segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Ver e... meditar.



Sugestões Feira do Livro.









          O que este livro de Vasco Gil Calado tem de bom, muito bom, acima de tudo, é a sua rara honestidade /uma reportagem sobre a obra, aqui). O livro é fruto de uma investigação séria, profunda e informada sobre o uso de drogas na guerra colonial portuguesa. Haveria mais a explorar: relatórios médicos, documentos oficiais (o livro baseia-se sobretudo em entrevistas, ainda que o autor tenha também frequentado os arquivos), o uso de estupefacientes pelos africanos dos movimentos de libertação, sempre relatado nas denúncias dos ataques dos «turras», o enquadramento das drogas no quotidiano dos soldados, contemplando outras dimensões, como a sexualidade (hetero e homo), etc. O mais importante de tudo, como se disse, é a honestidade do autor. Ao invés de forçar a nota e tentar demonstrar à outrance que as drogas estavam disseminadas entre as tropas portuguesas, Vasco Gil Calado conclui que elas tiveram «relevância» mas não excessiva, nem uma dimensão comparável, por exemplo, ao consumo de álcool. Quando um investigador se dedica a um tema controverso e complexo, de acesso dificílimo, e evita resvalar no sensacionalismo Apocalypse Now e na tentativa de demonstração a martelo de uma «tese» bombástica, quando um investigador tem o dom da contenção e do rigor, a sobriedade que a verdade impõe – devemos ficar muito agradavelmente espantados. Um feito muito raro, nos dias que correm. Ah, outra coisa: o livro é muito, muito bom – e muito bom de ler. Assim, dá gosto. 

















Sugestões Feira do Livro.










Zoos humanos.












Ruralidades, de Jorge Bacelar: um grande fotógrafo, um grande livro.




















sábado, 29 de agosto de 2020

São Cristóvão pela Europa (125) .





As grandes catedrais espanholas são um dos pontos altos da iconografia de São Cristóvão.

Salamanca, Burgos, Sevilha, Toledo têm grandes imagens do Santo pintadas junto a uma das saídas da sua catedral. O passante na Idade Média olhava para a imagem e acreditava que nesse dia não morreria.

É também o caso, na Galiza, da Catedral de Ourense.

A Catedral possui no altar-mor um retábulo extraordinário centrado em São Martinho:




São Cristóvão ocupa uma parede a toda a altura da catedral. A pintura foi recentemente restaurada e mede mais de cinco metros:



A propósito de Espanha, o poeta espanhol António Machado (1875-1939) no seu poema Apuntes escreve o seguinte:


I
Desde mi ventana,
¡campo de Baeza,
a la luna clara!
¡Montes de Cazorla,
Aznaitín y Mágina!
¡De luna y de piedra
también los cachorros
de Sierra Morena!
II
Sobre el olivar,
se vio la lechuza
volar y volar.
Campo, campo, campo.
Entre los olivos, los cortijos blancos.
Y la encina negra,
a medio camino
de Úbeda a Baeza.
III
Por un ventanal,
entró la lechuza
en la catedral.
San Cristobalón
a quiso espantar,
al ver que bebía
del velón de aceite
de Santa María.
La Virgen habló:
Déjala que beba,
San Cristobalón.
IV
Sobre el olivar, 
se vio la lechuza
volar y volar.
A Santa María
un ramito verde
volando traía.
¡Campo de Baeza,
soñaré contigo
cuando no te vea!

O poeta invoca Baeza, terra de culto de São Cristóvão, e onde espero um dia regressar.
San Cristobalón é o aumentativo de San Cristobal. Em Espanha é por vezes usado relativamente às imagens gigantes do Santo.

Em português talvez se pudesse dizer São Cristóvalão.

Fotografias de 30 de Julho de 2020

José Liberato





Carros.




Theodore Roosevelt




sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Reminiscências de Vila do Conde e de São Miguel de Ceide.






A propósito de uma “Nota Bárbara” de Onésimo de Almeida, intitulada “Da Natália Correia e da não necessidade de inventar estórias”, e publicada no dia 28 de fevereiro de 2008, respondi eu com esta carta electrónica, que me pareceu oportuno registar no meu Diário, à guisa de entrada, no dia 7 de Março de 2008.

Como vale mais tarde que nunca, aqui vão os meus parabéns e o meu agradecimento por me haver presenteado com a sua divertidíssima e edificantíssima estória sobre a génese insuspeitabilíssima e naturalíssima de ciúmes infundados. O remate da sua réplica ao cujo - a referência à sua filiação clubística - é grotescamente hilariante, pelo seu carácter absurdo, surrealista.

Se a inveja, em vez de ser o sexto pecado mortal, fosse um mero pecado venial, pode crer que não hesitava um momento em praticá-lo, o que certamente não aconteceria no tempo em que eu caminhava, repleto de fervor e convicção, pelas sendas espinhosas da vida de perfeição. Refiro-me à notícia que me dava na sua carta electrónica do dia 11 do corrente mês de Fevereiro de 2008 a respeito da sua partida para Portugal, a fim de participar nas "Correntes d´Escritas" na Póvoa de Varzim. É que ao lado da Póvoa de Varzim fica Vila do Conde e em Vila do Conde fica a Escola Profissional de Santa Clara, um reformatório ou colégio de corrécios (naquele tempo ainda se podiam usar estes vocábulos, sem ter medo de ver o inocente pescoço de um cristão ameaçado pelo afiado cutelo da censura e da ignomínia) onde o abaixo assinado foi professor no seu primeiro ano de tirocínio, no ano lectivo de 1953-54.

Se lhe disser as disciplinas que ensinei, não dá para acreditar. É que ensinei, dentro do sistema escolar de então, aos alunos do Curso Comercial e do Curso Industrial, Português, Francês, Direito Comercial e Físico-Químicas. Físico-Químicas! Imagine só! Quando disse ao Director do colégio, o Padre Caminha, que eu não estava preparado para ensinar essa matéria nem a de Direito Comercial, ele apenas me perguntou retoricamente se eu não tinha ouvido repetir vezes sem conta aos meus superiores, durante o Noviciado e o Curso Filosófico, que um verdadeiro salesiano nunca deveria obrigar o superior a dar-lhe uma ordem sob o voto de obediência e que o salesiano era por definição pau para toda a colher ou um factótum.

(A respeito do fac do factótum, não resisto a contar-lhe, entre parêntesis, o que me aconteceu no meu primeiro ano de professor nos Estados Unidos, ano em que ensinei Francês e Latim em Chester High School, Chester, Massachusetts, o estado icónico do puritanismo e de Salem. Quando chegou a vez de ensinar o verbo facio, facis, feci, facere, factum, dou inesperadamente com alguns dos alunos a sorrir sorrateiramente. Como isso aconteceu já quase ao findar da aula, continuei a lição, fazendo de conta que não via nem ouvia o que estava vendo e ouvindo. Porém, terminada a aula, chamei à secretária o aluno que mais ostensivamente tinha sorrido e perguntei-lhe por que fizera isso. Que não podia dizer-me. À minha insistência que dissesse, acabou por anuir, pedindo-me que lhe deixasse abrir o manual de Latim. Acedi ao pedido e ele, vermelho como um pimento, apontou para o imperativo do singular do verbo facere: fac. E com isso? - perguntei eu. Ele, cada vez mais corado de vergonha, disse-me que não podia dizer mais e pediu-me que por favor eu mostrasse essa palavra ao director, que ele teria a resposta apropriada. E eu, no primeiro intervalo, fiz isso mesmo, expondo o caso tim-tim por tim-tim ao director. E ele gargalhou e gargalhou e gargalhou. E no fim dessa gargalhada olímpica teve a bondade de me iniciar numa disciplina em que eu, ex-seminarista exemplar, era menos que noviço: a disciplina do palavrão em Inglês, em que ainda hoje sou um ignorantão. Quando, três anos mais tarde, o Chefe do Departamento de Línguas Estrangeiras da Universidade da Nevada, em Reno, me pediu que ensinasse dois cursos de Latim - no primeiro ano, eu ensinara Espanhol e Francês -, fiz de conta que o verbo facere era defectivo no que se refere ao imperativo. Isto apesar de se tratar de alunos universitários, em meados da libertina década de sessenta. Fecho parêntesis e volto ao fio da meada.)

       Ah! Voltando ao fio da meada, esquecia-me de dizer que, além de ensinar todas essas matérias, na Escola Profissional de Santa Clara de Vila do Conde, fui também empossado no cargo de director de teatro e no de mestre do terno de corneteiros. E como, em determinada altura, expulsaram um dos dois contrabaixos da banda colegial, o João Augusto, irmão coadjutor, professor de desenho, mestre exímio de tipografia e maestro competentíssimo, pediu-me que lhe valesse, tocando contrabaixo ou tuba. Eu, desta vez, não sob a ameaça de ser mandado em nome do santo voto de obediência, mas por amor à camisola e por solidariedade com um excelente colega, passei a ser contrabaixo da banda do colégio. Quando, chegado o verão, ele, o João Augusto, teve de ir fazer um curso avançado de tipografia à Itália, passei eu a ser maestro. E foi nessa capacidade que regi a banda da Escola Profissional de Santa Clara durante a época de touradas na Póvoa de Varzim e de algumas das principais procissões da Póvoa e de Vila do Conde.

À distância do tempo e do espaço, como tenho saudades dessa minha idade de ouro! O tempora! O mores! (palavras, como o Onésimo sabe, de uma das Catilinárias de Cícero que nós, seminaristas, docemente irreverentes, parodiávamos, traduzindo-as assim: Oh tempo das amoras! Se não fôssemos seminaristas, creio que diríamos: Oh tempo dos amores!).

Não sei se os organizadores do congresso terão tido o bom gosto de levar os amantes da arte e da história de Portugal a visitar esse velho e venerando convento das Clarissas onde funcionava a Escola Profissional de Santa Clara. Se o não tiveram, recomendo encarecidamente ao Onésimo que, no próximo congresso, não deixe de visitar essa relíquia do Portugal de antanho, fundada, em 1318, por Afonso Sanches, filho bastardo e predilecto do Rei Dom Dinis, e pela esposa do príncipe, Teresa Martins, em cuja bela igreja gótica estão sepultados, como sepultada nessa mesma igreja está Beatriz de Portugal, filha única do Santo Condestável, Nuno Álvares Pereira. Verá que vale a pena. Ainda há dias, por mero acaso, me vi a rever fotografias tiradas por ocasião das representações teatrais, normalmente dramalhões ultra-românticos de fazer derramar lágrimas como punhos, como diria Camilo. Os actores vestidos de duques, de guerreiros, de bandidos, de piratas, de pajens, e o Cirurgião de capa preta, por cima da batina, que um clérigo e colega lhe emprestara.

Entre as muitas recordações do ano passado aí como professor, mestre de banda e do terno de corneteiros e director de teatro (encenador ou coreógrafo, como se diria hoje), recordo a de ter sido instrumento numa exposição de São Joões muito velhinhos da preciosa colecção de José Régio, oriundo de Vila do Conde e ao tempo professor no Liceu de Portalegre.

         Foi assim. Um belo dia vi-me abordado pelo irmão de José Régio, Saul Dias, pintor e poeta, a perguntar se lhe podíamos ceder o salão de actos (assim se chamava ao teatro), antigo refeitório das Clarissas, para a dita exposição. Fui ter imediatamente com o director, o Padre Caminha, o padre mais genuína e orgulhosamente prosaico e campónio que encontrei na vida, mas inteligente e excelente administrador, e convenci-o dos benefícios que poderiam advir para a Escola Profissional de Santa Clara, se cedêssemos esse velho refeitório, durante o mês de Julho, ao melhor cliente da secção de tipografia e de encadernação da escola: o grande escritor José Régio. É que nesse tempo José Régio imprimia lá todas as suas obras. Obras que eu lia sofregamente, sem o Reverendo Director saber, a par de outras que a alta burguesia e até gente brasonada aí mandava encadernar luxuosamente.

Saiba que passei muitas noites quase em claro a ler, numa das partes inocupadas do convento, onde se dizia que apareciam freiras encantadas, obras interditas a seminaristas dignos de tal nome!  Para amostra, refiro apenas O crime do Padre Amaro e O Primo Basílio de Eça, Madame Bovary de Flaubert, Les Fleurs du Mal de Baudelaire. Mas as três obras que melhor recordo ter lido pela noite fora, às escondidas, quando o velho convento, padres, clérigos e irmãos coadjutores e alunos repousavam nos braços de Morfeu, são Crime e Castigo e Os Irmãos Karamasov de Dostoiewski e Ana Karenina de Tolstói. Ainda hoje me tremem as minhas pobres carnes de terror, ao lembrar-me da leitura do episódio das punhaladas em Crime e Castigo, sentado, alta noite, nas escadarias mal iluminadas dessa parte desabitada do velho convento. O prazer inebriante de enfrentar sozinho, indefeso, o espectro do medo!

Do outro lado do velho Convento de Santa Clara, de freiras, ficava o velho convento de São Francisco, de frades. Já está a imaginar a lenda. Que havia um túnel que ligava os dois conventos. Para que finalidade não é preciso dizer a um antigo seminarista super-erudito como o Onésimo. Imagine que uma noite, no fim de um ensaio de teatro, depois de acompanhar os actores e colaboradores de encenação às respectivas camaratas, a que nós chamávamos dormitórios, me enchi de coragem e me aventurei a caminhar sozinho, pelo dito túnel, com uma fraca e manhosa pilha na mão. Queria ver se era mesmo verdade que, alta noite, sem alta lua, aparecia uma freira toda vestida de branco no túnel encantado. A freira não me apareceu, mas apareceram-me coisas mais pavorosas que uma freira vestida de branco: apareceram-me os indesejáveis fantasmas do medo. De um medo tão intenso que ainda hoje não sei como não desmaiei.


Valha-me Santa Rita! Só agora me dei conta de que esta carta já vai mais longa que as léguas da Póvoa, pelo que urge pôr-lhe ponto final, deixando para outra ocasião uma referência elogiosa ao seu artigo sobre a Natália Correia, publicado no Portuguese Times de 13 de Fevereiro de 2008: "Natália Correia em Lua-de-Mel na América?". É que eu convivi, durante um verão passado em Portugal, com a Natália Correia, no tempo em que ela era Deputada da Assembleia da República pelo PS. Essa convivência deu-se por ocasião das Jornadas Camilianas de 1989, em São Miguel de Ceide e terras circunvizinhas, em que a proverbialmente bela Natália Correia foi vedeta e fez de rainha, usando por vezes vestidos tão longos, de cauda roçagante e rastejante que uma dama de companhia tinha de lhe segurar, ao subir e descer escadas (e muitas foram as escadas subidas e descidas por onde realmente passou e terá hipoteticamente passado o irrequieto, andarilho e aventureiro Camilo).

A razão de Natália Correia ter sido vedeta deve-se ao facto de o tema fundamental desenvolvido nessas Jornadas Camilianas ter sido o romance realista de Camilo Castelo Branco, intitulado A Queda dum Anjo. É que, na sua qualidade de deputada à Assembleia da República, com uma visibilidade e um protagonismo fora do normal, a conhecida e aclamada poetisa, romancista e dramaturga, além de ser solicitada a comentar o romance em várias sessões, foi chamada a contracenar no palco com o deputado pelo CDS Adriano Moreira, numa sessão magna em que se discutiu a questão de haver ou não haver, na Assembleia da República de 1989, deputados que fossem uma espécie de réplica de Calisto Elói de Silos e Benevides de Barbuda, protagonista do dito romance e deputado transmontano, pelo círculo de Miranda, à Câmara dos Deputados, na década de 1860, em que se gladiavam os miguelistas e os liberais, com muita verborreia e má retórica, e também com caçadeiras, bacamartes a varapaus.


De regresso a Lisboa, a insistência dela, convivi com Natália Correia durante vários serões, supostamente literários, no seu Botequim, à Graça, com o Dórdio Guimarães, gerente do Botequim e futuro quarto marido da autora de Sonetos Românticos e de Pécora, com uma jovem psiquiatra, de nome Manuela Santos, se bem me recordo, a tal dama de companhia da Natália por ocasião das referidas Jornadas Camilianas, e com outras celebridades, de várias grandezas e feitios, do mundo das letras e das artes lusitanas.


Vago conhecedor de outiva e de leitura dos salões literários, sobretudo dos da França, em que pontificavam as grandes damas, posso afirmar que Natália Correia tudo fazia para imitá-las condignamente, dentro dos limites possíveis, numa Lisboa subserviente e provinciana. Por outras palavras: numa Lisboa que continuava fiel à máxima galhofeira e certeira que um século antes Eça de Queirós cunhara e pusera a circular: Portugal é “a França traduzida em calão”.  
          
    
António Cirurgião






      

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

São Cristóvão pela Europa (124) .





O Alto Minho tem sido aqui abundantemente abordado. Ponte de Lima, Vila Nova da Cerveira, Arcos de Valdevez, Viana do Castelo, Caminha são concelhos onde o Santo está presente.

Também Monção presta homenagem a São Cristóvão.

Na Igreja Matriz uma imagem, provavelmente destinada a procissões:



O célebre Palácio da Brejoeira situa-se no concelho de Monção e constitui o ex-libris do famoso vinho Alvarinho:




No altar-mor da capela do Palácio, à direita da imagem de Santa Ana ensinando a Virgem Maria a ler, está São Cristóvão:





Fotografias de 29 de Julho de 2020

José Liberato




quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Absoluto desprezo.







Esta artista chama-se Sara Giromini e tem por nome de guerra Sara Winter. Antiga feminista, é agora uma das mais radicais e polémicas apoiantes de Jair Bolsonaro. Para o caso, isso não interessa, ou talvez interesse, mas vamos ao essencial: uma menina foi violada pelo tio desde os 6 anos. Agora, com 10 anos, engravidou. A justiça autorizou o aborto. O aborto não interessa, ou pouco interessa. O que interessa é que essa artista que ali vedes divulgou nas redes sociais a identidade da menina. Podemos ser contra ou a favor do aborto, concordar que ele possa ser feito apenas em situações horripilantes como esta. Podemos ser a favor de tudo ou contra tudo. O que ultrapassa tudo, mas absolutamente tudo, é que, por raiva e ardor militante, Sara Winter publicitou o nome de uma criança vítima de violação. Vítima durante quatro anos de inferno. O Ministério Público pede agora uma indemnização a Sara Winter, vejamos no que dá. E vejamos o que dizem – ou silenciam – do gesto de Sara Winter os apoiantes portugueses de Jair Messias Bolsonaro e das suas tristes cruzadas. Absoluto desprezo. 










     




São Cristóvão pela Europa (123).





Dediquei o último post a Rio Mau no concelho de Vila do Conde e à sua extraordinária igreja românica.

A própria igreja exibe elementos iconográficos tradicionais do nosso Santo, talvez menos apropriados para uma igreja do Século XII. Um vitral:




E uma imagem de São Cristóvão pouco usual porque é minúscula:



A freguesia tem ainda uma igreja moderna que não consegui visitar. Há mais do que um azulejo nas casas invocando São Cristóvão. Fotografei este:



Não muito longe, em Barcelos, no Largo Dr. Martins Lima, antigo Largo do Teatro, um painel de azulejos representando o Santo. A parede é a da Capela de São Francisco:




Fotografias de 28 de Julho e 8 de Agosto de 2020.

José Liberato





terça-feira, 25 de agosto de 2020

São Cristóvão pela Europa (122).





A igreja de São Cristóvão de Rio Mau no concelho de Vila do Conde é seguramente um dos pontos mais marcantes da arte românica em Portugal. E também dos mais discutidos e controversos.

O mosteiro de que fazia parte já existia em 1103, pelo que a sua fundação deve remontar ao Século XI. Já então o mosteiro era dedicado a São Cristóvão.




No interior da igreja, destacam-se os capitéis da cabeceira, em especial os do lado Sul:







Aparentemente, trata-se de uma figura transportando outra, de um grupo de três personagens e, finalmente, um jogral.

Têm sido avançadas várias interpretações para esta sequência: a Canção de Rolando, um ataque viking, o desastre de Badajoz de D. Afonso Henriques.

Mas uma das interpretações, e das mais consistentes, é particularmente interessante para a nossa série.

A Professora Lúcia Rosas, num artigo intitulado «Passio Christofori» publicado no Livro de Actas da Conferência Internacional Genius Loci (Porto, Abril de 2016), defende a tese de que estas representações são mesmo de São Cristóvão.

Existe uma inscrição na igreja que a data de 1151. O que significa que estes elementos escultóricos são anteriores à célebre Legenda Aurea, já aqui mencionada, da autoria de Jacobo de Voragine, publicada não antes de 1260.

Ou seja, podemos ter aqui uma representação de São Cristóvão anterior à codificação da sua lenda. Sem rio a atravessar, sem Menino Jesus e a sua orbe.

Na primeira imagem, São Cristóvão teria nos seus braços Cristo segurando uma vara. Pode tratar-se de uma mera representação do significado do nome do Santo em grego: o transportador de Cristo.

A segunda representará o momento em que o Santo é preso. Santo que tem a cabeça coberta e que, com uma mão, agarra o pulso da outra mão, símbolo de dor ou de subjugação.

A cobertura da cabeça será porventura um elmo quente que lhe teria sido colocado ao ser preso. Essa cena consta de lendas prévias à Lenda Dourada.

O jogral que toca um instrumento de cordas na terceira imagem poderá ser alusivo às festas palacianas do rei. O diabo era mencionado nas canções. Quando isso acontecia, o monarca benzia-se demonstrando seu temor e evidenciando, consequentemente, que afinal não era o rei mais poderoso do mundo. Já aqui mostrei no Malomil um quadro de Martin de Soria alusivo a este momento. Ver 

Outros capitéis têm imagens diabólicas incentivando à resistência ao demónio.







Fotografias de 28 de Julho e 8 de Agosto de 2020.

José Liberato