Foi devoto do salazarismo, acreditou
piamente que Portugal ia de Minho a Timor, militou contra o ardor
revolucionário, no ELP e no MDLP, reciclou-se, é doutor, sage, pensador e
historiador, assume-se como nacionalismo irrevogável e nega a pés juntos que exista
uma Direita em Portugal. O seu livro Portugal, ascensão e queda,
Publicações D. Quixote, 2021, é uma 5ª edição com posfácio. Os textos de
contracapa e da badana da capa são elucidativos do caráter ubíquo de uma
narrativa acerca de uma nação singular, que é Portugal (resta saber se na
comunidade internacional existe uma nação, uma só que seja, que não possua
singularidade…).
Na contracapa, o ideólogo alerta-nos
para o facto de ter desaparecido o Império Português vai para umas décadas
como, século e meio antes, o Brasil conquistara a sua independência. Um outro
ideólogo que seguramente Jaime Nogueira Pinto aprecia, Raymond Aron, escrevera
um elogio sobre a Europa decadente, exatamente para contestar que os valores
que o sage português entende caminharem para o ocaso. Porque o sage português
dá como facto consumado a decadência da Europa e do Ocidente, advertência que
não é novidade, os nacionalistas doutras precedências fazem-na regularmente, e
muito antes de o Jaime Nogueira Pinto ter nascido. A possibilidade de sairmos
desta decadência é posicionarmo-nos no mundo lusófono, nos tais povos e
comunidades que emergiram do fim do Império. E escreve: “O lugar dos
portugueses, que não se resignam à mediocridade mansa ou ressentida de
tributários do Centro Europeu, pode também ser ao lado desses povos, erguendo a
partir de um passado unido, sofrido, dividido, uma convergência futura”. E
vamos agora ao texto da badana da capa, a linguagem é mesmo deprimente:
“Arrastados, depois de Abril, para a mediania periférica da Europa e da
Península, sem grandes projetos, os Portugueses enterram-se na insignificância,
passando à mediocridade. É aí que estamos hoje, no comboio descendente da
Europa, já sem sonhos de grandeza ou consciência crítica da pequenez”. E
deixa-nos uma mensagem de Sibila: “Mas há uma Europa, também em queda mas
consciente dela, que reage. Bem ou mal, por defeito ou por excesso, mas reage.
E se o tempo ainda é de antítese, não tardará o tempo das sínteses. E para
esse, todos não seremos demais”. O sapateiro de Trancoso não deixaria de lhe
dar razão.
Para o sage, o caminho para a
ascensão foi definido pelas Descobertas e a concretização do Império, houve
sempre esta alteridade de apoio aos espaços ultramarinos a uma certa forma de
sonho europeu. O sage é cultíssimo, cita com oportunidade, toda esta História
acontecida e sancionada pela justiça dos factos, nos deve repor, com um novo
look e uma nova natureza, a comungar com o mundo lusófono, e para termos
perceção de que essa caminhada é inevitável vamos ter o seu olhar logo na
fundação de Portugal, porque nos foi dada a oportunidade de virarmos as costas
a Castela, começámos em Tânger, povoámos arquipélagos, descemos a África
Ocidental, almejámos o Índico, houve para ali líderes de génio, como Almeida e
Albuquerque, tudo somado e multiplicado vamos assistir a um processo de
construção ideológica do Estado moderno em Portugal, gerarmos os nossos
próprios mitos, caso do Sebastianismo, uma das provas insofismáveis de que o
Nacionalismo Português está para durar, e convém não esquecer o Padre António
Vieira e o seu V Império. Durante o Estado Novo também houve escritores
cabalísticos como Jaime Nogueira Pinto, recordo Manuel Anselmo, Costa Brochado,
Manuel Múrias, João Ameal, mas há mais, qualquer um deles podia escrever este
parágrafo como Nogueira Pinto:
“O gesto de D. Pedro, ao coroar D.ª
Inês rainha depois de morta, fazendo justiça poética ao que não se cumprira em
vida, era um prelúdio político-amoroso da espera sebástica que, depois das
Descobertas e de Alcácer Quibir, fora sendo, por negação ou afirmação, um traço
constante na identidade portuguesa. O cumprimento do que não fora, mas que
podia ou devia ter sido, do que fora começado, mas injustamente interrompido ou
contrariado neste mundo, era projetado para um mundo futuro, um mundo que só
após a derrota ou a morte podia conhecer a ressurreição, espécie de segunda
vinda gloriosa”.
Indo por aí fora, sempre com esta
guerra entre atlânticos contra continentais, iremos chegar ao liberalismo, a
independência do Brasil e a gesta africana, a ocupação, o tempo de Mouzinho e
de Alves Roçadas, sabe-se que os republicanos jacobinos até nos meteram na
guerra para defendermos o Império, e chegou o momento avassalador, uma questão
nevrálgica para Nogueira Pinto: demonstrar por A mais B que Salazar jamais foi
fascista, que até temos tradições de autoritarismo em Portugal, o Estado Novo
foi uma resposta a uma crise profunda, Salazar foi um pragmático conservador,
poupou-nos a guerras calamitosas e manteve-nos orgulhosamente sós, quando ele
deixa o poder, diz Nogueira Pinto, “a guerra de África, analisada quer na sua
influência na vida das pessoas, quer nas suas consequências na economia
nacional, não levava a esperar o desfecho que, em menos de seis anos, se iria
verificar: internamente, a guerra entrara numa espécie de rotina e as baixas em
campanha eram modestas para os efetivos envolvidos”. O que se seguiu foi
resultado da falta de mobilização política e social, Caetano queria e não
queria, o regime esbarrondou-se, e o autor volta a questões sobre as quais já
escreveu muita tinta sobre as esquerdas e as direitas, o abandono puro e
simples do Ultramar como forma de contrariar a política de Salazar. E assim
chegámos à queda, a este viver sem sonho e sem glória, que ele apostrofa,
vivemos na ordem inversa das caraterísticas da identidade portuguesa, estamos
na mediocridade, em suma.
Era expetável que no anunciado
posfácio ficássemos a saber mais, acabamos por ficar à espera, não se sabe bem
qual é a Europa que está a reagir e como é que nós vamos entrar neste tempo de
sínteses. Há quem se leve muito a sério e se mostre manifestamente incapaz de
entender que o charlatanismo pode ser uma boa vitualha para os saudosistas, mas
não passa pelo polígrafo. Afinal não deixamos de sonhar, continuamos a ser
inclusivos, melhorámos todos os indicadores da qualidade de vida e se não há
sonho sem resiliência, continuamos a sonhar com a equidade, os direitos humanos
e uma outra ascensão que é andarmos espalhados pelo mundo, em tolerância,
indiferentes aos amargores nacionalistas.
Mário Beja Santos