Fotografias de José Suárez (1902-1974)
ca. 1932
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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
No 90º aniversário de Mein Kampf (5).
Do “princípio
da chefia”(Führerprinzip)
ao processo
genocidário posto em prática pelo III Reich
“Durante os
doze anos terríveis do III Reich, o povo alemão conheceu nele qualquer coisa de
metafísico quase incompreensível só pela razão. Da região austro-bávara do Inn,
ali onde, entre o Natal e a Epifania, as ferozes tradições ancestrais são ainda
as mais vivazes, surgiu um homem. A vulgaridade estava marcada sobre o seu
rosto por uma mecha negra e o ridículo crescera debaixo do seu nariz; ele tinha
o olhar ardente do predestinado. Ele tocou tambor durante muito, muito tempo,
através de todo o país, anunciando-se como sendo ele mesmo o Messias antes do
Advento do ódio, até ao momento do solstício em que a tempestade se levantou
levando consigo a Alemanha. Todos estavam fascinados por ele como se estivessem
agachados na esperança de que a tempestade passaria sem estragos por cima das
cabeças deles ou mesmo que se tivessem juntado, de cabeça levantada, ao
exército nacional-socialista: membros do Partido, directores de fábricas de
armamentos, porta-estandartes da Juventude Hitleriana, dirigentes de
organizações femininas, chefes de bairros, raparigas, soldados, soldados cujas
guerras relâmpago devastaram a Europa. Envolvido numa brilhante alegoria, ele
lançou-os na chuva apocalíptica de fogo e de bombas dos juízes finais. Tombados
num abismo de miséria e degradação, os sobreviventes acordaram por fim, no meio
de ruínas e de cadáveres, na apatia duma nova consciência. O que é que
acontecera? Como é que aquilo sucedera? Mas não era possível! Tudo aquilo
acontecera mesmo? Mas não era possível! Tudo aquilo não o tínhamos sabido!”
1. O Führerprinzip
O Führerprinzip (“princípio do chefe” ou da chefia) está definido no Mein Kampf como “princípio da
personalidade”, ou seja, como pedra angular desde a mais pequena célula que a
comuna constitui até ao governo supremo do conjunto do país, insistindo Hitler
que “não há decisões da maioria mas penas dos chefes responsáveis”, sendo
necessário retomar esse princípio que fizera outrora do “exército prussiano o
mais admirável instrumento do povo alemão tem, em sentido lato, de ser o princípio
da construção de toda a nossa noção de Estado: a plena autoridade de cada um
sobre os seus subordinados e responsabilidade perante os superiores. (...).
Desde a comunidade até à liderança do Reich,
o Estado racial-nacionalista não tem nenhum corpo de representantes que tome
decisões por maioria, mas um corpo de conselheiros ao lado do líder escolhido,
que lhes distribui o trabalho a fazer.”[2]
Em suma, este conceito
basilar do regime político nazi - o princípio
da chefia - torna evidente que na Alemanha totalitária a edificar o
princípio der chefia deveria ser a pedra angular de um Estado autoritário com
poderes que emanam do chefe no topo da hierarquia política. Antes mesmo de
redigir o M.K., Hitler insistira na
ideia de que no NSDAP era este princípio que dominava no partido, sendo a
democracia uma tolice – tema recorrente no seu livro autobiográfico e, ao mesmo
tempo profecia e programa publicado como vademecum
nacional-socialista em 1925 e 1926.[3]
Tomado o poder em 1933,
Hitler publicou uma série de diplomas que estabeleciam e reforçavam e de modo
absoluto e total este Führerprinzip.[4] Iam
nesse sentido irrevogável as grandes reformas político-constitucionais que
estabeleciam a partir de 1933 o Estado totalitário e racial através da chamada Gleischaltung, isto é a coordenação e
unificação de todo o Reich mediante uma série de leis que visavam criar um
Estado altamente centralizado sob o domínio exclusivo e total do NDSAP, o
partido nazi. Na base dessa coordenação total estavam essas duas premissas tão
claramente e expressas e assumidas por Hitler no seu livro de 1925 e 1926 como
imperativos categóricos de um pleno resgate da raça nacional, isto é, para além
do princípio da chefia, o ditame rácico de restaurar a pureza da germanidade
desse país que o Führer dizia
adulterado pela presença dos judeus.
Integravam essa Gleichschaltung vários diplomas de
instauração da radical ditadura nazi, aprovados a partir de 1933 e nos anos
seguintes para completar a tal coordenação global do Estado, da sociedade, de
toda a forma de actividade política, cultural e ainda a vida de todos os dias.
Nesse ano de 1933, a
“coordenação da vontade política” traduziu-se numa série de diplomas
fundamentais: a 21-III, o diploma amnistiando todos os nazis até então
inculpados de delitos e instauração de medidas contra boatos malévolos, assim
como a criação de tribunais especiais (os “tribunais do povo”), assim como os
deputados comunistas eram proibidos de tomar lugar no Reichstag, a 22-III, o
decreto de “habilitações” (ou autorizações)
dando especiais poderes a Hitler por quatro anos ( diploma renovado em
1937), a 29-III eram abolidas as liberdades fundamentais e a chamada lei van
der Lubbe prescrevia a forca como sanção retroactiva para incêndios, a 31-III a
primeira Lei de Coordenação dos Estados e do Reich, estabelecendo novas
assembleias estatais e locais, a 7-IV a segunda Lei da Coordenação nomeia novos
governadores estatais, a 8-IV a lei da Reconstrução do funcionalismo público,
distinguindo entre Reich, Estado ou instituições locais, afastando desde logo
todos os “elementos desleais” e judeus, a 2-V são dissolvidos todos os
sindicatos e criada uma Frente do Trabalho, a 17-V suprime-se o direito à greve,
a 20-V os bens do Partido Comunista Alemão são confiscados, a 14-VI a lei da
Nova Formação do Campesinato Alemão, e os decretos dissolvendo os partidos
políticos - a 22 o SPD, a 27 o DNVP , a
28 o Partido do Estado, a 4-VII o Partido Bávaro, a 5 o Partido do Centro
(católico) –, a 8-VII é assinada a concordata entre a Alemanha nazi e o
Vaticano,[5] a
14-VII torna-se o NSDAP o partido único, proibindo-se a criação de novos partidos políticos, a
15-VII a lei da reorganização corporativa da Agricultura, a 14-X a dissolução
do Reichstag, a 12-XI o referendo nacional
aprovando a política nazi com 95% dos sufrágios, a 1-XI a lei que
assegura a Unidade do Partido e do Reich, a 12-XI as eleições para o Reichstag
dão 93% dos votos ao NSDAP e um novo referendo autoriza a Alemanha a retirar-se
da SDN. A esta avalanche de diplomas de coordenação ditatorial e absoluta
seguir-se-iam ainda outros importantes diplomas, em 1934: em 30-I é promulgada
a lei reorganizando o Estado e suprimindo as províncias (Länder), a 24-IV é criado o Tribunal do Povo (Volksrgerichthof), a 19-VIII 89.3 % dos votos aprovam os novos
poderes de Hitler. Em 1935,
a 13-I, um plebiscito aprova com 96 de votos o regresso
do Sarre ao Reich alemão, a 14-III um decreto violando o tratado de Versalhes
cria a Luftwaffe, a 16-III é aprovada a lei da reorganização da Wehrmacht, a
25-V a lei do Serviço do Trabalho para o
Reich, tornando-o obrigatório. aA 17-VIII é proibida a Maçonaria, a 15-IX são
aprovadas a leis antijudaicas de Nuremberga e a cruz gamada ou suástica[6] é
tornada emblema oficial do Reich.
A revolução hitleriana e
o estabelecimento acelerado do III Reich milenar desde Janeiro de 1933, a começar em
24-III-1933 com a “Lei para remediar a miséria do povo e do Reich”, aprovada
pelo Reichstag, que funcionou como uma espécie de constituição preliminar do
Reich, deram ao gabinete de Hitler um poder legislativo ilimitado e o direito
de determinar todas as disposições constitucionais necessárias, exceptuadas as
parlamentares e do conselho federal (Reichsrat),
o que, de certo modo, eliminava o poder legislativo do parlamento, conservado
doravante como um mero poder decorativo, tornando-se o gabinete, deste modo, o
legislador normal. O diploma de 24-III-1933 não só se unificou o poder estatal
como este passou a ser absoluto. Quanto ao exército, foi também este
ferreamente submetido a uma integração e obediência totais no sistema de
captura e submissão de todos os corpos e poderes sociais da Alemanha. Em
seguida, outros diplomas levaram o Estado totalitário ainda mais longe, pois
todas essas medidas legislativas do período de 1933-34 se traduziam numa Gleichschaltung (“coordenação”) ou
sincronização das actividades federais, dos estados regionais e provinciais (Länder), bem como das instâncias
municipais, o que na verdade vinha concentrar todos os poderes alemães nas mãos
do Führer, donde a fórmula triádica
ritual em vigor desde então: Ein Volk,
ein Reich, ein Führer”(“Um Povo, um Reino, um Chefe).
Foram suprimidos todos os
partidos, sindicatos e organizações militares não-nazis, assim como destituídos
todos os funcionários não-nazis em todos os sectores da vida profissional,
assim como fisicamente eliminados os opositores políticos e internados em
campos de concentração os inimigos do regime.[7] Em
1934, tendo já falecido Hindenburg (2-VIII), foi a chancelaria e a presidência
do Reich unificadas na pessoa de Hitler, diploma que foi aprovado por 89,9 %
dos votantes num referendo realizado em 19-VIII desse ano. Ainda em 1934, a lei de 20-I,
destinada a “reconstruir o Reich”, transferiu para este todos os poderes
soberanos regionais da Länder
(regiões, países da Alemanha), destruindo de vez o Estado federal alemão, sendo
os municípios também eliminados, pelo que o controlo total autoritário chegava
ao seu termo absoluto.[8]
Fotografia de Henrich Hoffmann
1925
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O Führer [9] era agora um
chefe único chefe, omnipotente, sendo possível a cada responsável mandatado por
ele exercer um poder arbitrário na sua esfera, o que tornava sacrossanto o
dever de obediência, derivado do mesmo “princípio de chefia” cuja cúspide era o
próprio chefe. Hitler, o artista austríaco falhado, o antigo vagabundo em
Viena, vivendo em albergues nocturnos, o soldado alistado no exército alemão e
mais tarde informador do exército após a derrota de 1918, o refundador dum
minúsculo partido nacionalista, racial e totalitário na Baviera, e que em pouco
tempo soubera transformar num aguerrida falange de ambiciosos que, após um
falhado Putsch na cervejaria bávara,
acabaria por tornar no seu dedicado aríete político, apto a apoderar-se do
poder pela via legal e segundo os processos eleitorais vigentes na da frágil
democracia liberal da República de Weimar, que entretanto se fizera naturalizar
alemão e escrevera um longo e empolado livro que, além da autobiografia
deturpada e mitificada duma vida excepcional, fadada a altos cometimentos de
que o próprio autor era o profeta mais convicto, além de convincente, ao mesmo
tempo que continha um programa ideológico simplista e agressivo para uso dos
políticos, essa obra que aparentemente ninguém lera, embora se vendesse como um
best-seller.
Gordon A. Craig, um dos
mais abalizados estudiosos do dissonante e aberrante fenómeno nazi no contexto
da história da Alemanha do séc.XIX e XX, resumiu em poucas páginas o sentido da
chefia e da figura mesmo de Hitler, das quais transcreveremos alguns
parágrafos.[10] Craig começa por
desmentir que Hitler pertença a um continuum
de estadistas germânicos que iria de Bismarck a Stresemann, até porque a faceta
sui generis e as raízes do Führer o levaram a “tomar o poder pelo
seu próprio prazer” e para “a destruição dum povo cuja existência era uma
ofensa para ele e cuja aniquilação seria o seu triunfo coroado. (…). Nos anos
de ascensão ao poder essa solidão desempenhou o seu papel. Criou uma distância
entre ele e os camaradas de partido que ele deliberadamente cultivara para as
suas vantagens psicológicas que lhe traziam, e isto não era o factor menos
importante para reforçar a sua
indispensável ascendência pessoal. Isso deu um nimbo de mistério à sua figura
que deslumbrou muitos que foram até à sua presença e deixaram raros nada
impressionados. Daí resultou a sua própria imagem mágica sobre as multidões que
vinham ouvi-lo e foram cativadas e levadas até ele antes mesmo de ele começar a
falar.
A sua singularidade tinha
outro aspecto. Entre todas as figuras proeminentes do período de Weimar, ele é
o único do qual se pode dizer que inequivocamente possuía génio político (…),
como animal político não tinha igual no seu tempo. Na sua pessoa combinavam-se
a vontade indomável e a autoconfiança, o soberbo sentido do tempo que lhe dizia
quando devia esperar e quando agir, a habilidade para sentir as ansiedades e os
ressentimentos das massas e pô-las em palavras que transformavam toda a gente que
tinha agravos num herói na luta para salvar a alma nacional. Uma mestria nas
artes da propaganda, um grande talento para explorar as fraquezas dos rivais e
antagonistas e a dureza na execução dos seus próprios desígnios que não eram
embaraçados nem por escrúpulos de lealdade nem por considerações morais.
Fotografia de Henrich Hoffmann
1925
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Era a completa fé em si
mesmo e a sua crença de que estava destinado a tornar-se o chefe da nação com a
qual se identificava o seu destino desde 1919 que impressionou a heterogénea
espécie de niilistas, intelectuais deserdados e condottieri que tinham sido a ossatura do seu partido original
durante o longo inverno do descontentamento que se seguiu ao colapso do putsch de Novembro, foi a sua aparente
incapacidade de duvidar que os ligou ainda mais firmemente a ele. (…).
Repetidamente, o movimento foi salvo da destruição pela fé e vontade de Hitler,
até que os chefes a ele subordinados acreditaram na sua missão tão firmemente
como ele mesmo.
(…). O talento que tinha,
antes de mais, transformara um vagabundo errante num político consequente com a
sua habilidade em atrair as massas e ganhar a sua adesão, e isto manifestava-se
nos seus sucessos como orador. Todo aquele que tenha visto o filme de Leni
Riefensthal sobre o congresso do partido em Nuremberga, o Triunfo da Vontade, pode compreender como é que isto era possível,
mesmo que não compreenda alemão, pelo poder da paixão que animava os discursos
de Hitler. (…). Mas o essencial da sua habilidade para dominar e mesmerizar os
seus ouvintes eram os seus notáveis poderes intuitivos que lhe permitiam sentir
os seus sentimentos e adivinhar os seus medos e desejos e dizer o que eles
queriam ouvir, as coisas que lhes devia dizer (…).”[11]
3. Da Noite de Cristal à Shoah no
começo da guerra
Em suma, em dez anos,
desde a farsa do putsch na cervejaria
a Janeiro de 1933 - momento em que o “milagre”, como ele mesmo disse ou “conto
de fadas”, como se exprimiu maravilhado o seu chefe da Propaganda -, em que
Hitler era conduzido à chancelaria, depressa confiscando, com o seu ousado e
infalível mantra – o Führerprinzip –,
o comando de todos os mecanismos do poder germânico. Compreende-se, assim, que
nos julgamentos de Nuremberga, alguns altos dignitários do III Reich invocassem
a necessidade de obediência cega aos chefes, na qual se incluiria a de todo o
povo alemão em aderir sem reserva à vontades expressas pelo Führer, mesmo na ausência de ordens
explícitas nesse sentido, o que, obviamente, se podia aplicar à decisão
genocidária em relação aos judeus, até porque a já referida conferência de
Wannsee, em 20-I-1942, onde foi decidido proceder ao holocausto em escala
total, a Endlösung der juden Frage,
ou seja, a “solução final da questão judaica”, o genocídio, a Shoah.[12]
Acrescente-se a este fenómeno o omnipresente culto do chefe, a megalomania
incomensurável de Hitler, a convicção delirante de que ele era um homem enviado
pelo destino para salvar a Alemanha e ainda a adulação que em seu torno
fabricava uma máquina de propaganda genialmente posta em marcha por Goebbels [13] - de
que era exemplo o filme de Leni Riefenstahl Triumph
des Willens (Triunfo da Vontade,
1936),[14],
ajudaram a tornar o “princípio de chefia” uma visão essencial que havia de
conduzir todo um país à catástrofe, como o sublinha Ian Kershaw.[15] Por
fim, atendendo ao ódio antijudaico que atravessa todo o livro de Hitler no qual
o futuro Estado alemão totalitário e absoluto é, ao mesmo tempo, recorrente e
obsessivamente definido como racista
– no Mein Kampf e falando uma vez
mais contra os judeus, Hitler enfaticamente sublinha que o “Estado é um
organismo racial e não uma organização económica”[16] – o
III Reich, depois das leis fundadoras do novo regime, nomeadamente as
legislação anti-semita de Nuremberga (Setembro a Dezembro de1935), daria um
salto mais decidido quando, depois em Novembro de 1938, já anexada a Áustria e
conquistada a Checoslováquia graças aos acordos de Munique (29/30-XI-1938),
graças à cobardia dos dois míopes líderes das democracias europeias, Neville
Chamberlain e Édouard Daladier, passava o regime nazi a esboçar uma solução
global para a velha questão judaica, o que se pôs em prática depois de Herschel
Grynspan,[17] um jovem judeu polaco,
então expatriado em Paris, ter alvejado a tiro, em 7-XI-1938, um diplomata
alemão na capital francesa, Ernst von Rath, que havia de falecer dois dias
depois, pretexto ideal para uma avalanche de perseguições antijudaicas,
destruições de milhares de lojas judias, além de centenas de sinagogas
destruídas, milhares de israelitas detidos, mortos ou espoliados por multidões
açuladas pela SS e pogroms que tiveram Goebbels e Heydrich como inspiradores
principais dessa terrível “Noite de Cristal” (9/10-XI-1938). No dia seguinte,
as vítimas sobreviventes eram forçadas a indemnizarem os espoliadores e
agressores, com uma indemnização de um milhão de marcos, assim como leis
expeditamente aprovadas proibiram os membros da detestada raça de serem donos
de lojas de retalho, empresas de expedição ou encomenda e, por fim, de exercer
artesanato, assim como médicos e advogados judeus eram proibidos de praticar as
suas profissões, ao mesmo tempo que o a comunidade hebraica tinha até 1-I-1939
um prazo limite para vender todos os seus bens imobiliários, as suas acções, as
suas jóias ou obras de arte.
Esta imensa espoliação
terrorista destinava-se a proceder a uma pronta liquidação económica dos judeus
alemães: a 11 de Novembro, Heydrich relatava a Goering os detalhes estatísticos
daquela noite de terror anti-semita: 74 judeus mortos ou gravemente feridos,
20.000 presos, 191 sinagogas saqueadas ou destruídas, 171 domicílios arrasados.
Acima de tudo, constatava-se, que este desencadear de brutalidades nazis era o
implacável começo do extermínio do povo da Aliança, o prólogo duma perseguição
que só a guerra, com o seu germânico Drang
nach Osten, e a captura de milhares de membros de populações judaicas pela
Europa fora, progressivamente conquistada pelas tropas da suástica, abriam as
fauces hiantes de geena que tragaria toda uma humanidade condenada ao
holocausto, sobretudo desde que, com os campos de extermínio, construídos para
além das fronteiras alemãs, se iria praticando um gigantesco morticínio
industrial, através dos fornos crematórios e do Zyklon B. Aos burocratas nazis
de estilo vociferante e alucinado seguir-se-ia agora uma nova espécie de exterminadores,
a geração de “assassinos de secretária”, de obedientes carrascos que alegariam,
mais tarde, nos Tribunal Militar Internacional reunido em Nuremberga (1945-6)
que eram aplicados funcionários, cumpridores de um Mal banal, como o escreveria
mais tarde Hannah Arendt numa obra polémica dedicada a narrar o julgamento de
Eichmann em Israel – um desses tranquilos mas inflexíveis assassinos ao serviço
da Shoah.[18] Era ainda este princípio
perverso da chefia, além de absoluta, dotada de todos os sistemas de terror e
manipulação psíquica e castigos terríveis, sem esquecer as máquinas dementes
como esse Estado-dentro-do-Estado, a que Eugen Kogon, um historiador e
resistente alemão chamou acertadamente “Estado SS”.[19]
Nas
suas conversas com Hitler, recolhidas por Rauschning no seu famoso Hitler disse-me, há um capítulo de
especial interesse para se compreender o entranhado anti-semitismo do Führer, intitulado “Escuta Israel”, no
qual o Führer, além de fazer uma
reveladora reflexão sobre os Protocolos
dos Sábios de Sião,[20] um
dos documentos mais famosos e lidos pelos anti-semitas, opúsculo baseado numa
falsificação organizada pela polícia secreta dos czares, pelo nazismo – sendo
nomeadamente reeditado pelo “filósofo” do III Reich, Alfred Rosenberg[21] −,
embora reconhecendo que o rábido panfleto era uma mistificação manifesta,
admitia que ele lhe servira como guia no mais pequenos pormenores para
compreender os manejos conspirativos dos judeus com vista ao domínio mundial,
servindo-lhe como “ponto de partida da luta que iniciou” contra eles,
acrescentando: “Não pode haver dois povos eleitos. Nós somos o povo de Deus.
Isto diz tudo.(…). Dois mundos se defrontam! Homem de Deus e o homem de Satã! O
judeu é a irrisão do homem. O judeu é a criatura doutro Deus. Saiu decerto
doutro qualquer tronco humano.(…). O judeu (…) está muito mais afastado do
animal do que nós, Arianos. É um ser alheio à ordem natural, um ser fora da
natureza,”[22]
Em uma, o racismo
hitleriano era essencial e ontologicamente anti-judaico, mas havia outras ódios
também raciais como o anti-eslavo, o anti-polaco e outras formas de extermínio
ou escravização de povos que o Drang nach
Osten (“ímpeto para leste”) desde 1938, primeiro com o Anschluss da Áustria e a anexação da Checoslováquia, a que se
seguiu, em 1939-1941, com a guerra contra os demais países europeus,
inclusive a União Soviética com a qual o
III Reich acordara o tão escandaloso quanto infame pacto germano-russo,
assinado por Molotov e Von Ribbentrop,
em 23-VII-1939, o que permitiria que os
exércitos dos dois improváveis signatários invadissem sem demora a Polónia e a
partilhassem, embora menos de dois anos depois fosse esse pacto atraiçoado pela
Alemanha, o que permitiria que esta pusesse em prática a conquista
aparentemente imparável dum vastíssimo “espaço vital”(Lebensraum, outro mantra central e obsessivo do livro-programa Mein Kampf), o que deixaria os arianos
da suástica incluirem nessas conquistas imensas o morticínio de povos, desde os
judeus aos ciganos - esse “holocausto esquecido”, chamou-lhe Christian Bernadac[23] -,
sem esquecer todas as demais populações que se incluíam na lista dos danados a
serem eliminados por motivos de ódio racial, uma política genocidária que
ultrapassava tudo o que anteriormente se intentara realizar pela espada, muito
diferente dos massacres praticados pelos velhos estados absolutos existentes
nos sécs.XVII, XVIII e XIX (desde o M.K.
que Hitler descartava qualquer ideia de expansão colonial africana),[24] até
porque a industrialização da morte e da captura de comunidades nacionais
inteiras incluíam agora massas humanas bastante mais numerosas. [25]
5. O caso de um jurista nazi, Carl Schmitt
Lembremos que um jurista
nazi, Carl Schmitt (1888-1985),[26]
louvara o Führer no seu livro Staat, Volk Bewegung: Die Dreigliederung der politischen Einheit (Estado, Movimento e Povo: A tripla Estrutura
da Unidade política, 1933) e, dando-lhe respeitabilidade como dirigente
supremo da Alemanha da suástica, concedendo à matança da Noite das Facas Longas
(1934) uma legitimidade jurídica que teria forte influência ao próprio Führer na assunção da sua chefia suprema
da revolução nazi, reivindicando, nesse momento de crise aguda, num discurso
pronunciado diante do Reichstag, em 13-VI-1934, como sendo o “responsável pelo
destino da Alemanha e, portanto, o seu supremo juiz (obster Gerichtsherr) do povo alemão”, discurso muito aplaudido e
que o seu biógrafo Kershaw considera como um dos “seus melhores desempenhos
retóricos” e, ao mesmo tempo, “a substituição da regra da lei pelo crime como raison d’être”.[27]
Como jurista, Schmitt,
influenciado em larga medida pelo sindicalismo revolucionário de Georges Sorel,
concebia a sua visão da politeia
segundo uma doutrina decisionista, pedindo agir e decidir em vez de valorar,
distinguindo entre a diferença fundamental dos conceitos de amigo e inimigo: em política, o inimigo
privado (inimicus) era alguém que
teria de se exterminar fisicamente, o que não acontecia com o inimigo público (hostis). Schmitt defendia, deste modo, o
uso legítimo da força bruta mais descarada, em tudo oposto aos actos da
democracia liberal e a toda a concepção tradicional do império do direito, de
que a República de Weimar (1919-1933) fora exemplo. Incapaz de superar o
evidente oportunismo e a subserviência em relação aos titulares do poder nazi,
Schmitt ficaria para sempre associado às mais flagrantes brutalidades e
injustiças do III Reich, ainda que a sua obra continue a ser lida e discutida,
provocando acesas controvérsias de natureza política e intelectual.
Schmitt aderira ao NSDAP
em 1-V-1933[28] e fora consultor do III
Reich em matérias de direito constitucional, tendo dado uma aparência de
legitimidade jurídica à eliminação sangrenta de Röhm e da SA na Noite das Facas
Longas (1934), classificando-a como exemplo duma “mais elevada forma de justiça
administrativa”, assim como apoiara as leis discriminatórias contra os judeus em
1935, considerando que o judeu, inimigo de sangue e de raça, devia ser excluído
da esfera jurídica e do próprio género humano, sendo implicitamente destinado
ao extermínio). Apesar de nunca se ter manifestado anti-semita durante a
República de Weimar – dedicando a sua obra clássica Verfassungslehre (Direito
consitucional, 1928) ao seu amigo jurista judeu Fritz Eisler, e mostrara grande
apreço por Hugo Preuss, também judeu, autor da Constituição weimariana –,
Schmitt acolheria favoravelmente as leis anti-judaicas de Nuremberga
(9/15-XII-1935), definindo-as como a “constituição da liberdade” essa
legislação discriminatória que se afirmava destinada a “proteger o sangue
alemão e a honra Alemanha”, pois reservava a cidadania germânica aos cidadãos
do Reich, distinguindo estes dos súbditos privados de direitos públicos ou
cívicos, o que excluía os judeus, tornados desde então “cidadãos de segunda
classe”, que não podiam ter como criadas mulheres alemãs de menos de 45 anos,
sendo-lhes ainda vedado casar com
alemães ou terem relações extra-maritais com estes, normas cujas infracções
seriam sancionadas por penas de reclusão ou de prisão), além de que aceitaria
organizar em 1936 um congresso jurídico anti-semita, intitulado “O Judaísmo nas
ciências jurídicas”, o que não impediu
que viesse a incorrer, em Dezembro de 1936, na antipatia da SS, cujo seu órgão
de imprensa, Das Schwarze Korps, publicou
no um ataque denunciando o seu falso anti-semitismo e ainda o oportunismo da
sua tardia adesão ao nazismo, um pensador hegeliano do Estado, tendo então C. Schmitt que abandonar o seus
cargos políticos, excepto um, graças à protecção de Goering, o posto no Staatsrat prussiano (conselho de Estado), perdendo de vez a sua aura de Kronjurist des Dritten Reich (“jurista
coroado do III Reich”), embora viesse a substituir o professor Hermann Heller
no seu lugar na universidade de Berlim, cargo que desempenharia até ao final da
guerra. Derrotada a Alemanha nazi, Schmitt foi detido pelas tropas
norte-americanas, passando um ano num campo de internamento, sendo depois solto
em 1947, embora recusasse sujeitar-se a qualquer processo de desnazificação,
ficando desde então privado de exercer qualquer profissão docente.
João Medina
[2] Hitler, Mein
Kampf/A minha Luta, trad. portug., Lisboa, Edição Glaciar, 20016, pref. de
D.Cameron Watt, vol.2, p.95. Todo este capítulo (“Personalidade e concepção de
Estado racial-nacional-socialista”, pp.87-97) é essencial para se entender o
princípio de chefia e o subjacente sentido de darwinismo social da visão
racial-nacionalista preconizada por Hitler desde esta obra que, além duma
autobiografia de discutível veracidade, é sobretudo um programa político que fundamentará
e norteará toda a política e acção do III Reich de 1933 a 1945.
[3] Veja-se no estudo de Martin Broszat, L´État hitlérien. L’origine et l’évolution
dês structures du IIIe Reich, Paris, Fayard, 1986, o programa do NSDAP em
25 pontos, de 24-II-1920, revisto em V-1926 e 1928, pp.573-6. Martin Broszat
(Leipzig, 14-VIII-1926 – Munique, 14-X-1989), estudou nas universidades de
Leipzig (1944-49) e Colónia (1949-52), ensinando nesta última em 1954, passando
depois para a Universidade de Munique, onde
dirigiu o Instituto de História Mundial e dinamizou diversos empreendimentos
historiográficos como o Projecto Baviera, publicando o seu primeiro estudo
sobre o Nazismo (traduzido em inglês, The
German National-Socialism, 1966). Em 1944, ainda estudante, filiara-se no
Partido Nazi. Em 1969 publica Der Staat
Hitlers (The Hitler State, trad.
ingl.), definindo o nazismo como uma policracia e não uma monocracia Broszat
criticou duramente a obra do historiador inglês David Irving, Hitler’s War, refutando a tese deste de
que Hitler não tivera conhecimento do holocausto. M.B. participou na famosa
“querela dos historiadores”(1984-88), criticando as teses de Ernst Nolte e de
Hilgruber, sendo defendido por Saul Friedländer contra Hilgruber no tocante ao
genocídio judaico, assim como teve a seu lado Jürgen Habermas e Mommsen. O seu
mais conhecido discípulo foi o historiador inglês Ian Kershaw. Para Broszat, “a
História não é conhecimento, é vida” (Geschichte
ist nicht Wissen, sondern Leben.”).
[5] Sobre a condenação do nazismo pelo papa Pio XI, em
1937, veja-se o nosso estudo O Papa entre
Antígona e Creonte: Pio XI e a condenação do nazismo. A encíclica «Mit brennedeer
Sorge» (14-III.1937), separata da revisita Clio, nova série, nº 6 Lisboa, 2002, pp.9-46 , ilustr..
[6] A suástica (palavra que significa “bom augúrio” em
sânscrito) ou cruz gamada (Hakenkreuz)
é um símbolo circular constituído por quatro braços rectilíneos articulados num
emblema giratório no sentido dos ponteiros dum relógio, seria feito emblema do
NSDAP desde 1920 e, por fim, transformado em bandeira do Reich em 1935,sobre um
fundo branco em campo vermelho, ao mesmo tempo que, encimada por uma águia,
figurava em toda a simbologia e nas manifestações da vida nazi. Desde as suas
origens longínquas em civilizações como a grega, persa, indiana e tibetana, a
suástica representava o sol e o seu movimento, assim como o ciclo da vida,
tendo sido utilizada pelos cavaleiros teutões, por partidos anti-semitas
romenos desde finais do séc. XIX e ainda por alguns corpos francos alemães após
ao fim da guerra 14-18. Veja-se Malcolm Quinn, The Swastika. Constructing the Symbol, Londres, Routledge, 1994, maxime pp. 4-5 (a suástica e a
interpretação do nazismo), 25-6 (a suástica
em Hissarlik, i.e., Tróia, nos achados arqueológicos de Schliemann), 53 (Goblet
d’Alviella considera a suástica como um símbolo ariano, numa obra publicada em
Londres, em 1894, The Migration of Symbols),
125-6 (John Heartfield utiliza as fotomontagens anti-nazis para denunciar a
suástica) e 131-3 (uso da suástica no nazismo). Quanto ao artista alemão John
Heartfield (aliás Helmut Held, nasc. em Berlim em 1891, influenciado pelo
cubismo, futurismo e expressionismo, comunista, inimigo do hitlerismo,
exilando-se em 1933 na Checoslováquia, refugiando-se mais tarde na Inglaterra e
nos EUA, regressando ao seu país para viver na República Democrática Alemã,
falecendo em 1968). M.Quinn examina em pormenor algumas destas fotomontagens na
citada revista AIZ (mas o seu livro
não as reproduz), associando a suástica à violência criminosa e sangrenta, como
a legendada “Sangue e Aço”: veja-se o livro de John Wuillet, Heartfeild versus Hitler, Paris, Hazan,
1997, v.g.: a cit. “Sangue e Aço”, AIZ, Praga, Março de 1934, p.139), na
qual vemos quatro lâminas de machado compondo uma cruz gamada a pingar sangue)
e ainda outras (“Como s estivéssemos na Idade Média…assim também é no III
Reich”: em cima, uma roda de pedra esmaga o corpo de um homem, em baixo uma
suástica negra esmaga-o também, AIZ,
Maio de 1934, p.143); um nazi prolonga os braços duma cruz, aparafusando-lhes
prolongamentos dobrados nas pontas, tornando-a gamada, sendo Jesus que a leva
ao ombro (AIZ, 1933, p.115), um
cadáver está deitado sobre uma suástica (“O crucifixo do criminoso”, AIZ, Agosto de 1933, p.124), um
esqueleto com um capacete militar semeia pequenas suásticas sobre um campo (AIZ, “As sementes da Morte”, Abril de
1937, p.162), os ramos de uma árvore de Natal são quebrados de modo a formaram
suásticas (AIZ, Dezembro de 1934, “A
árvore de natal alemã, como os teus ramos são dobrados!”, p.147).
[7] Em Março de 1933 abrem os primeiros campos de
concentração (Konzentrationslager),
entre os quais o de Orienburg e Dachau. Nestes campos destinavam-se à detenção
de inimigos do regime nazi, sem julgamento, desde 1933 a 1936, Após esta data
e até 1942, estes campos foram fechados, ficando apenas a funcionar o de
Dachau, confiado à SS de Himmler, ao mesmo tempo que se construíam outros
campos como Sachsenhausen, Mauthausen, Natzweiller, Ravensbruck, Bergen-Belsen,
Buchenwald, Auschwitz, Theresikjenstadt, etc. Tendo entretanto começado a
guerra e invadida a URSS em 1941, um terceiro período de campos é montado,
destinados sobretudo a trabalhos forçados e a “reeducação”, havendo neles
muitos judeus alemães (na Noite de Cristal, em 1938, 36.000 foram detidos) e
austríacos. Após a decisão, tomada em 20-I-1942, de aplicar aos judeus a
“solução final”, inicia-se a partir de Fevereiro de 1942 o terceiro período dos
campos, agora de extermínio, em função da política genocidária tomada na
conferência de Wanseee para a “questão judaica”, sendo muitos dos detidos
destinados ao trabalho forçado para a indústria alemã de armamento dirigidos
por um sector especial da SS, a WVHA (Wurtschafts-Verwaltungshauptamt,
Escritório Central Económico-Adminstrativo); a partir de Outubro de 1942 os
detidos judeus foram enviados para os fornos crematórios de Auchitz/Birkenau.
Veja-se Robert Rozett e Shmuel Spector, Encyclopedia
of the Holocaust, Jerusalém, Yad Vashem/Facts on File, 2006, ilustr. e com
mapas, maxime pp.121-5 e 171-3. Esta
obra de grande interesse ocupa-se sobretudo dos campos de extermínio (Vernichtungslager), como Auschwitz/Birkenau,
Chelmno, Dachau, Treblinka, Belzec, Sobibor, Majdenek, etc. Veja-se a
bibliografia sobre o genocídio e Aiuschwitz no nosso livro Auschwitz e Moscovo. O Silêncio de Deus em Auschwitz, Lisboa,
Caleidoscópio, 2006, ilust., pp.136-141.
[8] Sobre estas grandes reformas político-constitucionais
do III Reich, vejam-se duas obras essenciais: o supracitado L´Etat hitlérian de M. Broszat e ainda
Karl Dietrich Bracher The German
Dictatorship. The origins, structure and effects of National Socialism,
Nova Iorque e Washington, Praeger Publishers, 1970, maxime pp.229-286 (“A formação do III Reich”); sobre o conceito de Gleischscaltung, p 247-258.
[9] Gustav Stresemann (Berlim, 1878 –id., 1929), fundador,
durante a República de Weimar, do Partido Nacional-Liberal, chanceler em 1923, ministro dos Negócios
Estrangeiros até à sua morte, foi a figura visível da reconciliação com a
França e o negociador do plano Dawes(1924) que normalizaria a situação
financeira alemã, partilhando com Aristide Briand o prémio Nobel da Paz (1926).
[10] Veja-se Gordon A.
Craig, Germany. 1866-1945, Oxford,
Oxford University Press, 1988, pp.543-49. Gordon
Craig (Glasgow,13-XI-1913 – 30-X-2005), nascido na Escócia, emigrou com a sua
família para o Canadá e depois EUA, licenciando-se em História em Princeton,
servindo depois, durante a segunda guerra mundial, na marinha dos Estados
Unidos, trabalhando para o OSS (Office of
Strategic Services), ensinando em seguida na Universidade de Washington, de
1950 a
1955, colabora na Oxford History of Modern
Europe, publicando duas obras maiores sobre a história da Alemanha e os
Alemães, Germany. 1866-1945 e Germans (1891). Escreveu ainda obras
sobre história cultural alemã e publicou Wars,
Politics and Diplomacy (1966).
[12] Veja-se Christian Gerlach, Sur la Conférence
de Wannsee. De la Décision
d’exterminer les Juifs d’Europe,
Paris, Liana Levi, 1999.
[13] Paul Joseph Goebbels (Rheydt, Renânia, 29-X-1897 –
Berlim, 1-V-1945), nascido numa família católica de classe modesta, foi bolseiro,
o que lhe permitiu estudar em várias universidades, doutorando-se em Filosofia
em Heidelberg, tendo tido aluno de Friedrich Gundolf, um professor judeu que o
deu a conhecer Goethe e Shakespeare. G., devido a uma osteomielite na sua
infância e o seu coxear, não faria serviço militar, sendo um dos raros
dirigentes nazis que não passou pelo exército, não conhecendo a guerra nem a
fraternidade das armas. Ingressa no partido nazi em 1922, sendo conhecido como
“o ratinho doutor”, pois este pequeno homem coxo e de cabelos muito negros nada
tinha a ver com o ariano alto, saudável e de olhos azuis que o nazismo
enaltecia. Próximo da
facção socialista do NSDAP dos irmãos Strasser, Goebbels aproxima-se de Hitler
em 1925, que lhe admira os talentos de orador e o nomeia Gauleiter do partido em Berlim (1926), revelando-se um
propagandista extremamente eficaz das ideias nazis, dirigindo, de 1927 a 1933, o periódico Der Angriff (O Ataque). Eleito deputado do Reichstag, é nomeado chefe da
propaganda do partido para toda a Alemanha, torna-se, com a chegada de Hitler
ao poder, o seu eficaz e dinâmico ministro da Informação popular (Volksaufklärung) e da Propaganda,
empenhando-se em impor o domínio do regime nazi sobre dos meios intelectuais e
artísticos, como no cinema e a radiodifusão, ao serviço do III Reich. Foi um
dos dirigentes dos pogroms e destruições de sinagogas alemãs na Noite de
Cristal (9/10-XI-1938). Durante a guerra, é ainda nomeado “general
plenipotenciário para a guerra total”(Generalbevollmächtiger
für totalen Krieg, Julho de 1944). Fiel entre os mais fiéis, Goebbels ficou
ao lado de Hitler, no Bunker, até ao fim, sendo nomeado pelo Führer, no seu testamento, como
chanceler, com Dönitz como presidente. Depois de ter envenenado sua mulher
Magda e os seis filhos, suicidou-se com um tiro de pistola em 1-V-1945. Há
uma edição dos seus diários em 4 volumes (1923-1945): Journal (1923-1945) Paris, Le Grand
Livre du Mois, 2006, anotado por Pierre Ayçoberry. Veja-se Ralf Georg Reuth, Goebbels, Nova Iorque, San Diego e
Londres, Harcourt Brace & Company, 1993, ilustr., maxime pp.220-250 (“Führer,
comande, nós seguiremos!”).
[14] Leni Riefenstahl (1902- 8-IX-2003), dançarina,
actriz, cineasta, escritora alemã e fotógrafa. Hitler nomeou-a produtora e realizadora
de filmes de propaganda nazi no NSDAP. Depois da guerra, L.R. foi objecto de
três processos de desnazificação, ficando inocentada nos dois primeiros e
definida como “seguidista” no terceiro. A verdade é que ela nunca se filiara no
NSDAP. Após a guerra, publicou ainda dois livros de fotografias de populações
negras, como o volume sobre os Nuba. O seu famoso filme Triunfo da Vontade (1936) era uma produção da UFA, galardoado com
uma série de prémios nacionais e até internacionais, como a medalha de oiro no
Festival de Veneza e o Grand Prix do governo francês no Festival de Paris, como
se fosse possível ver esta grandiosa ode (ou ópera) cinematográfica como uma
mera forma de arte ou de documentário, desprendida de qualquer intuito de
apologia do nazismo que ela efectivamente sublimava e exaltava, proeza que a
antiga actriz falhada repetiria com o também empolgante documentário Olympia, dedicado aos jogos olímpicos de
Berlim de 1936, apoteótica celebração fílmica da sagração aclamatória de todo
um povo em torno do seu chefe absoluto, como durante a grande reunião do NSDAP
em Nuremberga, em Setembro de 1934. Veja-se: -Erwin Leiser, Nazi Cinema, Londres, Secker &
Warburg, 1974. -, L. Riefenstahl, Leni
Riefenstahl: A Memoir, Nova Iorque, Saintt-Martin’s Press, 1993.
[15] Veja-se I.Kershaw, Hitler. 1936-1945. Nemesis, 2000, vol.II da biografia de H., v.g. pp.13-35, 198, 227 e 229. Sobre o
conhecimento que H. tinha do assassinato em massa da população judaica, vide pp.520-23.
[17] Veja-se: -Anthony
Road e David Fischer, Kristallnacht. The
Nazi Night of Terror, N. Iorque,
Randam House, 1989, ilustr. - Corinne Chaponnaire e Annette Wiervioka, Les Quatre Coups de la Nuit de Cristal, Paris, Novembre de 1942. L’Affaire
Grynspan-von Rath, Paris, Éditions Albin Michel, 2015.
[18] Veja-se: -Philippe
Burrin, Hitler et les Juifs. Genèse d’un
Génocide, Paris, Éditions du Seuil,
1995, maxime pp.9-19, 151-176 e
184-5. -Ph. Burrin, Ressentiment et
Apocalypse. Essai sur l’ antisémitisme nazi, Paris, Éditions du Seuil,
2007, maxime pp.43-66 (“Judeofobia e
identidade nazi”). –Robert Wistrich, Hitler
e o Holocausto. História breve, Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, maxime pp.3-29 (“O anti-semitismo e os
judeus”) e “De Weimar a Hitler”(pp.33-63), “A solução final”(pp.97-127) e “A
modernidade e e o genocídio nazi”pp.231-260).-Raul Hilberg, The Destruction of the European Jews,
Chicago, Quadrangle Books, 1967. –David Cesarani, Becoming Eichmann, Rethinking the Life, Crimes and Trial of a “Desk
Murderer”, N. Iorque, Da Capo Press, 2004,ilustr., maxime pp.237-323 (o julgamento de A.E. em Israel, em 1961 e
execução em 1962). –Hannah Arendt, Eichmann
à Jérusalem. Rapport sur la “Banalité du Mal”, Paris, Gallimard, 1966, maxime pp.302-3 (a “normalidade” de E. e
de outros grandes criminosos e carrascos nazis que actuavam com a boa
consciência de quem cumpria ordens, como obedientes funcionários que eram
“terrivelmente normais”) e pp.98-127 (a “solução final: o assassínio”).
[19] Veja-se Eugen Kogon (Munique, 2-II-1902-1988), L´État SS. Le Système des Camps de
Concentration allemands, Paris, Édtions du Seuil, 1970, maxime p.363 e ss (os Alemães e os
campos de concentração). O historiador Eugen Kogon, cristão, democrata e
europeísta convicto, foi membro da resistência católica na Áustria, sendo preso
pela Gestapo em 1936 e de novo em 1938, e condenado ao internamento no campo de
concentração de Buchenwald (1939
a 1945), publicando em 1946 a sua conhecida obra
sobre o sistema dos campos geridos pela SS. Seria, depois da guerra, jornalista
e um dos fundadores do Partido Democrata Cristão no Hesse, militando por um
entendimento entre católicos, protestantes e judeus, além de ser firme defensor
do ideal duma Europa unida. Ensinou na Universidade de Darmstadt, tornando-se,
em1951, professor catedrático de Ciências Políticas, aposentando-se em 1968.
Recebeu em 1982 o Prémio Cultural do Hesse. Sobre a SS veja-se ainda Heinz
Höhne, The Order os the Death’s Head,
N. Iorque, Ballantine Books, 1983, maxime
pp.332 e ss, 367 e ss, 400-53. Veja-s ainda Edouard Husson, “Nous pouvons vivre sans les Juifs.”
Novembre 1941. Quand et commment
ils décidèrent de la
Solution Finale , Partis, Le Grand Livre du Mois, 2005,
[20] Os Protocolos
dos Sábios de Sião constituem uma das mais famosas falsificações, sendo uma
adaptação dum panfleto francês contra Napoleão III, de 1864, que a Okrana, a
polícia secreta russa, editou em 1900-1901, distribuindo-o pelos jornais, como
sendo 24 capítulos dum registo atribuído aos membros dum governo secreto judeu,
os Sábios de Sião, que teria planeado nos finais do séc. XIX – na altura em que
se reunia, em 1897, em Basileia, o primeiro congresso sionista –, o domínio
sobre o mundo, texto tomado pelos anti-semitas europeus como prova de que a
“judiaria internacional” planeava essa conquista. Na altura dos famosos pogroms
de Kichinev (1903), um jornal russo publicara um resumo desses Protocolos. Em 1907, Serge Nilus faria
uma versão ampliada do texto, que foi traduzido em várias línguas, inclusive em
português, em 1923: sobre esta tradução lusa dos Planos da Autrocracia judaica. Protocolos dos Sábios de Sião,
Porto, Livraria Portuguesa de Joaquim Maria da Costa, 1923, veja-se o nosso
estudo António Sardinha, anti-semita,
separata da revista A Cidade,
Portalegre, 1989, pp.45-122, maxime
pp.85-86. Veja-se Norman Cohn, Histoire
d’un Mythe. La “conspiration juive” et les Protocoles des Sages de Sion,
Paris, Gallimard, 1967. Hitler foi informado da existência desta brochura,
traduzida em alemão em 1920, graças a Alfred Rosenberg (que a reeditaria mais
tarde) e Dietrich Eckart, referindo-se-lhe no Mein Kampf, considerando-se “um aluno dos Sábios de Sião”, escrevendo ainda: “Nos Protocolos dos Sábios de Sião, tão odiado pelos judeus,
demonstra-se de forma incomparável como toda a existência deste povo assenta
numa mentira permanente.”(M.K./A minha
Luta, vol. I, p.389). O facto é que 33 edições dos Protocolos foram publicadas na Alemanha antes de Hitler tomar o
poder. Na Suíça, um tribunal de Berna comprovou que o panfleto era uma completa
falsificação, embora já em 1921 o The
Times londrino declarara o folheto uma falsidade grosseira. O industrial
americano Henry Ford (1863-1947), que editara os Protocolos nos E.U.A., acabaria por desistir desse projecto a
partir dum acção que lhe foi movida na justiça. Durante os 12 anos do III Reich
alemão, esta falsificação foi recomendada para leitura nas escolas. H.Arendt
observa que “a ficção duma longínqua dominação mundial constitui a base da
ilusão dum futuro domínio mundial”(O
Sistema totalitário, Lisboa, D. Quixote. 1978, p.455). Na sua
autobiografia, Karl Jaspers lembra que uma vez falara com Heidegger sobre os Protocolos: “Eu falei-lhe da questão
judaica, da estúpida insensatez sobre os Sábios de Sião, ao que ele me
repondeu: «Há todavia uma perigosa associação internacional dos judeus»”, K.J.,
Philosophische Autobiographie, 1977,
citada por Peter Tawny no seu Heidegger
et l’Antisémitisme. Sur les “Cahiers noirs”, Paris, Seuil, 2014, p.72. Esta
obra sublinha o patente anti-semitismo do filósofo Martin Heidegger
(Messkiersch, Baden, 26-IX-1889 – Frisburg em Brisgau, 26-V-1976), que sucedera
ao filósofo judeu Edmund Husserl na cátedra de Freiburg (1928). Católico,
filiado no partido nazi, M. H. aceitaria ser reitor dessa universidade em 1933,
falando, no seu discurso inaugural nesse cargo, da “glória e da grandeza da
revolução de 1933” .
Recentemente editaram-se os seus inéditos, os póstumos Caderno Negros, manuscritos entre 1930 e 1970, 34 cadernos de capa
negra com reflexões de M.H., sobretudo entre 1938 e 1941, deixando o autor
expresso querer que fossem editados como o final da sua obra. A edição destes Cadernos…, é dirigida por Peter Tawny.
Sobre M.H. e o nazismo, veja-se Victor Farias, Heidegger et le Nazisme, Paris, Verdier, 1987.
[21] Sobre A. Rosenberg, assim como o M.K., veja-se o cit. estudo de E.Vermneil, Les Doctrinaires de la Réolution allemande, pp.193-249.
[22] H. Rauschning, Hitler
disse-me, Lisboa, Livraria Clássica Editora, 1940, pp.251 e 254. Sobre o
anti-semitismo de Hitler, veja-se sobretudo o vol.I do M.K./A minha Luta, pp.370-412. A ideia de que alemães e judeus são dois povos eleitos esteve, provavelmente, na
base do perturbador livro de meta-história de George Steiner (nasc. em 1929), El Traslado de A.H. a San Cristobal, Barcelona, Ultramar Editores, 1985, maxime p.80 e ss (os judeus), 160 e ss
(judeus e alemães) e 207-208 (“Um só Israel, um só Volk, um só chefe. Moisés,
Josué, os reis ungidos (…).” Nesta obra intrigante de meta-história, Hitler é capturado pelo Mossad na selva
amazónica, e enquanto o transportam para um aeroporto donde o levarão para
Israel para este ser julgado, o Führer monologa diante dos seus captores judeus,
explicando que procurou fazer na Alemanha uma réplica, ponto por ponto, à ideia
de povo eleito dos judeus,
transformando o nazismo na exacta cópia
de um povo eleito ariano que intenta superar o povo hebreu. “O meu racismo foi
a paródia do vosso, uma imitação grotesca. O que é um Reich milenar em
comparação com a eternidade de Sião? É possível que eu fosse o falso Messias
que havia de se ensaiar antes. Julgai-me e
julgareis a vós mesmos. Übermenschen
escolhidos!”(p.208). Ron Rosenbaum, no seu estudo Explaining Hitler. Thr Search for the Origins of the Evil (Nova
Iorque, Random House, 1998, pp.207-315) dedica um interessante
estudo/entrevista com G. Steiner sobre The
Portage to San Cristóbal of A.H.).
[23] Veja-se Christian Bernadac (1937-2003), L’Holocaust oublié. Le massacre dês Triganes,
Paris, Éditions Frwnce Empire/Livre de Poche, 1979. Jornalista da TV francesa,
C.B. escreveu diversas obras sobre o holocausto, sendo de destacar esta pelo
facto de nela se examinar o extermínio do povo cigano pelos nazis, cifrado em
cerca de 250.000 ciganos mortos nos territórios europeus conquistados pelo III
Reich, embora também refira que estes foram internados em numerosos campos de
concentração franceses nos meses que precederam o eclodir da segunda guerra
mundial, assim como depois da invasão. O autor lembra que a ausência de língua
escrita deste povo nómada e o facto de o tribunal internacional de Nuremberga
não ter chamado nenhum cigano a depor tivessem transformado o holocausto deste
grupo humano em completo esquecimento, o que constitui mais um forma de
desprezar e humilhar essa comunidade humana tão marginalizada desde há séculos;
cf. maxime pp.28-42 (breve história
do povo cigano), 48-57 (a caminho do genocídio praticado pelos alemães) e
58-191 (antecâmara francesa do genocídio cigano, com cerca de 130.000
internados antes da guerra e posterior envio desse grupo para Auschwitz,
Dachau, Buchenwald, etc.). O Estado francês publicou no Journal Officiel, a 6-IV-1940, instruções dadas aos prefeitos no
sentido de internarem os ciganos (“romanichels”), completadas por um novo diploma de 29-IV-1940
(pp.67-71) antes do armistício com a Alemanha; diplomas posteriores, já durante
o regime de Vichy; ver p.74 e ss; cifras dos ciganos exterminados em toda a
Eruopa, incluindo territórios da URSS: p.63: lista dos campos franceses,
pp.61-2; total de ciganos mortos na
Europa dominada pela Alemanha: 219.700 mortos. Esta obra de C.Bernadac está,
infelizmente, construída e escrita de modo confuso e sem critérios históricos
que a tornem um estudo relevante e, ainda menos, definitivo.
[24] Veja-se Hitler, M.K./A
minha Luta, vol.2, pp.308, num capítulo dedicado precisamente à “Orientação
pata leste ou política de Leste” (pp.304-332), dedicado ao problema da Rússia
no Lebensraum germânico, começando
por afirmar que esta “questão é também a pedra de toque para o jovem movimento
nacional-socialista”(p.304) apostado como está em ter uma política
“racial-nacionalista” , um dos mantras
do seu discurso contra a Rússia que não passaria, no fundo, de um “estado
judaico” (pp.326-7), donde a necessidade absoluta da “luta contra a
bolchevização judaica do mundo (que) exige uma tomada de posição clara em
relação à Rússia soviética”(p.327). Este volume saiu em 1926.
[25] Sobre os diversos genocídios, desde o judeu ao dos
ciganos, veja-se: -Philippe Burrin, Hitler
et les Juifs. Genèse d’ un Génocide, Paris, Éditions du Seuil, 1995, maxime pp.9-19, 151-176 e184-5. -Ph.
Burrin, Ressentiment et Apocalypse. Essai
sur l’antisémitisme nazi, Paris, Éditions du Seuil, 2007, maxime pp.43- 66 (“Judeofobia e
identidade nazi”). –Robert Wistrich, Hitler
e o Holocausto. História breve, Lisboa, Círculo de Leitores, 2004, maxime pp.3-29 (“O anti-semitismo e os
judeus”) e “De Weimar a Hitler”(pp.33-63), “A solução final”(pp.97-127) e “A
modernidade e e o genocídio nazi”pp.231-260).-Raul Hilberg, The Destruction of the European Jews,
Chicago, Quadrangle Books, 1967. - Arno J. Mayer, La “Solution finale” dans l’ Histoire, Paris, La Découverte , 2002,
ambicioso estudo da aplicação da “solução final”, sobretudo desde o intuito de
passar ao anti-semitismo, degradação da cidadania e pogroms da Noite de
Cristal, de 1938, ao extermínio com o começo da guerra (pp.233 e ss). -Goetz
Ally (nasc. em 1947), Why the Germans?
Why the Jews?, N. Iorque, Metropolitan Books, 2014, maxime pp.38-9 (Wagner anti-judeu), pp.46-8 (a hiper-sensibilidade
dos alemães diante das minorias estrangeiras no seu país) e p.65 e ss (a
“questão judaica” para os alemães); este livro, de enorme interesse para se
entender a proto-história do anti-semitismo alemão, abre com esta pergunta
essencial, “a questão das questões”: “Porque é que os alemães mataram, seis
milhões de homens, mulheres e crianças que eram culpados apenas de serem
judeus? Como foi isso possível? Como é que um povo civilizado, culturalmente
diverso e produtivo podia lançar esta espécie de energia destrutiva maciça?
“(p. 1); esta obra procura explicar como se engendrou esse ódio colossal que
gerou o holocausto (cf. pp.219-233).
Lembrando que Caim matou Abel por se sentir inferiorizado e injustamente
tratado por Deus, Ally afirma que “o primeiro crime na história da humanidade
nasceu da inveja e do desejo de se sentir igual. O pecado mortal da inveja –
junto com uma crença na felicidade colectiva, ciência moderna e técnicas
específicas de domínio político – é o que tornou possível o crime em massa
sistemático em massa do judeu europeu.”(pp.232-3).–Timothy Snyder, Black Earth. The Holocaust as History
and Warning, Londres, The Bodley
Head, 2015, com mapas, este livro é um panorama globalizante dos massacres de
judeus por toda a Europa ocupada pelo exército alemão, maxime p.1 (Schmitt explicou que “a política resultava não da
história ou de conceitos mas do nosso sentimento de inimizade. Os nossos
inimigos raciais eram escolhidos pela natureza e a nossa tarefa era combatê-los
e matar ou ser mortos”), pp.2-10 (“o
mundo de Hitler”), pp.144-5 (“Durante toda
a carreira de Hitler, Schmitt fornecera um elegante apoio teórico às
acções do Führer, tanto em
po9l+ºitica doméstica como estrangeira, quando
Hitler alterou o Estado alemão e começou a destruir os seus vizinhos.
(…). Não há tal coisa como política doméstica, uma vez que tudo começa com o
confronto com um inimigo estrangeiro escolhido”) e pp.207-225 (Auschwitz como
metonímia para o holocausto como um
todo).
[26] Carl
Schmitt (Plettenberg, Vestefália, 11-VII-1885 – idem, 7-IV-1985), de família católica da região de Eifel, tendo
feito os estudos jurídicos em Berlim, Munique e Estrasburgo, alistou-se em 1916
no exército, casando em nesse ano com uma cidadã da Sérvia (C.S. seria mais
tarde excomungado pela igreja católica por se ter divorciado dela), sendo
depois professor de direito em Bona (1921), Berlim (1926) e Colónia (1933) e, de novo, em Berlim
(1933-1945). Depois do final da guerra, tendo perdido o lugar de docente na
universidade, Schmitt viveria muitos anos ainda, Fez conferências na Espanha
franquista e, em Maio de 1944, veio a Portugal fazer também palestras, sendo
aqui recebido pelo seu amigo Mircea Eliade, antigo membro da Guarda de Ferro
romena, então adido de imprensa da embaixada do ditador Antonescu em Lisboa,
que lhe serviu de guia na visita que fizeram ao Museu da Janelas Verdes (ver M.
Eliade, Diário portugués, trad. esp.,
Barcelona, Editoral Kairós, 2001, pp.123-4) e Les Moissons du Solstice Mémoire II. 1937-1960, Paris, Gallimard,
1988, p.85 (tendo C.S. solicitado a M.Eliade informações sobre Portugal para o
seu livro A Terra e o Mar acerca das
civilizações marítimas, o romeno falou-lhe de Camões e da simbologia aquática,
mas o alemão não se mostrou entusiasmado com Os Lusíadas, que lera numa tradução alemã; no Museu das Janelas
Verdes, C.S. só lhe interessou ver As
Tentações de Santo Antão, já que Bosch era um pintor que então despertava
enorme atenção na Alemanha). Schmitt publicaria umas memórias em 1950, Ex captivitate Salus. Erinnerungen der Zeit
1945.47 (Ex Captivitate
Salus.Memórias do Tempo de 1945
a 47). Há várias traduções francesas e americanas
recentes das suas obras: -Political
Theology: Four Chapters on the Concept of Sovereignty, Cambridge, MIT
Press, 1985.-The Crisis of parliamentary
Democracy, Cambridge, MIT Press, 1985.-Théorie
politique, Paris, Gallimard, 1988. -Parlamentarisme
et Démocratie, Paris, Le Seuil, 1988.-Political
Romanticism, Cambridge, MIT Press, 1986. -La Notion du Politique. Théorie du Partisan, Paris, Flammarion,
1992. –Le Nomos de la Terre, Paris, PUF, 2000. –La Dictature, Paris, Seuil, 2000, The Tyranny of Values, 1996, War/Not
War: A Dilemna, 2004. Entre os seus
admiradores pós-1945 contaram-se figuras como Ernst Jünger, Jacob Taubes, Alexandre
Kojève e Jacques Derrida. Sobre o papel de C.Schmitt no direito nazi, veja-se:
-Edmond Vermeil, Doctrinaires de la Révolution allemande,
ed. cit.,1948, maxime pp.161-3 (C.S.,
diz E.V., prepara a fusão do Estado com
a sociedade, já que a Alemanha é virtualemente um Estado totalitário a que
falta apenas um modo de governo adequado, para se afirma como um verdadeiro Volkstaat). -Paul Gottfried, Carl Schmitt: Politics and Theory, N.
Iorque, Greenwood Press, , 1990.-
F.Neumann, Behemoth, pp.65-7 e 70. -E
M.Broszat, op. cit., pp.178. –K.D.
Bracher, op. cit., pp.232 (“Numerosos
advogados constitucionais alemães, numa proeza de rápida readaptação, tentaram
adaptar-se à realidade do partido único do Estado autoritário numa teoria
sistemática abrangendo todas as componentes do regime. O primeiro de todos a
faze-lo foi o flexível e oportunista Carl Schmitt, o principal professor de
direito internacional e público da Universidade de Berlim”), 241( inclui o nome
de C.S. à cabeça duma lista de juristas
que se prestaram a ajudar a “brutal lei” de 30-VI-1934, chamando-lhe
cinicamente “o Führer protege a
lei”, elogiando o crime em massa como
“justiça do Führer”, “genuína administração da justiça” e “a mais alta lei”
da nova ordem”) e 268.-Yves Charles
Zarka , Un Détail nazi dans la Pensée des lois de
Nuremberg du 15 septembre 1935, Paris, PUF, 2005. –Jean-François Kervéjian,
Que faire de Cartl Schmitt?, Paris,
Gallimard, col. Tel, 2011. –Jean-Pierre Faye,
L´État total selon Carl Schmitt, Paris, Germina, 2013.-Alain Renaut, Les Philosophes politiques contemporains,
vol.V, Paris, Calmann-Lévy, 2001, cap. “Défier
la raison. Le décisionisme de Carl Schmitt”,
pp.150-7, no qual diz que C.S. podia muito bem ter figurado entre oz réus do
Tribunal de Nuremberga, ao que escapou finalmente, em 1947, para viver uma
longa velhice na Vestefália desde 1947 (p.152), observando: “Ultrapassando os
limites de lucidez, C.Schmitt concluiu pela irracionalidade fundamental do
político como tal e pelo seu inevitável abandono do carisma do leader ou do chefe”(p.155), tanto mais
que este decisionismo schmittiano se baseia no critério político da distinção
entre amigo e inimigo, sendo este o que deve ser destruído, pelo que o
decisionismo “abre a apologia da guerra como horizonte inelutável das relações
políticas” (pp.155-6).
[28] Heidegger ingressou no partido nazi na mesma data,
1-V-1933: veja-se o artigo de Jean-Pierre Faye, “Le nazisme et les
intellectuels”, Le Monde,
5-VIII-2013, sobre a ligação de amizade entre três autores: Carl Schmitt
(1888-1985), Ernst Jünger (1895-1998) e Heidegger (1889-1976), “estranho trio
de pensadores”, como diz, lembrando que o primeiro, o jurista, é o criador do
termo “Estado total”, em 23-XI-1932, Estado que se deve atribuir a si mesmo “os
meios do poderio”, lembrando ainda que o Estado de Mussolini se chamava “Stato
totalitario”, devendo o “totale Staat “ hitleriano tomar a feição do Estado
fascista italiano, argumento que teria seduzido a indústria pesada germânica da
altura, a poucas semanas de Hitler ser nomeado chanceler do III Reich. Por seu
turno, Heidegger declararia, em Dezembro de 1933, em Leipzig, que o Führer acabava de “regressar à essência
do Ser”. E em 1935, o filósofo d’O Ser e
o Tempo afirmava que “o verdadeiro e único Führer faz sinal no seu ser para o domínio dos semi-deuses”. Em
1955, aqueles três alemães reuniram-se num seminário e os seus textos seriam
publicados no mesmo volume dali resultante. Jean-Pierre Faye (nasc. em 1925) é
autor do livro Langages totalitaires
(Paris, Hermnann, 1972, reedit. em 2004) e de L´État total selon Carl Schmitt (2013). Quanto ao escritor
nacionalista, romancista e diarista E. Jünger, combatente nas duas guerras
mundiais, recusando, apesar de pertencer ao movimento “nacional revolucionário”
no período da República de Weimar e de frequentar Otto Strasser e Ernst
Nikisch, qualquer participação no regime
nazi, sendo vigiado pela Gestapo desde
1933, retirando-se para o campo em 1936, tendo estado como capitão nas tropas
alemãs na Ocupação da França, entre 1941
e 1944, pertencendo ao estado-maior em Paris, dispondo dum escritório no
Hotel Majestic na capital francesa, mostrando-se francófilo e defensor dum
ideal europeu de reconciliação pós-bélico, recusando, após o fim da guerra,
submeter-se a um processo de “desnazificação” que lhe propuseram as tropas
aliadas, passando a ser na Alemanha uma figura muito controversa, o que não o
impediu de receber o prémio Goethe em
1982 e ser editado na colecção
Pléiade da Gallimard. É autor de Tempestades
de Aço (1920), O Combate como
Experiência interior (1922), O
Trabalhador (1931), Nas Falésias de
Mármore (1939) e de diários cobrindo os anos 1939-1948 e1965-1996.
Publicou-se um volume da sua correspondência com Martin Heidegger. Foi convidado
a jantar no palácio do Eliseu, em 1995, pelo presidente François Mitterrand.
Converteu-se ao catolicismo em 1996, aos 101 anos.
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