferência Imperial de 1933, a Carta Orgânica
do Império Colonial, a Exposição Colonial do Porto, a Agência Geral das
Colónias e a Escola Superior Colonial. Outras recordações lhe ocorrem: um
cruzeiro de férias para universitários em 1936, a criação da Junta de
Investigações Ultramarinas, a Exposição Histórica da Ocupação no século XIX, o
Congresso Histórico da Expansão dos Portugueses no Mundo, Carmona a visitar
colónias, Marcello Caetano ministro das mesmas. E depois a criação da ONU, a
passagem de colónias a províncias ultramarinas. E seguem-se as experiências do
pós-25 de Abril, quando dirigia o Centro Cultural da Fundação Gulbenkian em
Paris, ali se realizou um colóquio sobre as literaturas africanas de língua
portuguesa e a tentativa de fundar em Luanda uma secção da AICA (Associação
Internacional dos Críticos de Arte). Lembrou o cinema de feição colonial, caso
de O Feitiço do Império, de Lopes Ribeiro, de 1939, uma Nova Lusitânia,
o falhado Chaimite, de Brum do Canto, e lembrou a chegada de uma literatura
pós-colonial, caso do romance A Costa dos Murmúrios de Lídia Jorge, mas
fez questão de não esquecer as obras literárias de Henrique Galvão, Castro
Soromenho e Luandino Vieira. Isto para já não pôr para trás das costas o
racismo, e faz perguntas, em jeito de despedida: “Racismo, havê-lo-á em
Portugal? Teremos, nós, também, fantasmas no armário? Alguém poderá ter
opinião, estaremos nós presos, ainda, e sem anacrónicos arrependimentos que têm
feito moda, nas malhas que o império tece – já não havendo máquinas domésticas
para as apanhar?”. É esta a comunicação do José-Augusto França, mas relembra-se
ao leitor que os outros três intervenientes fizeram igualmente intervenções
dignas de nota.
Tanto quanto se sabe, foi esta a última incursão de
José-Augusto França sobre os temas do colonialismo e da descolonização.
Cozinha do Museu do Azulejo |
sexta-feira, 15 de janeiro de 2021
quinta-feira, 14 de janeiro de 2021
Que rico emplastro.
Olhem-me bem, com olhos de ver, este
rico emplastro que querem construir no Douro. Em Mesão Frio, Douro Marina
Hotel. Uma beleza de comodidades, até com heliporto junto ao rio. 23.100m2 de empreendimento, 180 quartos,
um impacto paisagístico que está à vista, até dói. O emplastro está em consulta
pública, aqui: https://participa.pt/pt/consulta/douro-marina-hotel
.
E V., fica-se, não diz
nada na consulta pública? Depois, não se queixe de que destruíram uma das mais
belas paisagens de Portugal.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2021
terça-feira, 12 de janeiro de 2021
Soberbo.
Miguel Sousa Tavares: "Vitorino, vamos tê-lo aqui outra vez daqui a 4 anos?"
Tino: "Miguel, as
presidenciais são de 5 em 5 anos."
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
Torre da Péla.
Fotografias de António J. Ramalho |
E
assim está, linda de morrer (literalmente), a medieval Torre da Péla, ao Martim Moniz. No
coração de Lisboa, gasto e cansado de tantos maus-tratos. A Helena Peixoto, moradora e mulher d’armas, lançou uma
petição online. Assine, se puder e quiser:
https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=torrepela