Os
seus autores, Isabel Minhós Martins e Bernardo P. Carvalho, têm-se destacado na
área dos livros infanto-juvenis.
Nascida
em Lisboa, em 1974, Isabel Minhós Martins estudou na Faculdade de Belas Artes
de Lisboa, trabalhou como criativa na área da comunicação para crianças e foi
uma das fundadoras da editora Planeta Tangerina, tendo uma vasta bibliografia,
onde se pode destacar Pê de Pai (com
Bernardo P. Carvalho, 2006), Um Ano Inteiro – Almanaque da Natureza (idem, 2015), Cá Dentro – Guia para Descobrir o Cérebro (idem, 2017). Alguns dos
livros que escreveu, publicados em vários países, foram distinguidos por
prémios ou instituições ligados ao livro para a infância: Catálogo White
Ravens, Prémio Andersen, Banco del Libro, Sociedade Portuguesa de Autores
(2015), Gustav-Heinemann Friedenspreis (2017), Deutscher
Jugendliteraturpreis (2017).
Bernardo P. Carvalho (Lisboa, 1973)
Bernardo P. Carvalho, nascido em Lisboa em 1973, frequentou a Faculdade de Belas Artes e
é, à semelhança de Isabel Minhós Martins, co-fundador da Planeta Tangerina,
tendo ilustrado livros como o citado Pê
de Pai ou o premiado Lá Fora – Guia para Descobrir a Natureza (com Maria Ana Peixe Dias e Inês Teixeira do Rosário,
2014). Em 2009, foi um dos vencedores do 2nd CJ Picture Book Awards (Coreia),
com o livro As Duas Estradas. No
mesmo ano ganhou o Prémio Nacional de Ilustração com o livro Depressa, Devagar. Já em 2011, o álbum O Mundo num Segundo foi distinguido como
um dos melhores do ano pelo Banco del Libro da Venezuela.
Em
Portugal, crê-se que o exemplo mais conhecido e expressivo de utilização da
xilogravura de Hokusai na capa de um livro é a obra E vós, quem dizei que eu
sou?, de Roger Garaudy, publicado pela Editorial Notícias.
A
propósito da presença de A Grande Onda
em capas de livros, apresentam-se alguns exemplos, extraídos daqui (e,
portanto, circunscritos ao universo anglo-saxónico), tendo sido
propositadamente escolhidas obras que, em regra, não se relacionam directamente
com Hokusai ou a sua famosa xilogravura.
Estamos
na Roménia comunista, ano 1987. Não foi assim há tanto tempo, goodbye
Ceaucescu. Na cidade de Alba Iulia, 08:35 da manhã, numa quarta-feira vulgar,
dia 27 de Maio. Quiseram construir o Boulevard Transilvânia, está certíssimo. O
problema é que no lugar do boulevard estava lá, qual empecilho betonado, um
bloco de apartamentos de 100 metros por comprido e 7.600 toneladas de peso. Que
fazer?, perguntou Lenine. Pois muda-se o bloco betoneiro, respondeu Ceaucescu.
Assim se quis, assim se fez. Em seis horinhas de esforço, mudou-se a peça. As
oitenta famílias residentes nem tiveram que retirar os haveres de seus lares,
e saíram à rua com a roupa que tinham no corpo para assistir ao deslizamento do
condomínio. O prédio lá foi de carrinho, sem mortos nem feridos. Ceaucescu levou a cabo um grandioso plano
de remodelação urbana em toda a Roménia. Este método Lego saía mais barato de
que deitar abaixo e construir de novo. Desta vez correu bem. Outras, não.
A visita de Ramalho Ortigão (1836-1915)
à Exposição Universal de
Paris, em 1878, objecto de um livro recente (cf. Ramalho Ortigão, Paris. Exposição Universal, 1878-1879,
pref. de Maria João Lello Ortigão de Oliveira, s.l., Feitoria dos Livros, s.d.)contribuiu decerto para a propagação do
«japonismo» em Portugal, do mesmo passo que o seu escrito confirma o fascínio
dos impressionistas franceses pela arte do Japão, objecto da exposição Japonismes/Impressionismes,
actualmente patente no Musée des impressionismes de Giverny.
Théodore Duret, pintado por Édouard Manet, 1868
Paris, Musée du Petit Palais
Ramalho Ortigão baseia-se, em larga
medida, nos textos de Théodore Duret (1838-1927), uma personalidade marcante na difusão do japonisme e da obra de Hokusai, como se
referiu em Notas sobre A Grande Onda – 27.
Escreve o autor de As Farpas:
«[Os impressionistas] pintam do natural
e pintam exactamente, precisamente, rigorosamente, aquilo que vêem.
Dizem-se discípulos da escola japonesa.
Que influência pode ter a arte do Japão na pintura francesa? É o que o Sr.
Duret nos explica do modo seguinte:
Olhando-se com alguma atenção para as
estampas japonesas, nas quais se ostentam, ao lado uns dos outros, os tons mais
agudos e opostos, reconheceu-se que havia, para reproduzir certos efeitos da
natureza, que até então se tinham posto de parte, ou por negligência ou por
impossibilidade de os traduzir, processos novos, que seria útil experimentar.
Porque essas figuras japonesas, emque
muitos não querem ver senão salpicos de tinta, são, pelo contrário, impressões
da natureza, de uma fidelidade completa. Interroguem-se aqueles que foram ao
Japão.
Pela minha parte, diz o Sr. Duret,
sucede-me, a cada instante, encontrar nos leques e nos álbuns a sensação exacta
das cenas e paisagens que vi no Japão. Olho para um álbum japonês e digo: sim,
efectivamente é assim que me apareceu o Japão; é efectivamente assim, sob a sua
atmosfera luminosa e transparente, que o mar se espraia, azul e corado; são
essas as estradas e os campos orlados dos belos cedros, cujos ramos tomam toda
a espécie de formas angulosas e extravagantes, é esse o Fudji-Yama, o mais
esguio dos vulcões; são essas as massas dos bambus que cobrem as colinas; é
esse o povo pitoresco e grazina das cidades e das aldeias japonesas. A arte do
Japão reproduzira os aspectos particulares da natureza, por meio de processos
de colorido arrojado e novos; não podia portanto deixar de ferir a atenção dos
artistas investigadores e foi isso que influenciou energicamente os
impressionistas.»
Da autoria de José de Guimarães
(1939-) uma água-forte com as dimensões
65x46 cm, feita em Luanda, em 1968, pode constituir uma das principais – ou
talvez mesmo a principal – influências
directas de A Grande Onda de
Katsushika Hokusai na arte portuguesa contemporânea.
José de Guimarães (1939-)
Na verdade, intitulando-se a obra A Grande Onda, e dadas as inequívocas similitudes
visuais com a xilogravura de Hokusai, tudo leva a crer que se trata de uma
«recriação» desta última, feita, para mais, por um artista plástico que
confessa abertamente a influência da Pop Art na sua obra, sobretudo nessa «fase
africana», sabendo-se, a este propósito, a marca que a Grande Ondade Kanagawa e
as gravuras do «mundo flutuante» tiveram sobre os criadores daquela corrente
artística.
A Grande Onda, água-forte, 65x46 cm, Luanda, 1968
Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, E. 1176 A.
Por
outro lado, a profunda ligação pessoal e artística de José de Guimarães ao
Japão permitiria reforçar a ideia de que a sua água-forte de 1968 constitui,
digamos assim, uma homenagem a Hokusai e à sua opus magnum.
Importa, no entanto, situar AGrande
Onda no contexto mais vasto da trajectória de José de Guimarães, nome
artístico de José Maria Fernandes Marques, nascido em Guimarães em 25 de
Novembro de 1939, cidade onde fez os estudos secundários e contactou pela
primeira vez o mundo da arte, no Museu Alberto Sampaio e na Sociedade Martins
Sarmento. Fez o 6º e o 7º anos do liceu em Braga, tendo já então despertado o
seu interesse pelas actividades plásticas, como, após mencionar os excepcionais
dotes da sua mãe para o desenho, referirá em entrevista a José Jorge Letria:
«depois desses meus 3º, 4º e 5º anos, eu comecei, de moto próprio, a fazer umas
coisas, e essas coisas que eu fazia limitavam-se a copiar. Eu copiava quadros,
através de reproduções, de autores históricos, o Van Gogh, o Cézanne e assim.
Isso foi o meu começo» (cf. José de
Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo. Diálogo com José Jorge Letria,
Lisboa, Guerra & Paz, Editores, 2015, p. 33; no mesmo sentido, disse que na
juventude copiava quadros dos impressionistas, em entrevista a António Mega
Ferreira, saída no Jornal de Letras em
Fevereiro de 1984, e republicada in José de Guimarães, Arte Perturbadora/Disturbing Art, selecção e revisão de textos de
Aníbal Fernandes, Porto, Edições Afrontamento, 2000).
Tendo
tido como professores de desenho Teresa de Sousa e Gil Teixeira Lopes, e frequentando
cursos de gravura na Sociedade Cooperativa de Gravadores Portugueses –
«Gravura», onde contacta com nomes como Almada Negreiros, Júlio Pomar,
Bartolomeu (Cid dos Santos), João Hogan, Alice Jorge ou Charrua, José de
Guimarães oficial do Exército, aposentado com a patente de coronel, ingressou
na Academia Militar e no curso de Engenharia da Universidade Técnica de Lisboa
em 1957. Na universidade, faz parte da associação de estudantes e da Juventude
Universitária Católica (na juventude, fora escuteiro e filiado na Mocidade
Portuguesa). Nessa fase, diz ter sido particularmente marcado por uma exposição
de Amadeo de Souza-Cardoso organizada pelo Secretariado Nacional de Informação
e, bem assim, por uma mostra de pintura brasileira de Cândido Portinari e Di
Cavalcanti, a par do fascínio por Matisse, pelos pintores fauve e por Kandinsky e os artistas da Bauhaus.
Logo
em 1958, participa na exposição colectiva do Salão de Arte da Escola do
Exército, na Amadora, e, em 1959, no I Salão Universitário de Artes Plásticas
organizado em Lisboa na Sociedade Portuguesa de Belas-Artes.
Em
1961, expõe na Academia Militar, em Lisboa, e adopta o nome artístico José de
Guimarães, viajando até Paris onde contacta pela primeira vez com a pintura fauve. Dois anos depois, em viagem a
Itália, é marcado pelas obras de Miguel Ângelo, Morandi e Giorgio de
Chirico.
Em
1964, com as pinturas Relevo I e Relevo II, está presente no IV Salão
Nacional de Arte, organizada pela Galeria Nacional de Arte Moderna, de Lisboa,
e pelo Museu Nacional de Soares dos Reis, do Porto (cf. IV Salão Nacional de Arte, Lisboa, Galeria Nacional de Arte
Moderna, Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis, 1964). Nesse ano, duas obras
suas, que não foi possível determinar, são recusadas, juntamente com as de
muitos outros artistas, no 60º Salão de Primavera organizado pela Sociedade
Nacional de Belas-Artes (cf. Exposição de
Obras recusadas ao 60º Salão de Primavera, texto de José Luís Ferreira, Sociedade
Nacional de Belas-Artes, 18 de Maio de 1964).
No
ano seguinte, em que casa com Judith Castel-Branco e conclui o curso de
engenharia civil e militar, José de Guimarães conquistará o 2º Prémio de
Gravura do Estoril no 3º de Salão de Arte Moderna, organizado pela Junta de
Turismo da Costa do Sol. Nesse mesmo ano, participa na Exposição de Novembro,
Desenho e Gravura, organizada pela Sociedade de Belas-Artes de Lisboa, da qual,
anos depois, irá ser presidente (cf. Exposição
de Novembro. Desenho e gravura, pref. de José-Augusto França, Lisboa,
Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1965). Expõe também na Galeria Gravura, em
Lisboa, («Técnicas de Gravura em Metal»). Viaja até Munique, onde conhece de
perto os trabalhos de Klee, de Kandinsky e dos pintores da Bauhaus, visitando
também uma exposição de Rubens patente nessa cidade.
Em
Novembro de 1966, e à semelhança do que ocorrera no ano anterior, José de
Guimarães participa numa exposição colectiva de gravuras organizada em Lisboa,
na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Também em 1966, expõe na mostra «Privé –
Kunstbezite», em Tervuren, na Bélgica, e no 1º Salão Nacional de Arte
(Lisboa-Porto-Évora), indo a Paris e aí visitando a grande retrospectiva de
Pablo Picasso, que o marcará profundamente.
Em
1967, matricula-se no curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas-Artes
de Lisboa, que não vem a concluir. Expõe no 1º Salão de Arte Moderna de Luanda,
onde conquista o 1º Prémio de Gravura, expondo ainda na Exposição de Arte
Moderna organizada pelo CITA, em Luanda, e no 12º Salão de Outono organizado no
Estoril pela Junta de Turismo da Costa do Sol.
Também
em 1967 será enviado para Angola no cumprimento dos deveres militares, facto
que que não interromperia a sua actividade artística, que o faz ganhar, nesse
mesmo ano, e como já se disse, o 1º Prémio de Gravura no Salão de Arte Moderna
da Cidade de Luanda e o 1º Prémio de Gravura da Universidade de Luanda e, no
ano seguinte, de novo o 1º Prémio de Gravura no Salão de Arte Moderna da Cidade
de Luanda, cidade onde realiza várias exposições, com destaque para a que, em
1968, esteve patente no Museu de Angola, com a designação Exposição de Arte de
Vanguarda e o patrocínio do Instituto de Investigação Científica de Angola; o
respectivo catálogo, com texto de Luís Jardim Portela, curador daquele museu e
pintor de tendências surrealistas, não especifica, porém, que obras foram aí
mostradas (cf. José de Guimarães Expõe no
Museu de Angola, Luanda, Museu de Angola, Tipografia Angolana, 1968). Expôs
também na Exposição de Artes Plásticas organizada pela Câmara Municipal de Sá da
Bandeira, Angola, e no 2º Salão de Artes Plásticas das Festas da Cidade,
organizado pela Câmara Municipal de Luanda. Num balanço dessa fase, dirá,
muitos anos depois: «esse meu período africano eu não o dou como perdido. De
modo algum, antes pelo contrário, deu-me a grande volta. Eu, quando fui para
África, ao fim desses sete anos como pintor que levava daqui, andava na onda da
pop art, que era o que se praticava
na altura, nos anos 50, em Londres e Nova Iorque. Depois, com a introdução
dessa cultura africana, essa dita pop art
foi transformada já num estilo com uma grande personalidade» (in José de Guimarães: um Museu com a Forma do
Mundo, cit., p. 52).
Data
de 1968 a publicação, nas páginas do ABC,
de Luanda, do manifesto Arte
Perturbadora! Manifesto aos Artistas Inconformados, um texto fundamental na
sua afirmação artística, elaborado num tempo em que José de Guimarães
contactava de perto com nomes da intelectualidade contestatária de Luanda, como
o arquitecto Troufa Real e Aníbal Fernandes. O manifesto Arte Perturbadora! dizia, na íntegra:
− Abandonem os pincéis
e a paleta e utilizem as ferramentas com que se moldam o ferro e o betão.
− Aproximem-se da vida
e usem as matérias do nosso tempo.
− Dai beleza ao aço, ao
alumínio, ao betão e ao plástico.
− Pintura Mecânica –
Pintura Perturbadora!
− A arte é
irreverência, inconformismo e perturbação.
− A arte é a vida para
fora de nós, e a vida é a luta com o tempo.
− A arte é invenção, é
o irreal no presente.
− A arte é magia, é
sonho, é criação.
− A arte não conhece
materiais – Mas sim a forma como os utilizamos.
− A arte é a
aproximação do mistério.
− A arte imortal será
sempre perturbadora.
− Todo o objecto
quotidiano é recriável.
− Exaltai a imagem dum
espelho côncavo ou convexo.
− Exaltai deformando,
não conformando.
− A arte existe na
imaginação, nunca na realidade quotidiana.
− A arte é a imagem da
introspecção, jamais a introspecção da imagem.
− A arte é a realidade
do sonho.
− Ó pintores do meu
tempo deixai que a História glorifique o esforço da incompreensão e caminhai
triunfantes com a arte perturbadora dos espíritos acomodados na pequenez da
auto-suficiência.
− O sublime está na
metafísica e na redescoberta do homem pela arte perturbadora!
São
dessa fase algumas instalações mais subversivas, que o autor considera
pioneiras não só em termos nacionais como internacionais, e onde a marca da Pop
Art é muito saliente, com destaque para Cabine
Telefónica e para Retrato de Família.
Retrato de Família, instalação, Luanda, 1968
Nesse
ano de 1968, José de Guimarães participa no III Salão Nacional de Arte,
organizado pelo Secretariado Nacional de Informação e pelo Museu Nacional de
Soares dos Reis, e patente em Lisboa e no Porto, tendo aí apresentado trabalhos
como «A» Espacial e Bandeiras (cf. III Salão Nacional de Arte, Lisboa-Porto, Secretariado Nacional de
Informação-Museu Nacional de Soares dos Reis, 1968). À semelhança de anos
anteriores, participa no Salão de Arte Moderna organizado no Estoril pela Junta
de Turismo da Costa do Sol.
Em
1969, estará presente no 4º Salão Nacional de Arte, organizado na Galeria
Nacional de Arte Moderna, em Lisboa (cf. IV
Salão Nacional de Arte, Lisboa, Secretaria de Estado da Informação e
Turismo, 1969), e no 7º Salão de Arte Moderna, organizado no Estoril pela Junta
de Turismo da Costa do Sol.
Entre
as obras gráficas dessa fase, realçam-se uma água-tinta de 1968, intitulada Tocador de Jazz; uma água-forte do mesmo
ano, intitulada A, Não me escondas o teu rosto…, água-forte
também de 1968, e D, água-forte de
1969.
Curiosamente,
foram estes os trabalhos incluídos na mostra da sua obra gráfica patente em
1992 no Palácio Galveias, em Lisboa, que não exibiu A Grande Onda (cf. Elisabete Brito (ccord.), José de Guimarães. Obra gráfica, 1962-1991, Palácio Galveias, 26 de Março a 26 de Abril de 1992, Lisboa, Câmara
Municipal de Lisboa, s.d.).
Tocador de Jazz, água-forte, 1968
Em
contrapartida, A Grande Onda
figuraria na exposição da sua obra gráfica que Biblioteca Nacional organizou e
em cujo catálogo Raquel Henriques da Silva afirma que as suas gravuras de
Luanda constituem «a “pré-História” do estilo de José de Guimarães» e são «a
todos os títulos de referência para a história da gravura em Portugal» (cf.
Raquel Henriques da Silva, «A obra gráfica de José de Guimarães: alguns andamentos», in José de Guimarães. Obra gráfica, 1968-1998, Lisboa, Biblioteca
Nacional-Livros Quetzal, 2000, pp. 7-13, em esp. p. 9, salientando aquela
historiadora de arte os trabalhos Tocador
de Jazz, Formas, Composição e A., a propósito dos quais alude a uma «permanência obsessiva de
números e de bastonetes geométricos», p. 10).
Nessa
mostra foi possível apreciar um conjunto muito significativo de obras de arte
gráfica da década de 1960, algumas delas figurativas, tais como Tocador de Flauta I (água-tinta, 1963), Cabeça de Mulher I (xilogravura, 1964), Homem com Chapéu Alto (xilogravura,
1964), Tentação (xilogravura, 1964), Toureiro (xilogravura, 1964). De
salientar as obras de pendor mais abstractizante, com letras e números, entre
as quais se destacam Desporto (água-forte,
1968), Composição com letra A
(xilogravura, 1968), Não me escondas o
teu rosto (água-forte, 1968), Que mar
a pique ou luz… (água-forte, 1968) e Composição
com letra D II (água-forte, 1969),
bem como Labirinto (água-forte,
1967), «A» espacial (água-forte,
1968) e Composição com letra E
(água-forte, 1968).
Toureiro, xilogravura, 1964
Personagem, xilogravura, 1964
Desporto, água-forte, 1968
Que mar a pique ou luz..., água-forte, 1968
Em finais da década de 1960, data de A Grande Onda, o influxo da Pop Art
seria reconhecido pelo pintor numa entrevista concedida a Luís Jardim e
publicada precisamente em Novembro de 1968 no jornal Província de Angola (e republicada em José de Guimarães, Arte Perturbadora…, cit., pp. 35-41).
Em 1969, José de Guimarães regressa a
Portugal, onde realiza algumas exposições, com destaque para a mostra de
gravuras e de monótipos «letristas» na Cooperativa Árvore, no Porto, cujo
catálogo, com texto de Luís Jardim, não indica as obras apresentadas e, muito
menos, se então foi exibida Grande Onda,
trabalho que não tem grande saliência nas antologias das gravuras feitas por
José de Guimarães nesse período (cf. José
de Guimarães. Exposição de Gravuras, Porto, Galeria Árvore, Maio de 1969,
com texto de Luís Jardim).
Foi
também efectuada uma mostra das suas gravuras na Associação Cultural e
Recreativa «Convívio», em Guimarães, de Outubro a Novembro de 1969, não
especificando o respectivo folheto informativo, com uma breve nota de Luís
Jardim, se aí foi exibida A Grande Onda.
Em 1970, participa no Salão das Galerias da Sociedade Nacional de Belas-Artes,
em Lisboa.
No início da década de 1970, José de
Guimarães retorna a Angola numa nova comissão de serviço, e aí efectua trabalhos etnográficos junto dos Ngoyo
de Cabinda, com o apoio de Mesquitela Lima, José Redinha e do padre Carlos
Esterman (refere também, noutras ocasiões, ter estado com os bosquímanes, na
Huíla, e conhecido a generalidade das tribos africanas da região) (cf. José
Francisco Delgado Cerqueira, Por mares
nunca dantes navegados: José de Guimarães na rota dos Descobrimentos e do
encontro de culturas, policop., Faculdade de Letras da Universidade do
Porto, vol. I, 2010, pp. 70ss). Fará uma exposição em Luanda, em 1972, na Galeria
de Exposições do CITA, a qual, como se depreende do respectivo catálogo, foi
integrada apenas por pinturas e objectos, não contendo, portanto, obras
gráficas (cf. José de Guimarães.
Exposição de Pinturas e Objectos, Luanda, Galeria de Exposições do CITA,
1972).
Em 1973, realiza uma exposição de óleos
e de guaches na Galeria Dinastia, em Lisboa, mostra que não inclui gravuras ou
águas-fortes. No texto do catálogo, Mesquitela Lima, então director do Museu de
Angola, cita Lévi-Strauss para concluir que «nas telas de José de Guimarães, a
África sente-se e não se vê» (cf. Mesquitela Lima, «José
de Guimarães ou uma “pintura selvagem” , in José
de Guimarães, Lisboa, Galeria Dinastia, 1973, itálicos no original).
A série «Homenagem a Picasso», de 1973,
onde é evidente o «influxo de uma estética cartazística», segundo Raquel
Henriques da Silva (ob. cit., p. 10),
acusa a marca da retrospectiva de Picasso que, como se disse, José de Guimarães
vira em Paris, em 1966, e tem vestígios da Pop Art e de Rauschenberg (visível
noutra obra dessa altura, La vache qui
rit, acrílico sobre tela, de 1966), os quais se tornam mais notórios em
obras posteriores, como Nú Deitado,
serigrafia de 1976, bem como nas serigrafias do mesmo ano: 1º de Maio e Pin Ups,
exibidas na Sociedade Nacional de Belas-Artes (cf. Exposição de Arte Moderna Portuguesa. Salão de Verão/76, Lisboa,
Sociedade Nacional de Belas-Artes, Setembro-Outubro de 1976; cf. ainda ao desenvolvida
análise de Nuno Faria in José de
Guimarães. P de Pop Pintura Poster,
Lisboa, Fundação Millenium BCP-Documenta, 2016, que considera, a p. 105, que a
exposição realizada no Museu de Luanda, em 1968, constitui um momento de
ruptura na trajectória artística de Guimarães, salientando-se ainda a
importância de Retrato de Família, a
pp, 34-35).
O ano de 1975 é, segundo o próprio, um
tempo de viragem na sua trajectória artística. Expõe na Galeria Dinastia de
Lisboa e na Galeria Dinastia do Porto e, bem assim, na Galeria Convívio, em
Guimarães (no catálogo da exposição na Galeria Dinastia, José Augusto-França
refere Léger, Klee, Kandinsky e a arte africana como as suas influências
primordiais: cf. José de Guimarães,
pref. de José Augusto-França, introd. de Fernando de Azevedo, Lisboa, Galeria
Dinastia, 1975). José de Guimarães considera que produziu nesse ano uma «obra
charneira», A Gioconda (cf. a
entrevista a Alexandre Melo in José de
Guimarães. Exposição Antológica, 1966 a 2001, Calheta, Casa das
Mudas-Casa da Cultura da Calheta, 2003, onde refere a importância no seu
percurso do «alfabeto africano» e da Pop Art, patente esta última nas
instalações Cabine Telefónica e Retrato de Família, de 1968; anos
depois, numa entrevista a António Mega Ferreira, já citada, José de Guimarães,
além da «presença tutelar de Picasso», dirá que «até 1968, o trabalho da Pop
Art foi para mim fundamental»).
Gioconda Negra, 1975
Em 1989, José de Guimarães realiza a
sua segunda viagem ao Japão (sem que da sua biografia, recorrentemente
publicada na mesma versão, seja indicada a data da primeira visita a esse
país), onde, a convite de Paul Eubel, director do Goethe Institut de Osaca, se
dedica a pintar e a fazer um papagaio de papel, segundo a tradição japonesa.
Para o efeito, instala-se num mosteiro budista em Hinegi durante várias
semanas, tendo construído um papagaio de papel com a figura de D. Sebastião. «Quando
visitei o Japão, imediatamente me ocorreu lançar esse mito do Salvador da
Pátria no céu do Extremo Oriente e depois fazê-lo atravessar vários países até
chegar a Portugal», dirá em 1992 a António Rodrigues e José Sousa Machado (in Artes & Letras, Fevereiro-Março de
1992, republicado em José de Guimarães,
Arte Perturbadora/Disturbing Art, cit.; sobre o trabalho em Osaca existe um
filme realizado por Markus Zöllner, Bilder
für den Himmel: Drachenfest in Japan, Goethe Institut Osaka, Makus Zöllner
Filmsproduktion, 1989, que pode ser visualizado na Biblioteca de Arte da
Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa).
«O meu primeiro contacto com o Japão
ficou a dever-se a mero relacionamento profissional, e quase em simultâneo fui
contactado pelo Goethe Institut de Osaka para construir papagaios de papel»,
dirá mais tarde, acrescentando: «o meu interesse pela cultura asiática,
nomeadamente japonesa e chinesa, começou quando iniciei os meus primeiros
contactos com o Oriente em 1988. A partir dessa altura comecei a introduzir
elementos e arquétipos dessas culturas na minha própria obra» (depoimento de
José de Guimarães in Arte Portuguesa no
Japão Portuguese Art in Japan, introd. de João Pedro Zanatti, coord. de
Paula Ferreira Santos e Eduardo Kol de Carvalho, Edição organizada no âmbito da
Presidência Portuguesa da União Europeia, Tóquio, Centro Cultural Português em
Tóquio, Instituto Camões, Instituto Português do Oriente, Embaixada de Portugal
em Tóquio, 2007, p. 18).
Realiza,
nessa viagem, uma exposição na Fuji Television Gallery, de Tóquio, e outra no
Hara Art Museum, também de Tóquio (cf. Fuji
Television Gallery, Tóquio, Fuji Television Gallery, 19 de Outubro-17 de
Novembro de 1989). Também em 1989, o texto «Em busca do mito/In search of the
myth», publicado nos folhetos das diversas exposições que Guimarães realiza
esse ano (na Naviglio Gallery, em Milão; na Konstmassan Stocholm, na Suécia; na
Galeria Quadrum, em Lisboa; na Air Fair, em Los Angeles), refere o influxo da
arte africana, das tatuagens e dos sinais pictóricos de comunicação usados por
algumas tribos de Cabinda, com destaque para os Ngoyo (cf. José de Guimarães: um Museu com a Forma do Mundo, cit., p. 45).
Em 1990, efectua uma nova viagem ao
Japão, onde algumas obras da sua autoria passam a integrar a colecção
permanente da Fundação Akemi, tendo ainda, nesse mesmo ano, exposto no
Fukushima Perfectural Museum of Art. A Tobu Coporation reproduziu trabalhos seus
em diversos suportes e, em 1991, Guimarães expõe na Bunkamura Museum Art
Gallery.
Regressará
ao Japão em 1993-1994, visitando também a China e Macau.
Para
o ponto que aqui interessa, é muito relevante a declaração que José de
Guimarães faz, relativa ao ano de 1996: «começo a interessar-me pela poesia
chinesa das dinastias Tang e Song e por Hokusai (sobretudo a sua arte erótica),
com importância significativa na série Hong Kong» (cf. in José de Guimarães, Arte Perturbadora/Disturbing Art,
cit.).
A Perdiz e o Dragão, acrílico sobre tela, 1997, série Hong Kong
A série Hong Kong será apresentada em
1998, em Almancil, no Centro Cultural de São Lourenço, e, no ano seguinte, em
Estarreja, incluindo-se nesta última mostra os trabalhos «mexicanos» do autor
(cf. José de Guimarães: série Hong Kong,
Almancil, Centro Cultural São Lourenço, 1998, sem texto explicativo ou
introdutório; José de Guimarães.
Exposição México-China, obras de 1995 1998, pref. de Bernardo Pinto de
Almeida, Estarreja, Câmara Municipal de Estarreja, 1999).
Antes disso, fora exposta em
Outubro-Novembro de 1997 na Galeria Maeght, de Barcelona, onde, no respectivo
catálogo, Bernardo Pinto de Almeida menciona as máscaras africanas e a «pintura
lúdica e fantasiosa dos anos 70» e, especificamente sobre a série Hong Kong,
alude a «uma vontade de superfície que evoca por vezes os papier colés de Matisse sobre cujos fundos luminosos de teatro de
feira as figuras se projectam num bailado de regozijo festivo como se
participassem nas núpcias secretas de Eros e Thanatos»; a pretexto das obras
«mexicanas», refere o inciso da pintura holandesa do século XVI e das alegorias
apocalípticas germânicas medievais (cf. Bernardo Pinto de Almeida, «A Paixão
segundo José de Guimarães», in José de
Guimarães. Hong-Kong – México, Barcelona, Galeria Maeght, 1997, pp 4-5).
Sendo muito mais perceptível a
influência da estética e da caligrafias chinesas do que da arte do Japão («A
cultura chinesa é uma cultura fabulosa. As peças que eles fizeram já
conseguidas em bronze datam de 10 000 a.C. Essa cultura interessou-me
muito», in José de Guimarães: um Museu
com a Forma do Mundo, cit., pp. 76-77), há trabalhos da série Hong Kong que
merecem ser apontados como ecoando, porventura, uma marca das xilogravuras nipónicas
– e da arte erótica de Hokusai, em particular –, pelas quais o autor se
começara a interessar, segundo o próprio, em 1996. Sonho no Pagode Chinês, acrílico sobre tela de 1997, é,
porventura, dos trabalhos mais significativos desta série.
Sonho no Pagode Chinês, acrílico sobre tela, 1997
Noutra
ocasião, o pintor dirá a Alexandre Melo: «a seguir ao México, passei
a frequentar mais o Oriente e a tentar compreender também essa cultura e esses
povos com uma mentalidade completamente diferente da ocidental e até da
latino-americana» (in José de Guimarães.
Exposição Antológica, 1966 a 2001, cit., p. 25).
Sobre
a série Hong Kong, um dos mais atentos leitores da obra de José de Guimarães e
autor de um livro que percorre a fundo as diversas etapas do seu percurso (mas
onde, curiosamente, não inclui as obras gráficas da década de 1960), Pierre
Restany diz que os trabalhos expostos na Galeria Maeght, de Barcelona, em 1997,
e no Centro Cultural de São Lourenço, de Almansil, em 1998, são uma «amálgama
sincrética altamente significativa do nomadismo transcultural do seu autor»,
que, sobre um «fundo colorido violentamente expressionista faz um dripping pontilhista informal» (cf.
Pierre Restany, José de Guimarães. Le
nomadisme transculturel, Paris, Les Irréguliers-Éditions de la Différence,
2006, p. 127 e p. 124, respectivamente).
Aprofundando a sua ligação ao Japão, em
1997 José de Guimarães faz um mural em néon, em Quioto, e, em 1998, é-lhe
encomendada uma intervenção plástica global em Kushiro, cidade de 350 mil
habitantes na ilha de Hokaido, com vista a transformar a fisionomia daquele
espaço urbano (cf. José de Guimarães: um
Museu com a Forma do Mundo, cit., p. 79).
Num dos mais importantes ensaios já
publicados sobre José de Guimarães e a sua obra, o crítico Fernando Pernes
realça a influência da arte africana, de Rubens e de Rouault e da Pop Art,
destacando ainda a marca da exposição sobre Picasso que o artista viu em Paris
em 1966 e da mostra do centenário de Rubens, patente na Bélgica em 1977 (cf.
Fernando Pernes, José de Guimarães,
Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1984, em esp. pp. 8 a 13ss, sendo de
notar que, numa entrevista a Fernando Pernes publicada nesse livro, Guimarães
reconhece expressamente a influência da arte africana e de Picasso, pp. 31ss; cf.
também Fernando Pernes, José de
Guimarães. Identidade e universalidade, Lisboa, Editorial Caminho, 2006,
que a propósito da obra de Guimarães fala da sua agressividade e sublinha uma
influência nem sempre referida, a do Minho natal, responsável por uma
«festividade de cunho barroco e simbolista», p. 5; os seus trabalhos sobre
Rubens seriam divulgados em 1978: cf. Exposição
Rubens e José de Guimarães, apresentação de José-Augusto França, texto de
Fernando de Azevedo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Porto, Museu
Nacional de Soares dos Reis, 1978; cf. ainda Marc Van Jole, «José de Guimarães
et Rubens», Colóquio/Artes, 2ª série,
ano 19, nº 35, Dezembro de 1977, pp. 5-11; José-Augusto França, «Uma releitura
de Rubens», in José de Guimarães: dez
anos de pintura, Guimarães, Sociedade Martins Sarmento, 1979, p. 7; estes textos,
bem como um da autoria de Fernando Pernes, «Ruben e José de Guimarães» e outro
do próprio José de Guimarães, «Os símbolos, porquê?», encontram-se reunidos em
Marcel Van Jole (ed.), José de Guimarães,
Genebra-Paris-Antuérpia, Arte & Biblio Press, 1979).
Também Gillo Dorfles salienta, como é
comum, a influência da arte africana na obra de José de Guimarães, mas não
refere a arte japonesa (cf. o seu texto in José
de Guimarães. Textos de Gillo Dorfles, Marc le Bot e Bernardo Pinto de Almeida,
Porto, Edições Afrontamento, 1991, pp. 8-17, devendo atentar-se no ensaio de
Marc Le Bot, «O outro mundo de José de Guimarães», pp. 19-33, e, na mesma obra,
a pp. 35-57, o texto de Bernardo Pinto de Almeida. «Sobre a pintura de José de
Guimarães», onde de novo é mencionado o impacto da arte negra na sua obra, a
pp. 46-48).
De igual modo, António Rodrigues, um
profundo conhecedor da obra de Guimarães (cf., por ex., da sua autoria, «No
atelier de José de Guimarães», Colóquio/Artes,
2ª série, ano 32, nº 84, Março de 1990, pp. 16-21), salienta a influência que
sobre ela foi exercida pela Pop Art, por pintores com Klee, Kandinsk, Rubens,
Miró ou Magritte, mas não cita Katsushika Hokusai nem qualquer outro artista
oriental (cf. António Rodrigues, «O triunfo da ratoeira. Sobre a obra de José
de Guimarães», in José de Guimarães. Obra
gráfica, 1962-1991, Palácio Galveias…,
cit., pp. 7-11, em esp. p. 8).
Por seu turno, José Luís Porfírio,
falando de uma «vocação invasora» do trabalho de José de Guimarães, assinala,
num texto centrado sobre a intervenção do artista na estação de metro de
Carnide, a influência de Rubens e, por outro lado, de «África e da sinalética
africana» (cf. José Luís Porfírio, José
de Guimarães. A luz no túnel / Light in the tunnel, Porto, Edições
Afrontamento, 2000, pp. 83 e 99ss, e, sobre a influência da arte negra, p.
91).
Esse
tópico da obra de Guimarães tem sido reiteradamente analisado (cf., por ex.,
Janaína Rocha, «O impacto da arte africana no imaginário de José de Guimarães», Bien’Art, nº 6, Abril de 2005, pp.
20-23; Pierre Gaudibert, «José de Guimarães e a África profunda», in Maria João
Fernandes (coord.), José de Guimarães,
1962-1992, Centro de Arte Moderna-Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação de
Serralves, s.d., pp. 18-21). Por outro lado, a recensão das suas influências –
Roualt, Matisse, Miró, Picasso, Calder, África – encontra-se sedimentada (cf.,
por ex., Daniel Giralt-Miracle, «José de Guimarães, creador de nuevas
mitologías. Realidad y ficción de unas personages», in José de Guimarães: Agenda, Barcelona, Ambit serveis Editorials,
1988, pp. 15-20; mais recentemente, cf. os importantes textos reunidos no livro de Maria João Castro (coord.), Arte e viagem (pós-)colonial na obra de José de Guimarães, Casal de Cambra, Caledoscópio, 2018).
Sendo patente a influência da arte
africana na sua obra («posso dizer que a grande transformação da minha pintura
se deu após o entendimento da arte africana», afirmou, em entrevista, tendo
também referido, numa entrevista ao jornal Tempo,
em Outubro de 1980, que as suas grandes influências foram os expressionistas,
Goya, a Pop Art e a arte africana), é importante salientar que José de
Guimarães começou também a reunir uma colecção de arte negra, a qual seria
parcialmente exibida no Museu Afro Brasil de São Paulo entre Junho e Setembro
de 2006, com curadoria de Emanoel Araujo (cf. África e Africanias de José de Guimarães: Espíritos e Universos
Cruzados, ed. de Emanoel Araujo, São Paulo, Museu Afrobrasil, 2006, onde se
destaca o texto «Diálogo mestiço de um coleccionador e artista», pp. 215-218). A
mostra esteve presente depois no Museu Würth, de La Rioja, em Espanha, e em
Lisboa, antes de se dirigir a Roma (cf. África.
Diálogo Mestiço. Colecção de Arte Tribal de José de Guimarães, Lisboa,
Câmara Municipal de Lisboa, 2009, catálogo onde Raquel Henriques da Silva diz
ser «Angola o facto mais determinante da carreira de José de Guimarães»: cf.
Raquel Henriques da Sila, «Celebrar e transfigurar as marcas da memória», in ob. cit,, p. 35; cf. ainda Africânia: José de Guimarães, Almada,
Casa da Cerca-Centro de Arte Contemporânea, 2006).
De
igual modo, o artista português iniciou uma colecção de arte chinesa, a qual
foi mostrada em 2011 no Centro Científico e Cultural de Macau (cf. Rui Abreu
Dantas (coord.), Bronzes e Jades da China
Antiga: Colecção de José de Guimarães, Lisboa, Centro Científico e Cultural
de Macau, 2011) e, mais recentemente, na Fundação Oriente, em Lisboa, por
ocasião do 30º aniversário daquela fundação (cf. Um Museu do Outro Mundo/A Museum from another World. José de Guimarães
nos 30 Anos da Fundação Oriente e nos 10 Anos do Museu do Oriente, Lisboa,
Fundação Oriente-Documenta, 2018; cf. ainda, sobre as colecções de arte
africana, pré-colombiana e chinesa, José
de Guimarães. International Arts Centre. Guide to the Collection,
Guimarães, Fundação da Cidade de Guimarães, 2012, sobre esse Centro, em
particular do ponto de vista arquitectónico, cf. Pitágoras Arquitectos, Plataforma das artes e da criatividade.
Centro Internacional das Artes José de Guimarães, Casal de Cambra,
Caleidoscópio, 2013).
O coleccionismo de arte chinesa não tem
paralelo, ao que se sabe, com a arte japonesa e, em particular, com as
xilogravuras ukiyo-e e, ainda mais
especificamente, com os trabalhos de Hokusai (v.g., os de arte erótica), pelos quais José de Guimarães diz ter
começado interessar-se apenas em meados dos anos 1990, ou seja, muito depois da
criação de A Grande Onda, datada de
1968. Ainda assim, dessa afirmação não é possível deduzir, sem mais, que
Guimarães desconhece por completo a famosa xilogravura de Hokusai, mas tão-só
que é em meados da década de noventa que começa a mergulhar mais a fundo na
obra do mestre japonês.
A obra de José de Guimarães nem sempre
tem merecido o favor da crítica, ao contrário do que sucede com outros artistas
portugueses como Amadeo ou Paula Rêgo (que Guimarães disse admirar, em
entrevista a Baptista-Bastos, para o Diário
Popular, em Outubro de 1986). Como referiu Manuel Costa Cabral em diálogo
com Ruth Rosengarten, «Guimarães é uma pessoa determinada, apostada em
construir um estatuto de produtor muito organizado (…) Tem feito a divulgação
da sua obra através de aturados contactos no estrangeiro e sente-se francamente
não reconhecido na sua terra» (in Orientations,
Arte e «craft» contemporâneos de Portugal/Contemporary art & craft from
Portugal, Amagasaki, Fundação Akemi, 1993, p. 23). O ponto já mereceu,
aliás, uma importante análise por parte de João Pinharanda, que refere ser a
«marginalidade» de José de Guimarães um efeito da desatenção da crítica (cf.
João de Lima Pinharanda, «As máscaras da crítica e o destino do artista ou as
máscaras da crítica e dos críticos», in Maria João Fernandes (coord.), José de Guimarães, 1962-1992, cit., pp.
28-45). Nesse ensaio, João Pinharanda refere, a propósito da obra de Guimarães,
a um «primitivismo que coincide com as fontes das vanguardas do início do
século», afirmando que o seu «sentido poético parece retomar os valores do
expressionismo histórico». Sobre os trabalhos produzidos em Angola em meados
dos anos 1960 (e, em particular, sobre a exposição patente em 1968 no Museu de
Luanda), Pinharanda fala de uma «pintura auto-referencial intensa com forte
componente gráfica e onde incorpora informação mediatizada da Pop Art».
Esse texto de João Pinharanda foi
publicado no catálogo da retrospectiva da obra de José de Guimarães, obra onde
José Augusto-França, curiosamente, classifica o artista como um «namban», um
«bárbaro do Sul» (cf. José Augusto-França, «Da coerência da pintura de José de
Guimarães com quatro notas complementares», in Maria João Fernandes (coord.), José de Guimarães, 1962-1992, cit., pp.
14ss, em esp. p. 16, salientando também França a marca do expressionismo da
arte negra e do grupo Cobra). No jornal dessa exposição, e em entrevista a
Fátima Alves de Sá, José de Guimarães dirá, uma vez mais, que «os meus signos
plásticos nasceram da minha experiência africana».
Assim,
e num balanço global, é indiscutível que a marca da arte japonesa é muito menos
intensa e visível – e mais tardia – do que outras influências, seja da arte
africana, sobretudo, seja da Pop Art, seja, inclusivamente, da arte chinesa.
No entanto, nos trabalhos realizados no
Japão será possível entrever a marca de Hokusai e de A Grande Onda, a qual parece ecoar na escultura Ídolo, trabalho em azulejo, cimento e
aço, com as dimensões de 1400mm (comprimento), 1020mm (altura) e 615mm
(largura), presente em Tachicawa desde 1994.
Prazeres Campestres, acrílico sobre tela, 1997, da série Hong Kong
A par dessa escultura, há obras onde a
influência de Hokusai parece ser directa e indiscutível, como sucede com Nostalgia de Amor, relevo acrílico sobre
papel, 57x76,5cm, 1997, da série Hong Kong. Para José Francisco Delgado
Cerqueira, essa obra denota a marca da arte shunga
do mestre japonês, que aquele autor analisou na sua dissertação de doutoramento,
centrando-se nas obras do período 1971-1973, ou seja, não referindo A Grande Onda, de 1968, e, depois, as
obras da série Hong Kong (cf. José Francisco Delgado Cerqueira, ob. cit., pp. 290-292; sobre as obras da
fase africana, apenas do período 1971-1973, pp. 67ss; sobre a «fase mexicana»,
pp. 70ss, e, sobre a poesia Tang, pp. 308ss).
Katsushika Hokusai, Flor de Adonis (Fukujuso), 1815
José de Guimarães, Nostalgia de Amor, relevo acrílico sobre papel, 57x76,5cm, 1997
Irá tentar-se um contacto com o artista
José de Guimarães para confirmar a hipótese tida por mais plausível, nos termos da
qual a água-forte A Grande Onda,
Luanda, 1968, recebeu o influxo da xilogravura A Grande Onda, de Katsushika Houkusai.