Camden, New Jersey
“Some
of this actually happened”
Uma
crónica de bons malandros é sempre um clássico que, na melhor tradição
americana, geralmente acaba por nos entreter. Foi o que me aconteceu com American Hustle. Não sou cinéfilo, o
filme está nomeado para 10 Óscares, não me encheu as medidas, mas gostei
bastante do guarda-roupa, dos diálogos e, claro, da estética
capilar.
Gostou
do guarda-roupa, mas não lhe encheu as medidas? Ok…
Some
of this actually happened
Confesso
que ainda não tinha lido nada sobre o argumento, por isso fiquei curioso com o
aviso deixado aos espectadores no início do filme: “Some of this actually
happened”.
Numa
rápida pesquisa online fiquei a saber que, embora seja ficcionado e com os
naturais exageros, o guião tem por base a história verídica de uma operação do
FBI “montada” para apanhar políticos e realizada no final dos anos 70 com o
nome Abscam (Arab Scam ou Abdul Scam,
na versão do FBI mais politicamente correcta). A história da operação fez
história e várias personagens são relacionadas com protagonistas reais, como é
o caso do bom vilão interpretado por Christian Bale, Irving Rosenfeld, na vida
real Melvin Weinberg, ou do ambicioso polícia “caça-corruptos” da trama, Richie DiMaso, associado a um agente do
FBI de nome Anthony Amoroso, Jr.
Melvin Weinberg
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A operação, the real one, é rica em factos e em
personagens, mas acabei por me deter no destino do Mayor de Camden, New Jersey,
no filme, Carmine Polito (Jeremy Renner), nos idos anos 70, Angelo Errichetti.
O momento em que Carmine
Polito sela a amizade com Irving Rosenfeld. A oferta de um micro-ondas:
No filme, Polito a receber uma oferta
de um punhal das mãos do sheik.
Na
vida real, Angelo Errichetti ao lado do “sheik do FBI”.
Angelo
Errichetti, que morreu no início deste ano, era um político local popular, Mayor
entre 1973 e 1981, que foi detido em 1 de Dezembro de 1978
pelo FBI após receber um suborno em troca da promessa de uma licença para um
casino em Atlantic City. Foi condenado e esteve preso durante 32 meses entre
1983 e 1986.
Apesar
da condescendência com que esta personagem política é tratada em diversos
relatos, Angelo Errichetti parece fazer parte de uma muito pouco digna linhagem
de políticos corruptos em que a municipalidade de Camden, New Jersey, parece ser pródiga.
Na Wikipedia (aqui), ficamos a saber que, para além de
vários recordes nas estatísticas de crime violento, Camden tem um notável
currículo de três mayors presos, na sua história recente. Para além
de Errichetti, também Arnold Webster, em
1999 e Milton Milan, em 2000, se revelaram demasiado criativos na função e
acabaram presos. Webster fez-se pagar a si próprio 20,000$ dos fundos da rede
de escolas públicas, da qual anteriormente tinha sido superintendente. Milan
apresenta um cadastro público mais variado, que vai desde a acusação de lavagem
de dinheiro do tráfico de droga, de receber subornos da máfia, à pitoresca
história de simulação de roubo do seu próprio computador para receber o seguro
e vendê-lo por três vezes o seu valor a um ingénuo estagiário (?!) (aqui)
Foi condenado a 6 anos de prisão.
Milton Milan, um antigo marine, que prometeu “dar a volta à cidade” e acabou preso.
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Que
injustiça! O nosso Mayor até fazia de
Rei Mago e dava presentes às crianças…
Claro
que Camden, New Jersey, é um caso sério de falhanço urbano e social, elevadas
taxas de desemprego, associadas entre, outros fenómenos, à desindustrialização,
e que vai muito para além destes episódios. Mas deixem-me referir só mais um
caso. Trata-se do Senador Estadual Wayne R. Bryant, eleito no distrito
eleitoral de Camden, e que entre 1995 e 2008, além de outras acusações,
terá desenvolvido um imaginativo e lucrativo esquema de remunerações por
“no-show jobs” em troca de favores políticos. Foi condenado a 4 anos de
prisão.
O
bom do senador queria aumentar a pensão, acabou na prisão:
Sim, Camden, New Jersey não é propriamente o melhor exemplo de qualidade de governação e por isso não me devia ter espantado quando andava por outras leituras e descobri que foi a única cidade da história dos Estados Unidos a receber um bailout estadual [i]
A
precisar de “marketing territorial”, ou uma simples relação causal? A primeira
imagem que apareceu quando procurei Camden, New Jersey no Google:
O orçamento anual de Camden é de 150 milhões de
dólares mas as receitas de impostos são apenas 25 milhões, e é graças em grande
medida à “generosidade” dos contribuintes do Estado de Nova Jérsia que serviços
como a recolha de lixo ou as escolas públicas têm sobrevivido na última década.
Anos 30:
Anos
2000:
Deprimidos?
Animem-se. Apesar deste triste blues, Camden,
New Jersey tem um fantástico Adventure Aquarium.
Segundo se pode ler aqui, neste “investimento âncora”, que iria revitalizar a economia e criar emprego, foram gastos 99 dos 175 milhões de dólares destinados pelo plano de recuperação económica elaborado em 2002, quando o Estado assumiu a gestão do município. De início só estavam previstos 25 milhões de dólares para a ampliação do Aquário, mas o "desenvolvimento" falou mais alto e outras infra-estruturas, como universidades e hospitais tiveram de ficar para trás.
O
facto é que desde 2001 não há notícia de mais detenções de mayors, mas Camden
New Jersey continua a ter um impressionante registo nos piores índices de
desemprego dos Estados Unidos.
A actual Mayor de Camden, Dana L. Redd, com o Governador de New Jersey, a explicar o programa de intervenção do Estado nas escolas do município. (aqui)
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Camden,
New Jersey é uma notável combinação de corrupção, má governação e desagregação
social.
Os
efeitos do governo dos Carmine Polito
desta vida têm mais piada nos filmes americanos do que na vida real.
Nuno Sampaio