domingo, 31 de março de 2019
sábado, 30 de março de 2019
Sobreviventes de guerra.
Só agora vi o trabalho de Isa Leshko,
devido à notícia da publicação do seu livro Allowed to Grow Old. Nem reparei que o PÚBLICO já tinha falado desta fotógrafa que capta imagens de animais velhinhos, de cãs
brancas, que conseguiram chegar as idades provectas porque não os mataram
entretanto – ao contrário do que sucede a milhões como eles. Pior ainda, mortos
em condições bárbaras, depois de terem tudo vidas (curtas) em condições não
menos bárbaras. Os animais que Isa Leshko fotografa são sobreviventes de uma guerra
suja. Uns felizardos, portanto. Podemos comer carne, mas devemos saber que
carne comemos, e como viveram e morreram os que nos dão a sua carne e o seu
sangue. A partir do momento em que comemos animais, o bem-estar animal é uma
preocupação também nossa, da nossa saúde de carnívoros, coisa que muitos teimam
em não perceber. Aqui não há ideologia nem esquerda ou direita; há saúde
pública, nossa e dos animais que comemos.
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sexta-feira, 29 de março de 2019
Burke às avessas.
Hotel Rwanda (13)
Café
O café tornou-se nos últimos vinte anos um factor importante nas exportações do Ruanda. O país apostou na qualidade, tornando o seu café um produto requintado e muito procurado nos mercados mais exigentes.
A maior parte do café é da variedade Arabica e tem um odor e um sabor muito especiais que derivam da exposição solar, da humidade, da altitude e do solo vulcânico.
Fotografias de 17 de Janeiro de 2019 na região de Butare.
José Liberato
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quinta-feira, 28 de março de 2019
Entre fogos cruzados.
Ao acabar de ler hoje,
24 de Março, no blogue Malomil, o magnífico texto de apresentação
de Lisbonne, ville ouverte de Patrick Straumann, na Festa
da Francofonia, realizada no Instituto Franco-Portugais, ocorreu-me ir
buscar, de “entre as brumas da memória”, uma história análoga às várias
evocadas por António Araújo nesse texto.
Chamava-se Felix Freudmann.
Era judeu, de Antuérpia, e foi meu colega e meu amigo especial na Universidade
de Connecticut. Professor de literatura francesa, era especialista no teatro
francês da época de ouro, isto é, da época de Corneille, de Racine e de
Molière. Quando eu fui contratado pela Universidade de Connecticut, em 1969,
para ensinar Espanhol e Português, já ele era catedrático, com tenure,
ou contrato vitalício. Ao saber que eu era oriundo de Portugal, fez-se
imediatamente meu amigo e como que me apadrinhou. E porquê? Porque em 1940
Salazar lhe tinha salvado a vida, a ele e a toda a sua família. Que em Portugal
tinham sido tratados com todos os requintes da melhor hospitalidade, alojados
em hotéis de cinco estrelas, durante o tempo que mediou entre a chegada de
França e a partida para os Estados Unidos. Isso fez-mo saber logo por ocasião
do nosso primeiro encontro. Fez-se tão meu amigo – e vice-versa –, que, além de
nos convidarmos a casa mutuamente, com as respectivas esposas, me vi convidado
a participar no Bar Mitzvah de um dos filhos na sinagoga do campus
universitário, assim como eu me senti honrado ao convidá-lo, juntamente com
mais três casais, a assistir a uma sessão de fados protagonizada por Amália
Rodrigues, a rainha portuguesa do Fado, no salão de actos da paróquia
portuguesa de Waterbury, Connecticut. E quando nos dias 21 e 22 de Abril de
1972 realizei na Universidade de Connecticut o Primeiro Simpósio Internacional
para comemorar os quatrocentos anos da publicação de Os Lusíadas, o
Doutor Freudmann fez questão de hospedar em sua casa um dos ilustres
participantes desse Simpósio, Frederick Garcia, professor de Português na
Academia Militar de West Point.
Chegou, porém, o dia em
que, no decorrer de uma festa do departamento, dei comigo a falar mal de
Salazar, passatempo em que não era noviço. A determinado momento, o Doutor
Freudmann chama-me à parte, e diz-me, com a maior seriedade, que não pode
permitir que alguém se atreva a falar mal de Salazar na sua presença. Que
Salazar lhe tinha salvado a vida a ele e a toda a sua família. Que lhe devia
eterna gratidão. Que Salazar tinha nele e em toda a sua família os melhores
amigos e os melhores admiradores. Que com a idade de 22 anos vivia em Antuérpia
e trabalhava com a família no comércio de diamantes. Eclode a Segunda Guerra
Mundial e em 1940 as tropas nazis marcham em direcção à Europa ocidental,
avançam para a ocupação da Bélgica e da França, e ele a família vêem-se
obrigados a abandonar a pátria e a procurar asilo político. E é assim que um
dia, viajando de carro, através da França, chega a Bordéus e aí consegue um
visto, através do Cônsul de Portugal, Aristides de Sousa Mendes, para poder
refugiar-se em Portugal. E é isso o que acontece. Que o resto já o sabia eu.
Com a maior
naturalidade, apressei-me a dizer ao meu colega e amigo que louvava e admirava
a sua nobre virtude da gratidão para com quem lhe salvara a vida; mas, com todo
o respeito e com toda a firmeza, fiz saber ao meu colega e amigo que eu, que
nada devia a Salazar, e que, portanto, como homem livre que era, e a viver num
país livre, tinha todo o direito de criticar Salazar e o seu regime autoritário
e prejudicial para Portugal. Ao que o meu amigo retorquiu que, por amor à nossa
amizade, nunca mais falasse mal de Salazar na sua presença.
Veio o 25 de Abril e,
com ele, o nefando regime do PREC, contra o qual senti a necessidade e a
obrigação de falar mal. Ora é em pleno regime do PREC que o Senador Federal Ted
Kennedy faz uma visita oficial a Portugal, sob os auspícios do Partido
Socialista. Não sei se por acaso se de propósito, o Senador Kennedy vem à
Universidade de Connecticut fazer uma daquelas conferências institucionalizadas
e chorudamente remuneradas que as grandes universidades americanas têm,
anualmente. Já se advinha o tema: a Revolução Portuguesa e o Triunfo da
Democracia.
Provavelmente por razões
protocolares ou por saber que a minha visão triunfalista da Revolução dos
Cravos se tinha metamorfoseado em visão pessimista, em virtude dos atropelos
aos direitos fundamentais do homem, dos saneamentos selvagens, dos prisioneiros
políticos e da descolonização não exemplar, o professor do Departamento de
Ciência Política, encarregado da organização dessa solene conferência, optou
por não me incluir entre os convidados à recepção e ao banquete em honra do
Senador Ted Kennedy, isto apesar de eu, desde a primeira hora, ter dado
entrevistas à imprensa, à rádio e à televisão sobre a revolução de Abril e de
ter trazido, meses antes, o Embaixador de Portugal às Nações Unidas, Veiga
Simão, à Universidade de Connecticut para fazer uma conferência sobre a
Descolonização Portuguesa.
Fui assistir à
conferência de Ted Kennedy, a título individual, e, no final, aproximei-me,
subrepticiamente, de um dos seus assessores, Edward Markey, hoje senador
federal por Massachusetts, para lhe entregar uma longa carta em que estavam
devidamente documentadas as práticas dos crimes políticos referidos acima,
tanto mais que na conferência Ted Kennedy proclamara solenemente, urbi
et orbi, que Almeida Santos, a eminência parda do Partido Socialista, lhe
tinha afiançado que não havia prisioneiros políticos em Portugal, enquanto
saboreavam bons petiscos e boas bebidas numa típica casa de fados lisboeta.
Julgando, sem qualquer
fundamento, que eu estava envolvido no convite feito ao Sen. Ted Kennedy para
conferenciar na UCONN e tinha sido convidado a participar na recepção e no
banquete, no dia a seguir a essa conferência o meu colega Felix Freudmann
entra-me pelo escritório dentro, senta-se à secretária em frente de mim e
profere estas palavras:
- Tony, quero que saibas
que não te perdoo a desfeita que me fizeste, ao não me convidares a assistir à
recepção e ao banquete em honra do Senador Ted Kennedy. Tanto mais que eu
queria dizer-lhe que ele, Senador Kennedy, não tinha direito de criticar
Salazar, o homem que me salvara a vida a mim e a toda a minha família e a
tantos outros judeus ferozmente perseguidos pelo regime nazi.
Todas as tentativas
feitas por mim para explicar devidamente como se passaram as coisas foram em
vão. O meu colega não me deu azo para abrir a boca e dizer da minha justiça.
De maneira que o meu
colega e amigo Felix Freudmann rematou o assunto com estas palavras:
- A partir de hoje a
nossa amizade acabou. Nunca mais tentes falar comigo, que eu nunca mais te
falarei.
Como fiquei e quanto
sofri deixo-o à imaginação dos leitores.
Manchester, 24 de Março
de 2019
António Cirurgião
quarta-feira, 27 de março de 2019
Abrantes em Burgos.
A
Capela da Conceição ou de Santa Ana é um dos pontos altos da visita à Catedral
de Burgos, um dos expoentes do gótico flamejante em Espanha. A sé burgalesa é
um magnífico retalho de arte, com sucessivas capelas marcadamente independentes
em estilo, além do extraordinário zimbório que domina o interior e o exterior
do templo.
A
capela foi construída como capela funerária para D. Luis de Acuña y Osorio
(1426-1495), Bispo de Burgos, ainda em vida deste. Surgiu, ocupando o espaço de
duas capelas originais, pela mão de um dos principais arquitectos do templo,
Juan de Colonia, que morreu antes de terminada a empreitada, concluída em 1488 pelo
seu filho Simón de Colonia.
Por
essa altura já o escultor Gil de Siloé, omnipresente em tudo o que há de melhor
em Burgos, trabalhava no retábulo que é hoje considerado um dos melhores
exemplos da escultura tardo-medieval e que se encontra nesta pequena capela. O
blogue Viajar con el Arte (http://viajarconelarte.blogspot.com/2014/02/la-capilla-de-la-concepcion-en-la.html),
de grande utilidade para um visitante ávido de boa arte sacra, tem uma
descrição pormenorizada da capela e também do altar.
O
elemento central é uma genealogia da Virgem Maria a partir da Árvore de Jessé.
Este, como sempre, dorme. Mas confunde-se de forma sublime com as raízes da
árvore, em cujos troncos figuram os Reis de Judá, ladeando o encontro de Santa
Ana e São Joaquim na Porta Dourada de Jerusalém. A cena é descrita no
Proto-Evangelho de Tiago e está, através da Lenda Dourada, muito presente na
tradição cristã. É o momento da concepção imaculada que veio a ser decretado
dogma por Pio IX em 1854. Daí o nome de Capela da Conceição.
Em
cima, os troncos da árvore cumprem-se numa flor, aos pés da Virgem com o
Menino, ladeados estes por duas figuras femininas que representam o Antigo e o
Novo Testamento, aquela de olhos vendados. O altar culmina com um Calvário,
estando aos pés do Crucificado as armas do Bispo Acuña. Este repousa em frente,
num belíssimo túmulo de alabastro, obra de enorme qualidade do escultor Diego
de Siloé, filho do autor do altar e figura que transita as artes familiares
para a Renascença espanhola.
O
Viajar con el Arte falha apenas pela ausência de explicação para aquela que é,
para o visitante luso, a surpresa maior na Capela da Conceição: a profusão de
armas portuguesas, no altar, nos frescos do arco e nos vitrais. São armas “plenas”,
próprias do monarca português, sem “diferença” heráldica. Contudo, não há
qualquer referência a uma ligação real portuguesa à construção da capela ou do
seu esplendoroso altar. Só no fim do relato do audioguia surge a explicação
plausível – a ligação aos Duques de Abrantes.
Recuemos
a 1640. Por alturas da Restauração da Independência, alguns nobres portugueses
permanecem fiéis a Felipe IV de Espanha. Entre esses está D. Afonso de
Lencastre, filho segundo do terceiros Duques de Aveiro e “bis-neto” (trineto do
lado do pai, tetraneto do lado da mãe) do Rei D. João II. A lealdade é
recompensada com a concessão de dois títulos espanhóis com referência a terras
portuguesas: Duque de Abrantes e Marquês do Sardoal. A família permaneceu em
Espanha, vindo a adquirir vários títulos pelas admiráveis teias de casamento na
aristocracia espanhola.
Foi
o 9.º Duque de Abrantes, D. Ángel María de Carvajal y Téllez-Girón, que patrocinou,
entre 1868 e 1870, o restauro da Capela de Santa Ana. Era à época Presidente do
Real Cuerpo de la Nobleza de Madrid
mas Espanha vivia tempos de tumulto. A Rainha Isabel II fora deposta por uma
revolução em Setembro de 1868, acabando com a agonia do seu reinado, mostra das
tensões entre o liberalismo progressista, o absolutismo carlista e um centro
moderado – porventura não muito distante da actual configuração política
espanhola entre PSOE, PP e Ciudadanos. Seguir-se-iam uns anos de incerteza, o
reinado de Amadeu de Sabóia e a efémera Primeira República.
O
pretexto do restauro parece ter sido uma ligação familiar entre o Bispo Acuña
(que parece ter tido descendência, legítima, antes de ser ordenado padre) e o 9.º
Duque de Abrantes. Inquestionável é que D. Ángel María de Carvajal y
Téllez-Girón quis sublinhar a ligação portuguesa através da repetição das armas
reais lusas, encimadas pela coroa ducal. No vitral estão ladeadas por um D. e
um A., para “Duque de Abrantes”.
Nas
elaboradas pinturas murais (de um pintor António Lanzuela, que Abrantes
contratou), que replicam de forma exemplar os motivos da talha dos dosséis do
altar, as armas portuguesas estão rodeadas pelo Colar da Ordem de Carlos III,
criada um século antes e da qual o Duque de Abrantes era Cavaleiro Grã-Cruz. Estão,
ainda, em ambos os lados da cena central da predela do altar – um Cristo
rodeado pelos Instrumentos da Paixão, as Arma
Christi, Nossa Senhora e o Evangelista a um lado, Maria Madalena e uma
outra mulher ao outro – separando-os desta as figuras de S. Pedro e de S. Paulo.
Os
restantes elementos da encomenda-restauro de Abrantes são prova da referida
teia matrimonial e reflectem o orgulho na sua ascendência entroncada mas várias
grandes casas de Espanha, uma espécie de árvore para “rivalizar” com a de Jessé:
armas de Fernández de Córdoba (Medinaceli), Acuña, Téllez de Girón (Osuna) e
Pimentel (Benavente), referentes à mãe do Duque. Também armas de Carvajal,
Sande (Valdefuentes) e, claro, as armas reais de Lancaster com a liga da Ordem
da Jarreteira e o seu delicioso Honi soit
qui mal y pense. Uma mensagem para os detractores do patrocínio ao
restauro?
Muito
curiosamente, o mesmo 9.º Duque de Abrantes fixou residência em Lisboa, pelo
menos durante dois anos, entre 1874 e 1876. Inspirado pelos trabalhos em Burgos
ou apartando-se apenas da República, D. Ángel de Carvajal parece ter escolhido
o Palácio das Laranjeiras. O Lourenço Correia de Matos, a cujas apuradas faculdades
heráldicas e genealógicas recorri para destrinçar várias dúvidas deste
emaranhado, encontrou na imprensa da época variadíssimas referências à presença
de Abrantes em Lisboa, às suas idas ao São Carlos e aos ameaços de regresso à
Madrid já liderada por Alfonso XII na sequência da Restauração.
A
ligação dos Abrantes a Portugal não se fica por aqui. Fruto do segundo
casamento do 9.º Duque, D. Manuel de Carvajal y Jiménez de Molina casaria em
Lisboa, em 1888, com Maria Clementina Pinto Leite, com descendência, como me
contou o Embaixador Manuel Côrte-Real a partir da sua infinita cultura
histórica. O casal seria muito próximo do Rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia e
o soberano português concedeu mesmo ao filho do Duque de Abrantes o título de
Conde de Jiménez de Molina em 1892. A ironia de um título português com nome
espanhol para o filho do titular de um ducado espanhol com nome português.
O
actual e 15.º Duque de Abrantes é D. José Manuel Zuleta y Alejandro, General do
Exército espanhol e Chefe de Gabinete da Rainha D. Letizia de Espanha. A sua
filha e herdeira usa o título de Marquesa do Sardoal.
Ademar
Vala Marques
terça-feira, 26 de março de 2019
Overbooking.
Overbooking,
um documentário sobre Palma de Maiorca afogada pelo turismo de massas. Para
quando algo semelhante sobre Albufeira ou sobre a turistificação sufocante da
Baixa de Lisboa?
Pressão-de-Ar [sentenças politicamente correctas]
PRESSÃO-DE-AR
[sentenças politicamente correctas]
[VERSÃO, AVERSÃO]
A governação de um país é um assunto demasiado sério e
delicado para ser confiado aos políticos e banqueiros.
*
FÁBULA
O Parlamento foi criado no tempo em que os animais
falavam. Infelizmente, nunca mais se calaram.
*
REINO ANIMAL-VEGETAL
Antes das eleições, os candidatos em campanha que
sobem à arena política comportam-se como bestas irracionais. Depois de eleitos,
quando confrontados com as promessas eleitorais por
cumprir, comportam-se como vegetais.
*
AS AVES E OS CIDADÃOS ANILHADOS
Como classificar e explicar uma nação e um
eleitorado que tiveram um anilhador de cagarras como Chefe de Estado?
Ricardo Álvaro
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