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- David, com o Diogo
Vaz Pinto e a Ana Antunes, fundaste a «Criatura». Em que consiste este
projecto?
Quando entrei no projecto já era para se fazer uma
revista de poesia. Mas o motor da iniciativa foi uma ideia do Diogo um bocado
anterior e que, com o tempo, se transformou numa oportunidade para editar uma
revista. Foi aí que eu entrei. Esteve para ser outra coisa, uma revista mais na
área cultural e menos na da produção literária, mas felizmente acabou por se
encaminhar para o que é hoje. O que é? Era na altura (em 2008) e julgo que
continua a ser a única revista que publica única e exclusivamente textos de
poesia. Nasceu no seio da Associação Académica da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, apesar de nenhum de nós os três alguma vez ter
participado no movimento associativo estudantil, e entretanto autonomizou-se e
hoje em dia é um projecto pessoal do Diogo, da Ana e meu. O código genético
também acabou por se alterar um pouco com o tempo. Os primeiros números
centravam-se quase exclusivamente na publicação de novos poetas, os mais
recentes já nem tanto. Aquilo que procuramos para fazer a revista agora
centra-se muito mais nos poemas e muito menos nos seus autores, apesar de
qualquer um dos três directores ter o maior gosto em lançar poetas jovens e inéditos
na Criatura. Para explicar de forma simples como funciona a selecção, pedimos a
um conjunto de autores que nos interessam um número significativo de textos e,
depois, a partir daí, delineamos os conjuntos de cada autor a nosso gosto. Não
fazemos propriamente um trabalho de edição dos textos, mas fazemos, muito
mesmo, um trabalho de edição dos conjuntos.
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- Ao publicarem,
querem ser lidos. Mas a vossa política de nunca fazer segundas edições, já
seguida pela «Averno» do Manuel de Freitas, não contradiz esse propósito? Se os
livros, com tiragens baixas, de 200 ou 300 exemplares, se esgotam, como é
possível depois queixarem-se de que a poesia está a morrer, que é conhecida
apenas por 200 ou 300 pessoas?
Isso não é bem verdade. Em primeiro lugar, a Língua Morta
não tem uma política de nunca fazer segundas edições. Alguns dos livros do
nosso catálogo são segundas edições de obras já anteriormente publicadas, ainda
que noutras editoras ou em edições de autor (o Avulsos, por Causa da Renata Correia Botelho é um exemplo disso).
Posso até acrescentar que um dos próximos livros da Língua Morta será uma
reedição alargada de um dos primeiros do nosso catálogo, editado numa altura em
que os livros ainda eram encadernados à mão em casa do Diogo, num processo
quase todo artesanal.
Depois, tirando casos muito particulares, como o Al
Berto ou o Herberto Helder, até o próprio número de 300 leitores é uma
estimativa muito optimista para qualquer outro poeta. A maioria das tiragens da
Língua Morta são inferiores a esse número e o tempo que, ainda assim, demoram a
esgotar leva-nos a concluir que estas pequenas tiragens vão de encontro ao
universo de leitores. A ideia de que com pequenas tiragens se perdem leitores
de poesia é completamente ridícula. De facto alguns livros da Língua Morta são
uma raridade pelas pequenas tiragens que tiveram, mas a quem interessam
verdadeiramente, para lá das pessoas que já os compraram antes de esgotarem?
Talvez vendêssemos mais uns quantos exemplares se reeditássemos alguns dos
esgotados, mas os custos de reedição dificilmente seriam compensados e, numa
editora que sobrevive graças ao investimento pessoal dos seus editores, mais
vale andar para a frente e ir publicando mais livros e melhores livros, do que
revisitar o catálogo dos esgotados.
E também não é verdade que a poesia esteja a morrer.
Infelizmente, num artigo publicado no Ípsilon fui citado a dizer isso, mas o
que eu disse foi bem diferente, foi que a edição de poesia está a morrer. A
edição de poesia em Portugal corre, maioritariamente, pelas pequenas editoras e
pelas edições de autor. Todos estes projectos ou são encarados numa perspectiva
apenas de curto prazo ou então dependem de um investimento de tempo, energia e
dinheiro que poucas pessoas estão dispostas a fazer e que a longo prazo é
insustentável. Eu e o Diogo perdemos dinheiro com a Língua Morta desde o dia em
que a editora começou, pelo que chamarmos a isto um projecto é até uma
hipérbole. Não sei se todas as pequenas editoras perdem dinheiro a editar
poesia, mas tenho a certeza que a sua subsistência certamente não é fundada na
viabilidade económica. O que está a morrer não é a poesia, isso seria ridículo.
Mas as pequenas editoras não são, para a poesia, uma solução viável. O seu
reino instalado, na poesia portuguesa, não é uma solução, não é uma cura, é
apenas um sintoma de uma grave patologia. Na melhor perspectiva, estas editoras
são paliativos para um animal moribundo o qual, daqui a pouco, será mais
recomendável para o abate que para o tratamento. O espaço em que a Língua Morta
conseguiu crescer – não economicamente, mas em termos de catálogo – é um espaço
que em condições normais nos estaria vedado, porque as grandes editoras
negligenciariam a dois miúdos com menos de trinta anos a publicação de poetas
como o António Barahona ou o Abel Neves. Mas o que acontece é que os grupos
editoriais não querem saber disto, preferem as inanidades do José Luis Peixoto
sobre a Coreia do Norte ou aquele professor de escrita criativa confeccionado
em micro-ondas que é o João Tordo. Dizem que é o que vende, como se esses
grupos editoriais fossem apenas máquinas de satisfação dos desejos dos leitores
e não tivessem qualquer papel na determinação do que vende e não vende.
Concluindo, não se trata da morte da poesia, como a incompetência apocalíptica
de alguns pressagia, mas antes da morte da sua acessibilidade, da morte do seu
circuito eficiente de distribuição que procura permitir que o número de
leitores suplante satisfatoriamente o número de autores.
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- Na tua poesia,
que influências reconheces como mais marcantes?
Esta é daquelas questões em que os escritores se
espalham à grande. Umas vezes parecem presunçosos, outras vezes a coisa
tresanda a falsa modéstia. O mais sincero que posso dizer é que a minha
condição de leitor de poesia antecede a de escritor e provavelmente vai
sobreviver-lhe. Não sei se são propriamente as influências que mais se
reconhecem na poesia, mas eu escrevo porque li T. S. Eliot, Philip Larkin,
Zbigniew Herbert, Robert Frost, Gregory Corso, Sylvia Plath, Gottfried Benn, Georg
Trakl, Else Lasker-Schüler, Paul Celan e é melhor parar aqui com a enumeração.
Ao mesmo tempo, tenho a intuição que há outras coisas que leio, completamente
fora da poesia – ou talvez nem tanto – e que marcam profundamente aquilo que
escrevo. Estou a pensar, por exemplo, nos livros de história e de filosofia
política que leio para os meus trabalhos académicos. Acho que posso ir ao ponto
de dizer que a biografia do Frederico II ou The
King’s Two Bodies do Ernst Kantorowicz influenciam muito aquilo que escrevo.
Não tenho qualquer pudor em dizer que foi através do Kantorowicz que descobri
as peças históricas do Shakespeare – principalmente o Ricardo II – ou através
do Carl Schmitt que me dediquei a ler o Hamlet. Uma pessoa hoje em dia ao dizer
que o Shakespeare ou o Dante são influências corre o risco de ser
ridicularizado, mas reconhecer que um autor desta condição nos anima a escrever
está longe de corresponder a uma comparação entre aquilo que escrevemos e
aquilo que ele escreveu. Grande parte dos autores mais novos escuda-se com
referências do século XXI ou do XX. Foi isso que fiz lá atrás, mas talvez não
haja melhor demonstração de humildade num autor de vinte e tal anos que
perceber que a língua em que escreve é, também, a língua do Shakespeare e do Dante:
não o inglês ou o italiano, mas a poesia. Andamos todos a escrever numa língua
que alguém há séculos atrás, já praticou de uma forma sublime.
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- A terminar:
projectos para o futuro?
A Língua Morta é o meu projecto presente e futuro.
Entrevista de António Araújo
Interessantíssima entrevista, caro A. Araújo, especialmente, como sempre deve ser, creio eu, pela palavra, no caso, do interessantíssimo entrevistado.
ResponderEliminarCaro António Araújo: enviei um "tweet" para a conta do Malomil (como "@Rebolico), mas não sei se o consegue receber. Como posso enviar-lhe um comentário privado? Muito obrigada. Ana Soares
ResponderEliminarCara Ana Soares
EliminarPode mandar para o mail do blogue: malomil.brindes@gmail.com
Cordialmente
António Araújo