terça-feira, 30 de abril de 2024

São Cristóvão pela Europa (262).

 


 

Prosseguindo no Estado alemão de Baden-Württemberg, visitei Lobenfeld, a igreja de um antigo mosteiro, primeiro de frades agostinhos criado no Século XII, depois transformado pela Ordem de Cister. É uma das mais importantes igrejas românicas do Estado.

Foi usada para fins seculares a partir do início do Século XIX e só devolvida ao culto (protestante) em 1997.

Está coberta por frescos, entre os quais um enorme São Cristóvão do Século XIV. Mutilado pela construção de uma galeria num momento em que não se conhecia a existência do fresco.

 



 

A igreja de Heinsheim, também românica, é uma das mais antigas igrejas rurais da Alemanha, sendo mencionada no Século X. Foi dedicada a Santo Hilário. Tem um fresco do nosso Santo de cerca de 1280. Como muitos outros foi tapado e descoberto em 1963.

 




O Tempelhaus em Neckarelz tem uma história extraordinária.

Edifício construído antes de 1300 para ser o priorado da Ordem dos Hospitalários no Baden-Württemberg foi vendido em 1350, tendo sido utilizado como celeiro. A partir de 1688 passou a ser usado como igreja, tendo sido objecto de uma restauração completa em 2001.

No seu interior um belo fresco de São Cristóvão. O ombro esquerdo e o cajado perderam-se porque a janela foi construída em 1731, enquanto o fresco só foi descoberto nos 60 do Século XX.

 




 

                        Fotografias de 31 de Março de 2024

                                                            José Liberato




segunda-feira, 29 de abril de 2024

Eu canto as armas e os trabalhos pelo meu país de abril.

 

 



 

Andei de terra em terra/por esse mundo que de certo modo descobri./E fui soldado contra a minha própria guerra/eu que fui pelo mundo e nunca saí daqui. São versos de um livro mítico intitulado Praça da Canção, que circulava em ciclostilo e chegávamos a trautear nos nossos grupos de adolescentes maduros e ainda hoje me pergunto como pude declamar naquelas reuniões da Juventude Universitária Católica Nambuangongo, Meu Amor, o mais belo poema de toda a literatura da guerra colonial e ver gente profundamente comovida, e nenhum de nós pensava como o vate anunciava o país de abril. São coisas que aconteceram há 60 anos, denúncias e premonições, e o seu autor, Manuel Alegre, faz agora a contabilidade do que lhe foi dado viver em Memórias Minhas, ele chama-se Manuel Alegre, Publicações Dom Quixote, uma incomparável lírica e prosa em peregrinação de lembranças onde cabe o meio familiar, o 1º ensino escolar, a viagem de Águeda para Lisboa, depois o Porto, o seu deslumbramento em Coimbra, com fados e guitarradas, teatro e poesia e a inevitável intervenção política, lavram-se os nomes influentes e determinantes, Paulo Quintela, e também os acontecimentos determinantes, as eleições presidenciais de 1958, segue-se a vida militar, de Mafra para os Arrifes (Ponta Delgada), de avião para Angola, de Luanda para Quipedro, assim chegamos a Nambuangongo, onde o poeta olhou a morte e ficou nu, aquela Nambuangongo universal que qualquer antigo combatente guardou na consciência, pois naquela guerra o tempo cabia num minuto e doía fundo toda aquela negridão da morte. E a guerra continua, há lembranças de Sanza Pombo e Quicua. A contestação pagava-se caro, segue-se a prisão de São Paulo, os interrogatórios da PIDE, alguém ali ao pé vai tomando nota, chama-se Luandino Vieira, e depois despachado para Lisboa, regresso a Coimbra, a intervenção política é um processo irreversível, impõe-se partir para o exílio.

O leitor está sufocado pela tensão daquela viagem a caminho do exílio, há um espaço luminoso, a Casa do Vilar, como o autor observa: “Acabo de entrar numa casa de onde nunca mais sairei.” Nesta altura, o poeta vai pondo ordem nos poemas que andavam dispersos, vão começar dez anos de exílio, ganham corpo as suas intervenções na rádio, as emissões da Voz da Liberdade. Num daqueles ápices malabares que a escrita inflamada permite, incendeia-se a lembrança do regresso a Águeda, a 10 de maio de 1964, já houve um processo político, uma rotura com crenças e convicções, o poeta entrou noutro trilho de intervenções, se houve desilusões já são uma nota do passado, ficou, como ele escreve a “nostalgia da epopeia”, dirá abertamente: “Porque não é fácil regressar. Nem de um exílio, nem de um império.” As recordações intercalam-se, o poeta já não está em Argel, chegou a Lisboa, irá aderir ao Partido Socialista, a viagem muda de rumo, passa-se a ritmo trepidante os acontecimentos entre 1974 e 1976. É, por decisão, um interventor político, mas não abdicou de ser poeta, gozar a plenitude da escrita, vai fazendo a relação e os porquês das obras que vão surgindo, aqui e acolá vai pintalgando episódios humorísticos como uma reunião entre Mário Soares e Álvaro Pinhal que nunca mais acabava. “Tinha passado há muito a hora do jantar. Decidi avançar. Abri a porta e deparei com os dois sentados em frente à televisão. Estavam a ver, regalados, Gabriela, Cravo e Canela. Àquela hora, parava tudo. Inclusive Soares e Pinhal. E eu também, porque puxei de uma cadeira e sentei-me ao lado deles.” Sente-se a mágoa na escrita quando fala da rutura entre Soares e Zenha, e as inevitáveis consequências. A vida de deputado também não lhe escapa, tal como a evolução na liderança do Partido Socialista. Tinham-se mudado os tempos, dirá mesmo que já não havia a dimensão heroica da resistência, nem o entusiasmo e as ilusões líricas da revolução de Abril, ia ganhando força o modelo neoliberal, Manuel Alegre olha de viés os novos rumos a que levava a tirania do mercado, as suas posições face às sucessivas revisões constitucionais, enfatiza em permanência que era deputado por Coimbra e como terçou armas contra a coincineração de resíduos industriais perigosos em Souselas. E escreve entusiasmadamente: “Nunca escrevi e publiquei tanto como nesses anos de luta e múltiplas intervenções políticas. E quem é que deu por isso? Quem reparou que, estivesse onde estivesse, eu estava a escrever, sobretudo quando parecia distraído? À noite sentava-me a olhar para dentro? Estava a compor. Como contar essa toada que vem de repente, essa palavra, aparentemente absurda, que abre as vias subterrâneas do poema? Nesse sentido, os poetas não têm biografia, a não ser o próprio poema ou o texto em que se transmudam. Aos olhos dos outros e do público, eu era o político. O poeta escrevia secretamente, por vezes quase clandestinamente.” Falando adiante dos prémios que recebeu, estabelece uma distinção, sente-se que a sua opinião é irrefragável: “Praça da Canção e O Canto e as Armas não foram apenas dois livros emblemáticos e populares. Foram livros cujos poemas tiveram consequências concretas no país e contribuíram, à sua maneira, para derrubar a ditadura. Esse foi o maior de todos os prémios.”

Há mais pessoa do que o político e o poeta, já falara da caça nos tempos de juventude, agora fala do tiro e fundamentalmente da pesca, escolheu um paraíso, a Foz do Arelho e a Lagoa de Óbidos. Retomando o discurso da intervenção política vão seguir-se trocas de opiniões muito tensas entre ele e Mário Soares, contendas de eleições presidenciais, e depois ajeita a sua mágoa, como um queixume, em julho de 2004 morreu um outro astro-rei da poesia, Sophia de Mello Breyner, não esqueceu uma viagem em que a poetisa estava a escrever Navegações. “Acompanhei o nascimento de quase todos os poemas deste livro. Recordo uma tarde, em sua casa, em que ela só disse um verso, um verso formidável: ‘Navegavam sem o mapa que faziam.’”

Chegou o momento de dizer adeus à Assembleia da República, onde permaneceu 34 anos. Visitou Nambuangongo em 2010, informa o leitor que escrita para ele sempre foi um labor solitário, quase uma clandestinidade, faz uma nova ronda pelos amigos e temos uma nova pitada de humor quase se refere a José Carlos de Vasconcelos. “Aturamo-nos e amparamo-nos há quase sessenta anos. Viajámos juntos, durante um mês, pelos Estados Unidos, de costa a costa. Ele come muito devagar, eu como muito depressa. Nunca nos zangámos uma única vez. É a prova mais dura a que pode ser submetida uma amizade. Sobretudo porque nessa altura eu fumava e tinha de esperar meia hora ou mais que o Zé Carlos acabasse a refeição. Presta uma última homenagem a Mário Soares e de novo ergue o seu estandarte a favor da convergência das esquerdas, deu um empurrão para que gerigonça se pusesse à estrada. Mas a vida partidária deixou de o interessar, anotará, com um ressaibo de amargura: “Tudo passa, tudo esquece. Pior que o tempo só o telemóvel das pessoas que falam a olhar para o ecrã, já não sabem ouvir sem a chegada de um SMS, não leem, não vão ao cinema, não ouvem música, não sabem poesia. Sobretudo os políticos. Outro mundo, outra linguagem. Não vale a pena fazer prognósticos quanto ao legado que ficará para o futuro, e despede-se de nós com uma incontida esperança: “Eu espero que um dia alguém tropece num verso meu, ou prosa, ou uma qualquer palavra, nem sequer escrita, que tenha ficado aí pelo ar e ninguém saiba ao certo de onde veio.”

São memórias dele, são igualmente cativas das várias gerações que teimam identificar-se com a multiplicidade dos seus sonhos, goste ele ou não, personifica a épica do vigor camoniano onde não faltam as trombetas do futuro.

 

                                                            Mário Beja Santos

 


sexta-feira, 26 de abril de 2024

Elegia da vida como serviço imperfeito e jamais concluído.

 





Elegia da vida como serviço imperfeito e jamais concluído:

Grande clássico moderno da literatura europeia

 

 

 

É uma novela empolgante, um cruzamento de parábola e saga, tudo numa viagem de resistência heroica em que um homem simples, todos os anos, no primeiro domingo do Advento, encaminha-se para as montanhas, sujeita-se a todos os riscos, para regatar as ovelhas perdidas nas altas pastagens. Ele chama-se Benedikt, faz-se acompanhar de um cão e de um carneiro. Prepara-se agora para 27ª viagem, a derradeira caminhada e o escritor, a quem coube um lugar cimeiro das letras islandesas, faz-nos emergir numa caminhada de solidão e intempérie, empolga-nos com a carga metafórica daquele serviço público prestado à comunidade é o que há de mais sublime na existência humana – Advento, por Gunnar Gunnarsson, Cavalo de Ferro/Penguin Random House, 2024.

Esse homem simples que domina por completo a tessitura da novela não sabe ao certo o que significa a palavra Advento, “mas era uma palavra que continha, em si, a expetativa, antecipação, preparação. Com o passar dos anos, aquela palavra passara a conter, para ele, toda a sua vida. Afinal, o que era a sua vida, o que era a vida humana na terra, se não um serviço imperfeito e jamais concluído, que, contudo, valia a pena realizar por conta desta expetativa, antecipação e preparação que o elevavam e o imbuíam de significado e valor?”

A parábola é a expedição, encaminhar para lugar seguro as ovelhas perdidas, para não morrerem de frio ou à fome nas montanhas, isto antes que a festa do Advento espalhasse a sua bênção sobre a terra. Trata-se de um texto ágil num mundo pintado de branco, a neve da superfície e a neve das montanhas, e as inclemências da natureza, fúrias que não demovem esta vontade indómita de cuidar quem está em risco. Benedikt e os animais saem da aldeia em direção à última quinta antes de entrarem nas montanhas, as conversas são singelas, há nevões no exterior e calor humano dentro de casa. O desafio é temível, o céu invernal e pesado, anda-se cercado pelo gelo, caem flocos brancos. Vai-se encontrando com agricultores, fazem-lhe reparos para os riscos especiais desta viagem. Ficamos a saber que ele é apenas um camponês, um jornaleiro. Há os locais de pernoita, ficamos a saber algo sobre este homem simples que teme não estar rodeado de seres humanos e teme que Deus se esqueça dele. Não há vacilações na hospitalidade e o autor aproveita qualquer oportunidade para desfiar argumentos da parábola: “É curioso como os seres humanos que caminham juntos na escuridão atravessam as trevas como que sozinhos sem companhia. Como que fechados em si. Mas a solidão das trevas é diferente da solidão das montanhas, ali, nas terras habitadas, não se vive uma solidão absoluta e o isolamento não é tão profundo quanto o que flui do vazio do deserto gelado e dos penhascos rochosos.”

Cresce a intempérie, varre os telhados gelados, era como se houvesse soltado na noite escura uma horda de criaturas selvagens e furiosas. De abrigo em abrigo, alguém o vai acompanhar agora, de nome Hákon, e depois mais gente. E dá-se uma pincelada quanto a tão terrível viagem em grupo: “Raras vezes se tentavam entender uns aos outros, e mais valia que nem se dessem a esse trabalho, porque não se faziam ouvir por mais que gritassem: o vento despedaçava-lhes invariavelmente as palavras antes de as arrastar, em farrapos, pelas balas de neve.” Encontra-se uma cabana onde aqueles quatro homens vão descansar antes de regressarem à tempestade. Começa a recolha das ovelhas, a sua procura não é nada fácil, Benedikt cambaleia de cansaço, procura desesperadamente a sua cabana nas montanhas, por vezes podem esquiar. Tratados os animais dos seus companheiros, chega a hora de partirem, viaja-se à luz das estrelas. Desfia o autor outra meada da parábola, a vida de Benedikt resumia-se àquela caminhada, ele estava pronto para tudo e para se despedir de tudo, já nada o prendia o mundo. Viagem penosa, este homem simples caminha todo aquele tempo a direção certa, demanda um novo abrigo, nova reparação de forças e depois, nova viagem em que Benedikt dá por si imerso em escuridão.

E aqui estamos nas montanhas em busca das ovelhas, nova dimensão da parábola, corporizada em Benedikt, a missão do homem é encontrar uma solução nunca desistir, lutar contra o destino e as vicissitudes. Ele atravessa o rio glacial de esquis, estamos na antevéspera do Natal, arrebanhou os animais, já está de regresso, o serviço à comunidade chegou temporariamente ao seu termo, é a hora de, em toda a placidez, ele poder sentir as alegrias do Advento.

Um outro escritor finlandês, autor do posfácio, sublinha que o estilo de Advento é semelhante ao de um conto de fadas, ele revela-se um mestre do estilo na descrição das condições climáticos, tem o poder soberano de se mostrar convincente nas suas descrições, faz de Benedikt uma das aventuranças cristãs, ele é um bem-aventurado, ganhará o reino dos Céus, é desenhado com uma grande inteligência natural e emocional, é extremamente sensível à natureza e aos animais, conhece até ao mais ínfimo pormenor as ervas que cobrem os prados no verão e como se manifesta o inverno nas montanhas. Esta obra-prima da literatura europeia pode ser entendida como uma alegoria dos princípios magnos do cristianismo, há também quem possa dizer que esta caminhada se pauta pelos princípios basilares da ecologia. E não são poucos os críticos literários que comentam a influência que a obra teve a inspirar relatos como aqueles que escreveram Hemingway ou Conrad, pois este Advento é o drama da resistência heroica, a bem-aventurança dos homens simples que cuidam dos outros sem nenhum oportunismo de ganhar o reino dos Céus.

De leitura obrigatória.

 

                                                            Mário Beja Santos


Os novos inquisidores e exorcistas do Portugal pós-abrilista.

 

 

      

 

           Dentro do contexto do meu encontro no Palácio Foz com o Secretário dos Serviços de Informação, Pedro Feytor Pinto, algumas semanas após o 25 de Abril, não posso deixar de referir um episódio grotesco, ocorrido nessa tarde no belíssimo átrio do dito Palácio, episódio de que, por mero e feliz acaso, fui testemunha ocular e auricular, enquanto aguardava o momento do encontro.

          Sob as lentes sôfregas e atentas das câmaras de um canal francês de televisão, reuniram-se nessa tarde de primavera festiva umas duas ou três dúzias de pseudoartistas - pintores, escultores e outros espécimes das artes plásticas –, enquanto os autênticos artistas portugueses, alguns ex-exilados como eles, estavam nos seus ateliers a fazer obra honrada, honesta, patriótica e relevante para o novo Portugal.

          Depois de uma prolongada e acesa discussão, à guisa de planeamento e de ensaio geral, e depois de um longo e meditabundo intervalo, os pseudoartistas, abusiva e vaidosamente autoproclamados representantes do egrégio grémio das artes plásticas portuguesas, acercaram-se da estátua de Salazar, togado, erguida no meio do átrio, formaram um círculo, e, movendo-se lentamente, um pouco curvados, em torno da estátua, em ritmo de cortejo fúnebre e em forma de bailado de bruxas goyescas, começaram a representar uma espécie de coro falado, de que recordo perfeitamente o estribilho, ou, melhor dito, a antífona, por ter sido repetido ad nauseam, em modo de salmodia, sem a ressonância etérea e mística, claro está, que a verdadeira salmodia, entoada em música gregoriana ou canto-chão, imprime na alma dos cantores e dos ouvintes e os faz levitar: “a arte fascista / faz mal à vista”; “a arte fascista / faz mal à vista”; “a arte fascista / faz mal à vista.”

          Depois dessa representação lúgubre e funérea, que se prolongou por cerca de uma hora, sob os comentários picarescos e sarcásticos de um número razoável de funcionários públicos que trabalhavam no Palácio Foz e que, sorrateiramente, espreitavam da varanda e das janelas, comentários, repito, em que sobressaíam, sussurradas sotto voce, por medo de represálias, frases como estas: - “ide trabalhar, seus mandriões; ide ganhar o pão, seus parasitas; ide cortar essas melenas e rapar essas barbaças; ide tomar banho e lavar essas fuças; deixai a estátua em paz, que não vos fez mal nenhum”.

          Claro que estes dichotes eram proferidos de maneira a que os pseudoartistas e “os autoproclamados representantes do egrégio grémio das artes plásticas portuguesas” os não ouvissem. Ninguém queria ser apodado de fascista e de salazarista nem arriscar-se à perda do emprego, por meio de um saneamento sumário, como estava de moda no Portugal pós-abrilista. Mas desnecessário é dizer que nos rostos daqueles honestos e modestos funcionários públicos, desde os contínuos às senhoras da limpeza, se lia o desejo de levantar bem alto a voz do bom senso para fazer saber àquela cambada de energúmenos, encapuçados à maneira dos irmãos das confrarias que participam nas procissões do Senhor dos Passos ou nas procissões da Semana Santa de Sevilha, que se ocupasse em actividades mais construtivas e mais consentâneas com os nobres objectivos proclamados e habilidosamente propagandeados nos múltiplos manifestos programáticos da Revolução dos Cravos.

          Como ia dizendo, depois de uma longa lengalenga soturna e macabra, repetida mil vezes, ad nauseam, para benefício da televisão francesa, os pseudoartistas, “autoproclamados representantes do egrégio grémio das artes plásticas portuguesas”, guedelhudos e barbudos, desdobram cerimoniosamente um enorme pano roxo e cobrem com ele a estátua togada de Salazar, fazendo com ela o que se costuma fazer com os crucifixos e com as estátuas dos santos das igrejas católicas, entre a quinta semana da Quaresma e o Sábado de Aleluia.            

          Terminada essa cerimónia grotesca e fúnebre, os pseudoartistas plásticos do novo Portugal abandonaram o átrio do Palácio Foz, no meio de gargalhadas de mau gosto, com o coração contente e a consciência tranquila por, segundo eles, novos inquisidores e iconoclastas, haverem praticado um acto altamente meritório e patriótico. Tinham profanado e dessacralizado a pacífica estátua de um homem morto; eram heróis revolucionários; felicitavam-se uns aos outros por haverem tido a coragem de praticar um portentoso feito de dimensões épicas – como diria um dos exorcistas, guedelhudo, barbudo e de dentes nicotinados, em mau Francês, à Mário Soares, para francês ver ... e ouvir, pois, volto a frisar, a lúgubre cerimónia, de cariz iconoclástico e exorcista, foi profissionalmente filmada por uma equipa de televisão francesa.

 

Manchester, CT

22 de Abril de 2024

António Cirurgião

São Cristóvão pela Europa (261).

 

 

Hoje pertencente ao Estado alemão da Renânia Palatinado,Speyer foi uma cidade extremamente importante no Império Romano-Germânico.

A sua Catedral ostenta o título de Catedral Imperial, a par das catedrais de Mainz e Worms tratadas no post precedente, e serviu de Panteão desde 1039 a vários imperadores.

O museu da cidade é o Historische Museum der Pfalz ou Museu Histórico do Palatinado.

Nas suas reservas, encontra-se uma notável imagem da autoria do escultor de origem austríaca Gottfried Renn (1818-1900) representando São Cristóvão com o Menino Jesus.

 





 

Hockenheim, no Estado de Baden Wurtemberg, é conhecida em todo o mundo pelo seu autódromo onde se realizaram muitos Grandes Prémios de Fórmula 1.

Na cidade, o Centro Comunitário São Cristóvão, em frente da Igreja Paroquial, contem um mural do nosso Santo.

 




 

Em Ziegelhausen, perto de Heidelberg, numa ponte sobre o Rio Neckar, uma estátua de São Cristóvão.

A estátua de bronze, datada de 2002, é da autoria do escultor alemão Bernd Stöcker nascido em 1952.

 





                                                            Fotografias de 31 de Março de 2024

                                                                                                José Liberato





quinta-feira, 18 de abril de 2024

Argélia: o tempo da fraternidade? (19).

 


As gargantas do Chiffa, 70 quilómetros ao Sul de Argel, nos contrafortes das montanhas do Atlas, distinguem-se pela sua beleza agreste.

Ponto exótico das gargantas é o chamado Ruisseau des singes ou Riacho dos Macacos.

 





Oran é a segunda maior cidade da Argélia. Cidade portuária, mais de 400 quilómetros a Oeste de Argel, conserva muito da influência francesa.

A seguir a Catedral, do início do Século XX, e o ambiente urbano.





E uma Estação dos Correios que parece perdida no tempo:

 



 

                                Fotografias de 21 de Outubro de 2023

                                                                        José Liberato





segunda-feira, 15 de abril de 2024

São Cristóvão pela Europa (260).

 


 

O Hunsrück é um território do Estado alemão Renânia- Palatinado, entre os rios Mosela, Saar e Reno.

Existe uma chamada Catedral de Hunsrück situada numa elevação junto da localidade de Ravengiersburg.

A Catedral é imponente com duas torres de grande dimensão que datam da construção inicial, o Século XII. No local existiu desde 930 um castelo. Em 1070, o Conde Berthold, o proprietário, mandou construir uma capela já sob a invocação de São Cristóvão. Morrendo o Conde sem filhos, o conjunto foi transmitido ao Arcebispo de Mainz com a condição de o conjunto ser transformado num mosteiro. Data de 1074 a instalação dos frades agostinhos.

A vida destes frades será muito atribulada através das vicissitudes da Reforma, da ocupação por Espanhóis e Suecos durante a Guerra dos Trinta Anos, das invasões de Luís XIV e Napoleão.

Foi sede do Movimento dos Trabalhadores Católicos já no Século XX.

O Altar-mor é a jóia do interior da Catedral. Ostenta a data de 1722 e é tipicamente barroco. No seu topo uma pintura representando São Cristóvão.

 



 

A Igreja de Santa Maria e São Cristóvão de Bechtolsheim foi construída entre 1482 e 1487, pelo Mestre Jacob von Landshut que dirigiu posteriormente a construção da Catedral de Estrasburgo. Em 1544, a Igreja aderiu à Reforma. Mas em 1685 transformou-se numa Simultankirche ou Igreja Simultânea, ou seja, é utilizada tanto pela Igreja Protestante e como pela Igreja Católica.

À entrada da Igreja, um grande mural representa São Cristóvão.

O altar de Santa Maria apresenta um retábulo original com nove alvéolos numa disposição original.

Admite-se que as imagens tenham sido recuperadas de um altar antigo.

Na fila de baixo a Virgem Maria tem à Sua direita Seu pai, São Joaquim, e à Sua esquerda. Sua mãe, Santa Ana.

Na fila do meio da esquerda para a direita São Roque, São Cristóvão, São Jorge, São Leonardo e Santo Egídio.

Na fila de cima, São Jerónimo, Santa Bárbara, Santa Margarida e talvez São Martinho.

 




 

Finalmente, a Catedral de Worms, uma das mais importantes da Alemanha, construída no Século XII.

Local citado pelas lendas dos Nibelungos, onde existiu uma igreja desde o Século VII, palco da dieta de Worms em 1521 presidida pelo Imperador Carlos V e com a presença de Martinho Lutero.

Tem um grande fresco representando São Cristóvão.




 

                            Fotografias de 30 de Março de 2024

                                                                 José Liberato




domingo, 14 de abril de 2024

Argélia: o tempo da fraternidade? (18).

 


 

 

Em Tibhirine, a 95 quilómetro a Sul de Argel situa-se o Mosteiro de Nossa Senhora do Atlas.

Criado por monges trapistas em 1939, desenvolveu desde então uma acção importante no desenvolvimento agrícola da Região onde se implantou. O mosteiro sempre teve uma atitude ecuménica, ao ponto de, na falta de uma mesquita na aldeia vizinha, ter cedido as suas próprias instalações para os muçulmanos exercerem o seu culto.

Ficaria dramaticamente célebre na noite de 26 de Março de 1996.

Em plena Guerra Civil, um comando de terroristas tomou facilmente o mosteiro e raptou quase todos os monges. Nunca mais foram vistos com vida. Os seus corpos foram encontrados sem cabeça um mês depois. Nunca foram identificados os perpetradores do crime.

Hoje, respira-se no mosteiro um ambiente tranquilo, embora a memória do acontecido esteja presente. Ainda hoje, e não obstante a convivência com as populações locais persistir, os monges só vão à aldeia, por exigência das autoridades, sob escolta policial.

Curiosamente, o sino só é autorizado uma vez por ano, no dia de Páscoa.

 







 

                                    Fotografias de 19 de Outubro de 2023

 

                                                                          José Liberato