domingo, 9 de fevereiro de 2014

As igrejas do Ruanda.

 
 


 

Gilles Peress
Igreja de Nyarubuye, Ruanda, 1994
 
 

 
 Nas colinas da comuna de Nyamata, no Ruanda, durante cerca de um mês, entre Abril e Maio de 1994, foram massacradas cerca de 50.000 pessoas da etnia tutsi, numa população de aproximadamente 59.000. Nos dias 14, 15 e 16 de Abril, 5.000 tutsis foram assassinados na igreja de Nyamata e outros tantos a cerca de vinte quilómetros dali, na igreja de N’tarama. Os massacres foram perpetrados por vizinhos ou milicianos da etnia hutu. Ao chegar ao local, o correspondente da BBC descreveu o que então presenciou:
 
«A primeira coisa era o cheiro. Aproximávamo-nos de uma igreja em Nyamata e o mau cheiro de carne apodrecida foi o primeiro sinal daquilo que iríamos ver. No exterior da igreja, os campos estavam cobertos de corpos, alguns dos quais mutilados, todos em posições contorcidas. Lembro-me de ter de caminhar com cuidado para não tropeçar num dos cadáveres ou numa parte de um corpo. Não contei os mortos porque o que vi no interior da igreja tornava impossível qualquer contagem fidedigna. Através da ténue luz azul que vinha de uma janela partida, vi o chão coberto de corpos. Eram certamente várias centenas as vítimas do genocídio que se encontravam no interior e em redor da igreja de Nyamata. Algumas tinham sido mortas à catanada, mas as crateras abertas nas paredes de tijolo da igreja mostravam que tinham sido lançadas granadas sobre a multidão antes de os assassinos entrarem para acabar o trabalho. Era claro, pelo inusitado número de cadáveres, que as vítimas se tinham reunido ali por julgarem que a igreja lhes daria abrigo. No chão da igreja, além dos corpos, havia pequenas pilhas de roupa. Eram os restos dos pertences daqueles que fugiram de suas casas julgando que assim teriam melhores hipóteses de escapar ao genocídio» [1].
 

 
A igreja de Nyamata era o único edifício moderno da povoação, que foi seriamente danificado pelos ataques que culminaram no genocídio dos tutsis. A Santa Sé já teve o projecto de restaurar a igreja e reabri-la ao culto, mas os habitantes de Nyamata decidiram conservá-la naquele estado, construindo no seu interior um memorial evocativo da tragédia do Ruanda (o Memorial de Kigali foi alvo de um ataque com uma granada em 2008).
VVVVVUma catástrofe que Jean Hatzfeld reconstituiu a partir de testemunhos orais das vítimas, como Cassius Niyonsaba, um estudante de doze anos: «No dia em que a matança começou em Nyamata, na rua do mercado grande, corremos para a igreja paroquial. Já lá estava muita gente, porque os ruandeses têm o costume de se refugiar nas casas de Deus quando os massacres começam. O tempo deu-nos dois dias de tranquilidade, depois os militares e os polícias vieram fazer uma ronda à volta da igreja, e gritavam que íamos todos ser mortos. Lembro-me que tínhamos medo de respirar e de falar. Os interahamwe [2] chegaram antes do meio-dia; vinham a dançar e a cantar, lançaram granadas, arrancaram as grades dos portões e entraram na igreja e começaram a ceifar as pessoas com as catanas e as lanças. Traziam folhas de mandioca na cabeça, gritavam muito, riam às gargalhadas. Batiam com toda a força, ceifavam a eito. As pessoas que não estavam cobertas com o seu sangue estavam cobertas com o sangue dos outros, metia medo. Então, começaram a morrer sem dizer nada. Havia muito barulho e também um grande silêncio. A meio da tarde, os interahamwe queimaram crianças à porta da igreja. Vi-as com estes olhos a torcerem-se, ainda vivas. Cheirava muito a carne, e a petróleo. (...). Os interahamwe terminaram o massacre na igreja em dois dias; depois, foram atrás de nós para o mato, com mocas e catanas (...). Na igreja, vi que a maldade pode ocupar o lugar da delicadeza no coração de um homem mais depressa do que a chuva em dia de tempestade. E isso preocupa-me e desnorteia-me. (...) Quando for grande, deixo de ir à missa. Nunca mais entro numa igreja» [3].
VVVVVFrancine Niyitegeka, de vinte e cinco anos: «(...) fomos refugiar-nos na igreja de N'tarama, porque eles nunca se tinham atrevido a matar as famílias nas igrejas. Esperámos durante cinco dias. Havia outros tutsis que iam chegando, já éramos uma grande multidão. Quando o ataque começou, o barulho era tanto que era impossível compreender todas as peripécias do massacre, mas eu reconheci muitas caras de vizinhos, que não se cansavam de matar» [4]. Um pastor de catorze anos: «os interahamwe andaram durante três ou quatro dais no mato, à volta da igreja [de N'tarama]. Uma manhã, entraram em grupo, atrás dos militares e dos polícias municipais. Puseram-se a correr e começaram a matar as pessoas, dentro e fora da igreja. Os que eram massacrados morriam sem dizer uma palavra. À noite (...) formavam-se grupos de conhecidos. Grupos de vizinhos. Grupos de jovens. Ao princípio, formavam-se pequenos grupos para rezar. Havia até pessoas que não costumavam rezar e que pareciam aliviadas por acreditarem, apesar de tudo, numa coisa qualquer que não viam, mas, pouco depois, perdiam a força ou a fé, ou esqueciam-se, e já ninguém pensava em rezar» [5]. Alguns tentaram refugiar-se nas missões católicas: «dia após dia, íamos sendo cada vez mais, e já quase não nos podíamos mexer», diz um professor de sessenta anos. A saída dos padres brancos do país foi um elemento decisivo para o aumento da intensidade dos massacres. «Se até Deus mostrava que se tinha esquecido de nós, por que é que os brancos se iriam lembrar?», questiona aquele professor. Outro professor, mais jovem, recusou refugiar-se na igreja: «As mulheres, as crianças e os mais fracos encaminharam-se para a igreja. Pensei: "O caso mudou de figura. Na igreja, também vai haver mortes, de certeza, e eu não quero morrer numa igreja". Foi por isso que passei o dia a correr sem destino. (...) Do alto de Kayumba, no dia do massacre na igreja, ouvimos granadas e vimos fumo. A minha mulher e o meu filho tinham-se refugiado na igreja» [6]
VVVVV«Quando esses interahamwe atacaram a igreja de Nyamata, formou-se uma pequena multidão à volta deles, a ver a matança. Ouvia-se o barulho das pancadas, os incitamentos, ouvia-se o medo dos que iam ser mortos; via-se jovens a empurrar-se para roubarem o que pertencia aos mortos ou pilharem os aposentos dos padres» (Christine Nyiransabimana, 22 anos, camponesa) [7]. Uma outra camponesa recorda: «Descemos (...) em cortejo militar até à igreja de N'tarama, porque pensávamos que os cristãos respeitam os lugares de culto. Esperámos três dias que os espíritos acalmassem. Julgávamos que não tardaria muito a regressarmos aos nossos campos, mas, dessa vez, os interahamwe apareceram. Formou-se um círculo de rapazes, no pequeno bosque da igreja; depois, começaram a esburacar as paredes com granadas e entraram a cantar. Primeiro, pensámos que estavam malucos. Vinham com catanas, machados e lanças, e gritavam: "Chegámos, chegámos, agora ides ver como se faz carne de tutsi"» [8]..
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Gilles Peress
Igreja de Nyarubuye, Ruanda, 1994

 

A recordação do genocídio não fez desaparecer o sentimento religioso de muitos: «às vezes, vou rezar a uma igreja, porque tive a oportunidade de ser baptizada. Já só peço uma coisa a Deus: que me ajude a não ser má com aqueles que nos fizeram todo este mal. Mais nada, a sério. Não quero saborear a vingança», diz uma camponesa de vinte e um anos [9]. Alguns chegaram mesmo a aproximar-se da religião: «não sei como, comecei a rezar. Comecei muito timidamente e fui à igreja, cantei salmos, primeiro baixinho, depois a plenos pulmões. Ouvi o chamamento de Deus porque era ele que ia apoiar-me no futuro. É verdade. Compreendi que antigamente era demasiado egoísta e ingénua», afirma uma professora de trinta e quatro anos, que, de facto, não ganhou ilusões: «o genocídio não vai desaparecer do espírito das pessoas. (...). Quanto a mim, encontrei refúgio na igreja, porque já não sabia onde poderia ter esperança. Na igreja, encontro-me com hutus e tutsis que rezam lado a lado. Continuo a dar-me com bons amigos hutus. Sei que nem todos os hutus que mataram com aquela calma toda podem ser sinceros quando pedem perdão, mesmo ao Senhor» [10].
NNNoutro local, em Kibuye, o prefeito organizou os massacres, concentrando as pessoas na igreja e no estádio, dizendo-lhes que aí estariam mais seguras. Duas semanas depois, os refugiados nesses locais foram mortos pela polícia e pelas milícias. Os atacantes atiraram primeiro uma granada para o meio de centenas de pessoas reunidas no interior da igreja; depois dispararam tiros para assustar ou ferir as pessoas. Em seguida, entraram na igreja, um edifício construído na década de sessenta por padres belgas, através das portas duplas de madeira na parte da frente. Usando machetes e catanas, começaram a matar todas os que se encontravam ao seu alcance. Na igreja e nas terras circundantes foram mortas cerca de quatro mil pessoas, posteriormente enterradas em valas comuns [11].]
VVVVVUma antropóloga que trabalhou como técnica forense do Tribunal Penal Internacional das Nações Unidas para o Ruanda recorda a impressão que teve ao entrar na igreja de Kibuye: «estranhamente, o que mais me afectou, mais do que os esqueletos, foram as ensanguentadas marcas de sangue (mãos pequeninas) nos aposentos do padre, os cortes de machetes nas portas exteriores, os salpicos de sangue nos tectos - nos tectos - das antecâmaras da igreja, o corte de machete ao meio da estátua da Virgem Maria de Barro e na extremidade inferior de um anjo pousado no parapeito da janela» [12]. Também esteve em N'tarama e relata assim a sua experiência: «Quando me aproximei da igreja não sabia o que esperar, mas os guardas do portão indicaram-nos por gestos que fôssemos directamente para as aberturas das janelas e portas e olhássemos para dentro. Vi bancos sem costas exactamente como os da igreja de Kibuye, mas estes estavam cobertos com os restos mortais mumificados e em decomposição de muitas pessoas, as roupas coladas ou pendendo e tudo como que a derreter-se para o chão entre os bancos. Era difícil ver onde acabavam os corpos e começava o chão. Era difícil ver o chão em absoluto» [13]. Em N'tarama, o refúgio na igreja e na escola locais não salvou a vida aos tutsis. Alguns tentaram fugir para as margens do rio. Aí, os interahamwe ordenaram-lhes que se suicidassem, atirando-se ao Nyabarongo. Em desespero, e para evitar uma morte mais dolorosa à catanada, muitos obedeceram e afogaram-se, incluindo mães que carregavam bebés às costas. Sabendo o tipo de morte que os aguardava, pais atiraram os filhos aos rios, num derradeiro gesto de amor [14]. A busca de asilo em igrejas foi muito comum, mas ineficaz [15]. Am Nyarubuye, onde foram mortas cerca de três mil pessoas, Fergal Keane encontrou cadáveres por todo o lado, especialmente na igreja, onde um dos mortos tinha os braços levantados em defesa contra os golpes de catana. Na escola local, deparou com várias crianças decapitadas [16].
 
 
 
 

Gilles Peress
Nyarubuye, Ruanda, 1994
 
  
           
            Gilles Peress
            Nyarubuye, Ruanda, 1994
            Magnum Photos
           
                     
           Gilles Peress
           Nyarubuye, Ruanda, 1994
           Magnum Photos

         

 
No seu périplo pelo Ruanda, Jean Hatzfeld conseguiu entrevistar os autores dos massacres. Jovens como Adalbert Munzigura, que aos vinte e três anos passou de chefe do grupo coral da igreja de Kibungo a chefe das milícias assassinas em Kibungo, ou Léopord Twagirayezu, que afirma que as milícias de Muyange e de Karambo se reuniam no adro na igreja pentecostal de Maranyundo para daí partirem à caça dos tutsis. Ou Fulgence Bunani: «Para começar, parti a cabeça de uma velhota com uma cacetada. Mas, como ela já estava estendida no chão, meio agonizante, não senti que empunhara a morte. Voltei para casa sem pensar mais nisso. No dia seguinte, retalhei vivos, de pé. Foi no dia do massacre da igreja, um dia muito especial, portanto. Por causa do burburinho, recordo-me que comecei a ferir sem olhar a quem, ao acaso da confusão, se assim posso dizer. Mexíamo-nos mal por causa dos atropelos, e chocávamos nos cotovelos uns dos outros» [17]. De novo, Adalbert: «não me lembro dos detalhes exactos sobre a primeira pessoa que matei com a catana. Estava a ajudar na acção da igreja; distribuí grandes golpes, toquei em muitas pessoas, senti o esforço, não a morte; no meio da confusão, não havia desgraças pessoais. Razão pela qual, para mim, a verdadeira primeira vez, a que valeu uma recordação durável, foi quando matei duas crianças, a 17 de Abril» [18].
VVVVVEm Nyamata, as freiras suíças, ao serem evacuadas para um local seguro, pediram para serem acompanhadas pelas suas colegas tutsis, o que foi negado. «Obviamente, pouco depois as irmãs tutsis foram retalhadas tal como os outros» [19]. Ao regressarem do massacre na igreja de Nyamata, os chefes das milícias organizaram uma recepção calorosa aos heróis do dia. «Davam-se tiros para o ar, ressoavam apitos e instrumentos musicais do mesmo género». O burgomestre ofereceu as quarenta vacas mais gordas que as crianças haviam reunido nesse dia, que tinham sido dos tutsis, e o burgomestre Bernard ofereceu as quarenta mais gordas aos interahamwe, em sinal de agradecimento pela obra feita. «Passámos a noite a abatê-las, a cantar e a conversar sobre as promessas que nos trariam os dias seguintes. Foi a festa mais empolgante» [20]. No massacre da igreja de Nyamata, segundo se diz, crianças foram queimadas com gasolina, ainda que Alphonse Hitiyaremye, um dos matadores, não se recorde bem do episódio: «Salvar os recém-nascidos não era praticável. Eram abatidos contra as paredes ou contra as árvores, ou directamente retalhados. Mas eram mortos mais rapidamente, por causa das suas pequenas dimensões e porque o sofrimento deles não tinha utilidade nenhuma. Disse-se que na igreja de Nyamata se queimaram crianças com gasolina, se calhar é verdade, mas foi um pequeno número e na confusão do primeiro dia» [21].
Que pensariam de Deus aqueles que queimavam crianças? Prossigamos o relato de Hatzfeld:

 
«ADALBERT: No sábado que se seguiu à queda do avião [do Presidente Juvénal Habyarimana], havia ensaio de rotina do coro, na igreja de Kibungo. Entoámos cânticos, em bom entendimento com os nossos compatriotas tutsis, as nossas vozes juntaram-se no canto. No domingo de manhã voltámos, para a missa, à hora habitual; eles não vieram. Já tinham fugido para as matas, com medo das represálias. Tinham conduzido à sua frente as vacas e as cabras. Isso frus­trou-nos imensamente, sobretudo por ser num domingo. A có­lera empurrou-nos para a porta da igreja. Deixámos o Senhor e as orações no interior, e arrepiámos caminho para nossas casas, a passos largos. Trocámos a roupa de domingo pela roupa do campo, agarrámos nas catanas e nas mocas. Partimos directa­mente para as matanças. Nos pântanos, fui nomeado chefe das matanças, porque eu estava sempre a mandar. Nos campos de refugiados do Congo, passou-se o mesmo. Na prisão, fui nomeado chefe carismático porque cantava intensamente. As aleluias davam-me prazer. Sentia-me feliz balançado pelas estrofes alegres. Amava sem desfalecimentos o amor de Deus. Um dia, enquanto entoava um cântico a plenos pulmões, senti o embaraço de me alegrar com aquelas palavras religiosas, sem pensar no que tinha feito aos mortos. Olhei para todos os colegas que rezavam, vestidos com o uniforme de prisioneiros. Pensei: Perdoamos àqueles que nos ofenderam na terra como no céu e aldrabamos tudo o que fizemos nos pântanos. E pen­sei: os nossos cânticos elevam-se, tão sonoros, que devem ser ouvidos fora da prisão. Todas aquelas bênçãos prometidas no Livro aos homens de boa vontade, atormentaram-me, porque eu não era um homem de boa vontade. Eis porque aceitei começar a confessar um pouco, primeiro a Deus, em seguida às autoridades; e é por isso que aceitei falar convosco.
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ALPHONSE: Na quinta-feira, quando entrámos na igreja de N'tarama, as pessoas estavam agachadas na penumbra. Os feri­dos visíveis entre os bancos; os válidos escondidos debaixo dos bancos; os mortos nos corredores, até aos pés do altar. Só nós é que fazíamos barulho. Eles esperavam a morte, na calma da igreja. Para nós já não tinha importância encontrarmo-nos na casa de Deus. Vociferá­mos, gracejámos, ordenámos, insultámos. Verificámos pessoa por pessoa, inspeccionando as caras, para acabar com toda a gente, conscienciosamente. Se tivéssemos dúvidas sobre a agonia de uma vítima, arrastávamos o corpo para fora, para o inspeccio­nar à luz do dia. Eu tinha sido baptizado na religião católica, com sinceridade, mas sentia que era preferível não rezar de forma tradicional durante as matanças. Não havia nada a pedir Deus quanto a estas porcarias. No entanto, para conseguir dormir em certas noites, não pude evitar prostrar-me às escondidas e atenuar, em tímidos perdões, medos tenebrosos.
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PANCRACE: Os homens não foram criados por Deus todos da mesma maneira. Há matadores de bom coração, que acei­tam confessar. Há matadores de coração duro, que alimentam o ódio no silêncio. Esses são os mais perigosos porque a fé não lhes adoça o coração. Não faltam a nenhuma sessão religiosa de ocupação dos tempos livres. Lançam-se alegremente em ora­ções e cânticos, não descuram nenhuma mímica religiosa, tais como fazer o sinal da cruz, ou cair de joelhos. Mostram-se dota­dos para a religião, mas no seu foro íntimo sabem que têm de recomeçar a matar. Vão ter paciência até à próxima oportunidade.

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FULGENCE: Eu era o acólito, controlava as assembleias de cristãos na colina de Kibungo. Na ausência do padre, era eu quem oficiava no serviço religioso normal. Durante as matanças, escolhi não rezar a Deus. Adivinhava que não podia misturá-lo com aquilo. Foi uma escolha que se impôs naturalmente. Todavia, quando de noite o medo me apertava o coração, por ter morto demais durante o dia, pedia a Deus, como um favor pessoal, que me permitisse parar uns dias. Deus tinha-nos preservado do genocídio até à queda do avião do presidente, depois disso deixou Satã ganhar a partida. Eis o meu ponto de vista. E porque foi Satã quem nos empur­rou para esta situação, só Deus nos poderá julgar e punir. Não os homens, que são ultrapassados pelo poder desses dois; de qualquer forma, é uma situação sobrenatural. Eu sei que só Deus pode compreender o que fizemos. Só Ele conhece os pormenores, só Ele sabe quem manchou as mãos e quem não o fez. E quanto a estes, a conta é rápida de fazer.
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IGNACE: Os padres brancos tinham fugido logo a seguir às primeiras escaramuças. Os padres negros tinham-se tornado ou em matadores ou em mortos. Deus mantinha-se em silên­cio e as igrejas empestavam com os cadáveres que tínhamos deixado lá dentro. Nas nossas actividades não havia lugar para a religião. Por um curto período de tempo deixáramos de ser cristãos normais, tínhamos de esquecer os deveres aprendidos no catecismo. Tínhamos de obedecer, em primeiro lugar, aos chefes. E só depois, a Deus. Muito mais tarde, quando o traba­lho tivesse terminado, íamo-nos confessar e fazer penitência.
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PANCRACE: Nos pantanais, cristãos piedosos transforma­ram-se em assassinos ferozes. Na prisão, assassinos ferocíssimos transformaram-se em cristãos piedosíssimos. Mas também há cristãos piedosos que se transformaram em matadores tímidos, e matadores tímidos que se transformaram em cristãos muito piedosos. Tudo isto se passou sem uma razão visível. Cada um satis­fez a sua fé à sua maneira, sem nenhuma orientação especial, porque os padres tinham partido, ou aderido à acção. Em todo o caso, a religião adaptou-se a estas mudanças de crença.
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ÉLIE: Deus e Satã surgem fortemente contrastantes na Bíblia e nos sermões do padre. O primeiro brilha, de branco e dourado, o segundo aparece de negro e vermelho. Mas nos pântanos as cores eram as habituais em todos os pantanais enlameados e cheios de folhas apodrecidas. Era como se Deus e Satã se tivessem combinado para nos baralhar a visão. Quero dizer que nos estávamos nas tintas para um e para o outro. Uma vez, descobrimos no meio dos papiros um pequeno grupo de Tutsis. Esperavam os golpes de catana, rezando. Não suplicavam, não nos pediam que os poupássemos, nem sequer que lhes evitássemos sofrimentos. Não se dirigiam a nós, nem pareciam dirigir-se ao céu. Cantavam e rezavam entre si. Troçá­mos, rimo-nos dos amen, provocámo-los falando da bondade do Senhor, gozámos com o paraíso que os esperava. Tudo isso ainda nos excitou mais. Agora, a recordação dessas orações aperta-me o coração.
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PIO: Nos pântanos não se ouvia um grito de criança, nem sequer murmúrios. Elas esperavam na lama, em silêncio. Era uma coisa estranha. Quando desencantávamos uma mulher com uma criança pequena, ela não pronunciava uma só palavra de medo. Era milagroso, se assim posso dizer. Numerosos Tutsis já não pediam piedade, acolhiam a morte todos juntos, simplesmente. Já não esperavam nada, sabiam-se privados de qualquer esperança de misericórdia, e partiam sem uma oração. Sabiam-se abandonados por todos, mesmo por Deus. Já nem se dirigiam a Ele. Partiam entre sofrimentos para junto Dele e já não Lhe pediam nada, nem conforto, nem bên­çãos, nem boas-vindas. Nem sequer rezavam para afastar o medo de uma morte terrível. Era surpreendente demais, era sobrenatural! Até os animais, que não sabem o que é a piedade, o sofrimento, o Mal, soltam gritos terríveis no momento do golpe fatal. Discutíamos muito sobre este mistério. Procurávamos expli­cações para estes Tutsis que partiam para a morte sem romper o silêncio. Em algumas ocasiões aquilo metia-nos medo, sobre­tudo de noite, pois dizia-se que a calma desta gente devia ser algum mau augúrio divino.
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JOSEPH-DÉSIRÉ: Eu nasci Hutu e não fui eu que o escolhi, foi Deus. Massacrei Tutsis, depois os Tutsis mataram Hutus. Perdi tudo, salvo, até agora, a vida. Não reconheço a minha própria existência no meio deste caos. Só Deus pode ainda encontrá-la, protegê-la e guiá-la. No fundo, onde está Ele no meio de tudo isto? Há alguns que mataram e que aproveitam a vida nas colinas ou numa moradia no estrangeiro, outros que mataram e que andam a penar no pátio dos condenados à morte. Por que é que Deus dirigiu uns para um destino bem-aventurado e outros, para as provações e sofrimentos? Eu não sei. Encontro-me aqui, no pur­gatório da prisão, mas continuo a respirar graças à vontade de Deus. Acima de tudo, tenho medo da minha pena capital. Todos temos medo de morrer antes de chegar o nosso dia, porque somos humanos. É por isso que escolhi confiar o meu destino a Deus. Só Ele podia ter parado um genocídio, só Ele pode compreender-me daqui em diante, só Ele pode salvar-me a vida. Nenhum ser humano pode intrometer-se entre mim e Deus. É nisto que quero acreditar doravante.
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LÉOPORD: Tínhamos deixado de considerar os Tutsis como seres humanos, ou sequer como criaturas de Deus. Tínhamos deixado de considerar o mundo tal como ele é, ou seja, como uma emanação da vontade de Deus. Razão pela qual nos era fácil suprimi-los. Razão pela qual aqueles de entre nós que rezavam às escondidas, o faziam por si próprios, nunca pelas vítimas. Rezavam para pedir um pouco de esquecimento para os seus crimes, ou que lhes fosse con­cedido algum perdão, e de manhã voltavam para os pantanais. De qualquer maneira, era mais do que proibido pronunciar uma palavra benévola sobre os Tutsis, dirigida a Deus ou não importa a quem. Mesmo depois de mortos, mesmo por um recém-nascido. Nem sequer um padre devia aproveitar a sua relação privilegiada com Deus para rezar por alma de um Tutsi. Era demasiado arriscado, alguém podia ouvi-lo.
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VVVVVJEAN-BAPTISTE: Só os cães e os animais selvagens se aven­turavam a entrar na igreja que empestava a matadouro. A nós, quando passávamos perto da igreja, a caminho dos pântanos ou de Kanzenze, aquele fedor ainda nos afastava mais da leitura dos Evangelhos. Na verdade, o tempo não convidava a que nos preocupás­semos com Deus, e fizemos-lhe a vontade. No fundo, sabíamos que Cristo não estava do nosso lado nesta empresa, mas como Ele não dizia nada pela boca dos seus padres, isso bastava-nos.
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VVVVVÉLIE: Todas as pessoas importantes viraram as costas às nos­sas matanças. Os capacetes azuis, os Belgas, os chefes brancos, os presidentes negros, o pessoal humanitário e os operadores de câmara internacionais, os bispos e os padres, e finalmente até Deus. Será que Ele observou o que se estava a passar nos pântanos? Por que não fez surgir a sua cólera ante os nossos olhos de assassinos? Ou por que não lançou o mínimo sinal de reprovação para salvar mais pessoas? Quem podia ouvir o Seu silêncio naqueles momentos terríveis? Tínhamos sido abando­nados sem uma palavra de censura. Aos domingos de manhã, os emissores de rádio já não passavam missas, como dantes. Mas espalhavam boatos enco­rajadores trazidos pelos senhores importantes que chegavam de Kigali. Às vezes ouviam-se na rádio cânticos e corais. Eram cassetes sem sermões; mas pelo menos aquela música religiosa contentava os que se sentiam inquietos. Lembrava-lhes os do­mingos normais e fazia-lhes bem.
 

VVVVVJEAN-BAPTISTE: Não podíamos pedir ao tempo nenhuma previsão para um programa tão longo. O tempo mostrava-se benevolente, e só queria que não nos preocupássemos com Deus. Assim, obedecíamos e continuávamos a matar até chegar ao último. Mesmo que o trabalho demorasse por causa das pi­lhagens e da bebida em excesso, não duvidávamos, porque ninguém podia parar de trabalhar. Mas Deus intrometeu-se nas matanças para acelerar a marcha dos inkotanyi [22]. A lição a tirar é que Deus não aceitou uma conclusão definitiva.
 

VVVVVMARIE-CHANTAL: Presentemente, quanto mais os matadores se sentem culpados, mais vão à igreja. Do mesmo modo, quanto mais os sobreviventes se sentem traumatizados, mais vão à igreja. Vítimas e culpados encontram-se ombro a ombro na primeira fila dos que rezam, como se tivessem esquecido tudo. Antes da guerra, a religião não era calorosa, como agora. Actual­mente, muitas pessoas agarram-se às orações e aos cânticos para conseguirem suportar a transformação total da vida. Um grande número dos pregadores contenta-se com esta situação. Mesmo que entre os crentes não haja sentimentos solidários, pelo menos não há sentimentos de ódio nas igrejas. E não há medo, como nas colinas. Quanto menos as pessoas se olham com intenções de enten­dimento e entreajuda, mais olham com amor para as imagens religiosas nas paredes. (...)



VVVVVLÉOPORD: À força de matar muito, de comer muito, de saquear muito, sentíamo-nos de tal modo inchados de importância que não nos ralávamos nada com a presença de Deus. Os que pretendem o contrário são mentirosos. Há alguns que pretendem agora dizer que rezaram orações durante os massacres. Mentem; nunca ninguém ouviu uma Ave-Maria ou outras orações; tentam somente passar à frente dos colegas na fila do arrependimento. Na verdade, pensávamos que doravante podíamos desembaraçar-nos de Deus. A priva é que matávamos mesmo ao domingo, sem sequer reparar em que dia estávamos. Esta é a verdade» [23].







Gilles Peress
Ruanda, 1994
 
 
 

Em Nyamata erguem-se igrejas novas junto aos antigos templos, sempre cheias de fiéis, e, segundo Jean Hatzfeld, nos bancos das igrejas as famílias hutus e tutsis sentam-se lado a lado para ouvir o padre [24]. Mas o espírito nem sempre é de concórdia evangélica: «se os assassinos vêm rezar a Deus, de joelhos nos bancos da igreja, para nos mostrar o seu pesar, eu não posso rezar por eles, nem contra eles. O verdadeiro remorso exprime-se olhos nos olhos, não diante das estátuas dos santos. A minha primeira preocupação não é que eles se sintam em paz», diz um sobrevivente [25]. As antigas igrejas de Nyamata e N'tarama são hoje memoriais que evocam o genocídio dos tutsis [26]. Guardada por um ancião que conhecia muitas das vítimas, a igreja de Nyamata ainda tem nas paredes as marcas do sangue dos tutsis massacrados, além de crateras provocadas por granadas ou tiros de armas de fogo. A decisão de converter a igreja de Nyamata num lugar de memória começou na primeira estação das chuvas. Os restos mortais dos assassinados à volta da igreja, enterrados à pressa pelas milícias hutus, começaram a emergir da terra e a dispersar-se no escoamento das águas pluviais. Cães e gatos bravos já disputavam a posse dos locais. Não existindo recursos para identificar as vítimas, os habitantes de Nyamata pegaram em enxadas e começaram a desenterrar as ossadas e a preservá-las das águas, dentro da igreja. O espaço que outrora não foi capaz de defender os tutsis das catanas dos hutus serve agora de refúgio aos esqueletos de milhares de ruandeses. Numa sacristia abobadada, os corpos enlaçados de uma mãe e do seu filho, ressequidos e mumificados, são uma estátua macabra que evoca a tragédia do Ruanda. O Memorial encontra-se num subterrâneo, nas traseiras da nave. Os esqueletos estão colocados em prateleiras. Na prateleira de cima, mortalhas de alguns cadáveres que chegaram intactos. Na segunda prateleira, repousam os crânios, Na terceira, os esternos, depois as bacias, os fémures. Muitos crânios exibem marcas de fracturas e alguns ainda têm as facas cravadas. O espaço tem sessenta e quatro estantes de quatro prateleiras, albergando as ossadas de cerca de vinte e cinco mil vítimas. A vinte quilómetros dali, na igreja de N'tarama, os corpos das vítimas, aos milhares, foram deixados ao ar livre. Numa primeira fase, os sobreviventes decidiram deixar o local intacto. No interior da igreja, corpos amontoados entre os bancos, debaixo do altar, encostados às paredes, no meio de uma indescritível confusão de objectos, óculos, lençóis, colares, sapatos, chinelas, aventais, livros. O cheiro tornou-se insuportável e a igreja uma ameaça para a saúde pública. Foi então construído um abrigo para albergar os restos mortais das vítimas de N’tarama, que tiveram a ingenuidade de julgar que estariam melhor protegidas no interior de um templo religioso - quando, pelo contrário, foi a concentração das pessoas num só local que facilitou o trabalho dos interahamwe.
VVVVVAlguns visitantes consideram a visão do memorial de N’tarama muito mais perturbadora do que a de Nyamata [27]. Desde logo, porque o número de vítimas, calculado em cerca de 5.000, é praticamente o dobro do registado em Nyamata. E, depois, porque durante muito tempo o local foi deixado intacto, com corpos amontoados, no meio de objectos e utensílios de um quotidiano que não mais regressaria. As duas igrejas estão fechadas ao culto. À sua porta encontram-se guardas que se rendem para receber as inúmeras personalidades e os jornalistas estrangeiros que pretendem visitar os memoriais dos massacres de Nyamata e de N'tarama. Na sua esmagadora maioria, os visitantes são ocidentais, muitos deles procurando compreender-se a si próprios, mais do que à tragédia do Ruanda, na senda daquilo que, com alguma pompa intelectual, um visitante dos despojos já chamou «epistemologia moral» do genocídio [28]. Mais prosaicamente: através da Internet é possível conhecer as melhores condições de transporte e alojamento em Nyamata e N'tarama. Os amantes deste turismo do macabro têm ao seu dispor páginas que, ao lado de fotografias das ossadas e das pilhas de crânios, publicitam voos a baixo custo e reservas de hotéis que podem ser efectuadas on-line a preços especiais [29].  





Andrew Stawicki
Memorial de Nyamata, 2007

 

Foi no Ocidente que se formaram muitos dos intelectuais que, de acordo com várias opiniões, se destacaram no incentivo aos massacres. As elites hutus haviam sido formadas no tempo da dominação colonial, sobretudo quando, em finais da década de cinquenta, a Bélgica começa a sofrer pressões das Nações Unidas, da Igreja Católica e das confissões protestantes no sentido de introduzir a democracia no território, o que obviamente implicou conferir preponderância à etnia hutu, que até aí era subalternizada no acesso aos cargos administrativos, quando, de facto, correspondia a cerca de 85% da população, quer do Ruanda, quer do Burundi. As visitas periódicas de inspectores da ONU ao Ruanda, a par da influência dos católicos progressistas exercida nas escolas e nos sindicatos, favoreceram a maioria hutu. Os jovens hutus que começaram a frequentar a escola e a aceder à Administração foram marcados por uma cultura que via nos tutsis os antigos colonialistas feudais. O ódio anticolonial aos belgas transferiu-se para os tutsis, que passaram a ser vistos como aqueles que, vindos de longe, «roubaram» as propriedades ao «legítimos nativos», que os tutsis designaram «hutus», o que na sua língua significa «escravo» ou «servo». Numa lógica ancestral de «coesão da opressão» [30], os hutus começaram a ver-se a si próprios como os verdadeiros «indígenas», como um povo «proletário» explorado por uma minoria tirânica. A morte de um líder hutu por membros de um movimento juvenil tutsi levou a uma explosão de violência responsável pela morte de centenas de hutus. No entanto, nesse tempo ainda as igrejas eram respeitadas, ao contrário do que sucederia décadas mais tarde. «Em Dezembro desse desgraçado ano [1959], os extremistas bahutus pintavam com um traço as portas das casas dos batutsis, em pleno dia, e, de noite, pegavam-lhes fogo. Por isso, refugiámo-nos com uns vizinhos nas missões católicas, onde, nesse tempo, ninguém se arriscava a incomodar-nos», confidenciou um professor de sessenta anos a Jean Hatzfeld [31]. Os conflitos de 1959 aprofundaram a distância entre as duas etnias: à maneira da época, os hutus viram no massacre dos tutsis uma «gigantesca libertação»; os tutsis, um «catástrofe». Em 1961, os belgas abandonam o território, que ficou praticamente entregue ao controlo dos hutus, o que não evitou a eclosão de novos conflitos, como os distúrbios e assassinatos ocorridos em 1962 entre um movimento paramilitar de juventude integrado por tutsis e sindicalistas católicos de etnia hutu. Em 1973, um golpe militar conduziu o Ruanda para uma ditadura de partido único liderada pelo Presidente Juvénal Habyarimana, sob o lema «Poder Hutu». A economia ressentiu-se: quando Habyarimana tomou o poder, a ajuda externa ao Ruanda correspondia apenas a 5% do PNB do país; em 1991, atingia já os 22%, constituindo 75% do orçamento de um Estado outrora apelidado de «a Suíça africana», que escapara à vaga que em meio século levara à África subsariana 81 golpes militares e 125 tentativas de golpe (à parte um putsch, em 1980, que durou seis horas…). Também do ponto de vista político o Ruanda não dava sinais de estabilidade. Apoiados pelo Presidente Musuveni, do Uganda, os tutsis aí agrupados em torno da Frente Patriótica invadem o Ruanda em 1991, só não conseguindo conquistar o poder nos ataques de 1992 e de 1993 graças ao apoio que a França concedeu ao regime dominado pelos hutus [32], numa atitude de cumplicidade que os actuais dirigentes do Ruanda pretendem sujeitar a um processo judicial. Os acordos de Arusha, de Agosto de 1993 [33], destinados a pacificar a região, não só não resolveram o problema como até o agravaram: ao prever que as Forças Armadas fossem preenchidas numa percentagem de 60% de hutus e de 40% de tutsis da Frente Patriótica do Ruanda, mas numa divisão equitativa de 50% relativamente aos postos superiores de oficiais, impuseram uma regra que os mais fiéis à ideologia do «Poder Hutu» jamais iriam aceitar [34].


Gilles Peress
Goma, Zaire, junto à fronteira com o Ruanda


 
É neste contexto que intervêm as elites intelectuais da etnia hutu, a quem se atribui a responsabilidade pelo início dos massacres [35]. Há quem considere que o genocídio de Abril de 1994 foi cuidadosamente preparado desde, pelo menos 1990 ou meados de 1992 [36] ou, quando muito, desde o início do ano [37]. Mesmo quem rejeita esta interpretação, entendendo que se tratou de um acto improvisado que não tinha o genocídio como prioridade - o que implica ter de explicar o motivo pelo qual em finais de 1993 quinhentas mil catanas foram importadas da China -, reconhece que as elites radicais exerceram um papel crucial no desenrolar dos massacres [38]. «Os responsáveis pelo genocídio no Ruanda não são camponeses pobres e ignorantes; são pessoas instruídas. São os professores, os políticos e os jornalistas que se expatriaram para a Europa para estudarem a Revolução Francesa e as ciências humanas. Os que viajaram, os que são convidados para colóquios e convidaram brancos para jantares nas suas mansões. Os intelectuais que compraram bibliotecas que chegam ao tecto. Não mataram com as suas próprias mãos, mas mandaram outros fazer o trabalho nas colinas», refere um depoimento que Hatzfeld publicou em Na Nudez da Vida [39].
VVVVVNoutra obra, Hatzfeld é peremptório: «a intelligentsia hutu, longe de travar o processo, distinguiu-se maioritariamente na primeira linha dos massacres, a fim de afirmar a sua existência nesta nova era» [40]. Os factos parecem dar-lhe razão. Aquele que foi, muito provavelmente, o principal responsável pela tragédia do Ruanda, o coronel Théoneste Bagasora, era filho de um professor abastado e irmão de um banqueiro. Um dos mais violentos líderes dos interahamwe à escala nacional, George Rutaganda, era filho de um antigo embaixador na Alemanha, que, após se licenciar, trabalhara em programas de apoio ao desenvolvimento até enveredar por uma próspera carreira de importador de cerveja: o seu passado como jogador de râguebi e a facilidade na distribuição de cerveja foram decisivos na sua escolha para a vice-presidência dos interahamwe. Outra personalidade de relevo nas milícias, Shalom Ntahobari, era filho do antigo reitor da Universidade de Butare; a sua mãe, Pauline Ntahobari, exercia funções de Ministra da Família no governo do «Poder Hutu» e costumava assistir aos ataques liderados pelo filho, sendo a primeira mulher a ser acusada no Tribunal Internacional por ordenar e presenciar violações em massa. Em Nyamata, o chefe dos interahamwe era um professor respeitado. Em Kibuye, o prefeito, que ordenou às vítimas que se concentrassem na igreja para melhor se protegerem, era filho do professor da escola local e dirigia o respectivo hospital. Em Butare, a distribuição das armas e a logística dos assassínios em massa foi coordenada por Théodore Sindikubwabo, um médico e conceituado professor de pediatria, antigo titular da pasta da Saúde, que fugiu para o Congo após o genocídio. Antes deste começar, os intelectuais tiveram uma acção decisiva na mobilização das populações e na propaganda de sentimentos de ódio contra os tutsis. Leon Mugusera, um académico com um doutoramento no Canadá que desempenhava funções de liderança no Movimento Revolucionário Nacional para a Democracia, o partido hutu, afirmou que os tutsis, que apelidou de «baratas», eram cúmplices da Frente Patriótica do Ruanda  [41]. Dirigiu-se em especial contra as famílias tutsis que tinham filhos no exterior: «de que estamos à espera para dizimar essas famílias e os que recrutam militantes para a Frente Patriótica do Ruanda? Se o sistema não os persegue, teremos de ser nós a despachar essa escumalha». Diz-se que os tutsis são originários da Etiópia. Nas declarações que proferiu no Canadá, onde se encontrava, e que foram amplamente difundidas através de cassetes por todo o Ruanda, Mugusera exortou a que fossem reenviados para a sua terra, através do rio, o que não passava de uma metáfora para dizer que deveriam ser mortos - de facto, milhares de corpos foram levados pelas águas até à Tanzânia e ao Uganda. Em Butare, sede da universidade nacional, professores publicaram diatribes anti-tutsis, no que eram acompanhados pelos apelos que as rádios populares continuamente faziam para que fossem exterminadas as «baratas». Falando em nome da «democracia» e da «maioria do povo», a Radio Televison Libre des Milles Collines, da propriedade de familiares do Presidente Juvénal Habyarimana, afirmava, sem hesitações: «as sepulturas estão ainda meio-cheias: quem nos ajuda a enchê-las?»; «o país deve estar completamente limpo de tutsis. Não podemos repetir o erro de 1959. As crianças também devem ser mortas» [42]. E se, de facto, muitas crianças foram mortas, tal como a Radio Televison Libre des Milles Collines, mais tarde sinistramente conhecida por «Radio-Machette» [43], exigia, do lado hutu muitas crianças (e mulheres) participaram activamente nos massacres: em 1998, foram presas no Ruanda 4.500 crianças entre os 14 e os 18 anos e 1.200 mulheres sob a acusação de autoria ou cumplicidade no genocídio dos tutsis. Até sacerdotes e freiras contribuíram para os massacres, atraiçoando os tutsis e dizendo-lhes para se refugiarem nas igrejas [44]. No julgamento de Arusha, o pastor Elizaphan Ntakirutimana, dos Adventistas do Sétimo Dia, foi acusado desse crime (um outro pastor dessa confissão salvaria a vida a 105 pessoas) e condenado na pena de dez anos de prisão, tendo o Tribunal considerado como circunstância agravante o facto de se ter servido da qualidade e do prestígio resultantes de ser pastor de uma confissão que muitas das vítimas professavam [45]. Com base no princípio da jurisdição universal, um tribunal belga determinou a prisão de duas freiras beneditinas da etnia hutu, a Irmã Gertrude (Consolata Mukangango) e a Irmã Maria (Julienne Mukabutera), que ofereceram a sua igreja como santuário para centenas de refugiados tutsis, indo de seguida adquirir a gasolina que seria usada para os queimar. As duas beneditinas foram consideradas culpadas da morte de 7.600 pessoas no Convento de Sovu, em Butare, de que a Irmã Gertrude era a madre superiora. Em 17 de Abril de 1994, afluíram ao convento quatro grupos de refugiados: peregrinos, familiares de algumas freiras da etnia tutsi e do pessoal do convento e fugitivos ao massacre. O último grupo, por ordem da Irmã Gertrude, foi transferido para o centro médico adjacente, para não perturbar as actividades do convento, tendo aquela religiosa proibido que os refugiados recebessem alimentos, que o convento possuía armazenados. As duas freiras tinham boas relações com o líder das milícias da região de Butare, que as informou da iminência dos massacres no centro médico situado junto ao convento de Sovu. Este foi efectivamente atacado pelos interahamwe que ordenaram às freiras que trouxessem dois recipientes com gasolina que foi usada para queimar entre 500 a 700 pessoas. Outra freira, a Irmã Kisito, foi verificando na lista que lhe havia sido fornecida pelos interahamwe se as pessoas aí mencionadas tinham sido efectivamente chacinadas. Dois dias depois, o líder das milícias regressou ao convento. As duas freiras disseram-lhe que se queriam ver livres dos refugiados, pois já não tinham mantimentos para os alimentar. Em resultado disso, mais 600 pessoas foram mortas. Tendo permanecido cerca de 30 refugiados no convento, a Irmã Gertrude recusou todos os apelos para os ajudar. A 6 de Maio, foi chamar a polícia e os interahamwe, que massacraram os refugiados ainda vivos. A 1 de Julho de 1994, o convento foi evacuado e as irmãs transferidas para a Bélgica, depois de passarem pelo Zaire e por França. Um tribunal belga aplicar-lhes-ia uma pena de 15 anos de prisão [46]. Há quem não hesite em afirmar peremptoriamente que a Igreja Católica no Ruanda foi cúmplice dos massacres [47], o que talvez não seja um absurdo se pensarmos que o arcebispo de Kigali e Primaz da Igreja ruandesa, Monsenhor Vincent Nsengiyumva, era membro do Comité Central do Movimento Revolucionário Nacional  [48].
VVVVVMais recentemente, um juiz da Audiencia Nacional de Espanha acusou de genocídio quarenta personalidades que ocupam altos cargos militares no Ruanda, imputando-lhes a autoria de milhares de mortes de membros da etnia hutu, entre 1994. Os massacres dos hutus foram denunciados na altura por um padre espanhol, Joaquín Valmajo, que foi sequestrado e desapareceu. Em 2009, a gacaca, uma espécie de tribunal inspirado nas antigas assembleias de aldeões nas quais os sábios resolviam os diferendos, condenou o sacerdote católico Aimé Mategeko, de etnia hutu, pároco de Hanika, no sudoeste do Ruanda, a prisão perpétua – a pena máxima existente no país, desde a abolição da pena de morte em 2007 –, por, em 1994, ter permitido e incitado o massacre de refugiados tutsis abrigados numa paróquia vizinha da sua. Num dos relatos mais impressionantes dos massacres do Ruanda, onde o papel da religião é fulcral, Immaculée Ilibagiza, uma jovem tutsi católica, conta como se salvou graças ao refúgio que a ela e outros foi dado pelo pastor Murinzi, protestante [49]. Por seu turno, o Pe. Servando García e os seus três companheiros maristas encontravam-se num campo de refugiados, e decidiram permanecer ao lado destes quando as Nações Unidas suspenderam a ajuda alimentar de forma a obrigar ao seu regresso ao Ruanda. Os sacerdotes foram torturados barbaramente pelas milícias tutsis, receberam golpes de catanas e, no final, foram lançados a um poço e mortos a tiro. De acordo com o juiz espanhol, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ANCUR), em prol do seu programa de repatriação forçada dos ruandeses, ofereceu aos cidadãos do Zaire uma recompensa de 10 dólares por cada refugiado que conseguissem capturar.




Sebastião Salgado
Orfanato no Zaire, 1994
 



 Desta forma, a ONU contribuiu, nas palavras do magistrado da Audiencia Nacional, para a «caça ao refugiado», com resultados desastrosos. Ao deslocar-se em Dezembro de 1997 ao campo de Tingi-Tingi, a Alta Comissária para os Refugiados, Sadako Ogata, disse aos que aí se albergavam que não podia garantir a sua sobrevivência nem a sua segurança e que só daria protecção aos que aceitassem ser repatriados. Em 26 de Fevereiro de 1998, o campo foi encerrado e destruído. Não foi possível sequer contar o número de mortos.
Apenas a pequena comunidade islâmica parece ter-se mantido completamente à margem dos confrontos [50] em que docentes e alunos chegaram a fornecer às milícias listas de crianças ou adolescentes tutsis para serem mortos. Um professor primário confessou ter morto alguns dos seus pupilos. A destruição de todas as «baratas» tutsis era o desígnio das elites hutus, muitas das quais formadas no Ocidente, praticamente todas alimentadas pelas redes clientelares que distribuíam entre si os fundos de auxílio ao desenvolvimento (tal como, de resto, faziam os tutsis no Burundi e é prática corrente em toda a África). Aquele desígnio quase foi cumprido: calcula-se que em 1959 hajam sido mortas mil pessoas; em 1994, 75% da população tutsi foi dizimada, no mais rápido e completo genocídio que a História alguma vez registou [51]. Infelizmente, o conflito do Ruanda não foi ultrapassado por completo: no início de 2008, os confrontos registados na região leste do Congo entre o exército congolês e o general tutsi dissidente Laurent Nkunda, que em poucos dias fizeram mais de 400.000 refugiados, reacenderam os temores de um novo ataque às populações tutsi [52].
De acordo com a OUA, a ocorrência de um genocídio era «literalmente impensável» e «estava simplesmente para além de qualquer conjectura que tal fosse possível». É necessário referir, a este propósito, que a OUA esteve várias vezes dominada pelos mais bárbaros ditadores africanos, como Mengistu, Barre, Mobutu e Idi Amin e patrocinou a Carta Africana dos Direitos Humanos, cujo preâmbulo não só condena o «neocolonialismo» como o «sionismo» e cujo articulado prescreve o dever de «respeitar sempre os pais e cuidar deles em caso de necessidade». De acordo com um jurista especializado na justiça internacional, o trabalho da comissão encarregada de pôr em prática aquele documento é, no mínimo, caricato. A Comissão escolheu para sua sede a Gâmbia, um país aparentemente estável, mas onde eclodiu um golpe militar poucos meses depois de a Comissão se ter instalado. As sessões decorrem de modo caótico: na reunião de 1996, dois terços dos países sob escrutínio nem sequer compareceram nos trabalhos e os que estiveram presentes verificaram que os seus relatórios nacionais não haviam sido traduzidos, pelo que não puderam ser apreciados. Não foi levada a cabo nenhuma das missões que a Comissão havia planeado: à Nigéria, ao Sudão, ao Ruanda, ao Zaire, à Mauritânia. Alguns membros opuseram-se, com sucesso, a que o trabalho da comissão fosse avaliado por observadores externos com vista à disponibilização de financiamentos vindos da Europa. Entre vários outros, um caso é ilustrativo do modo como a Comissão criada sob a égide da OUA protege os direitos humanos em África: em Junho de 1989, são recebidas acusações graves de violações dos direitos humanos no Zaire. Só nove meses depois a Comissão notificou o Zaire para responder. Durante três anos e meio, o Zaire não ofereceu qualquer resposta, ainda que instado várias vezes a fazê-lo. E, finalmente, em Setembro de 1993, quando enviou uma simples carta à Comissão, o Zaire afirmou que não tinha recebido qualquer comunicação da parte desta. Seis meses depois, a Comissão notificou de novo o Zaire, por carta registada, mas não obteve qualquer resposta. Apenas em Outubro de 1995, a Comissão, respeitosamente, «chamou a atenção» dos chefes de Estado da OUA para o facto de, se acaso os factos alegados em 1989 fossem verdadeiros, então o Zaire poderia ter praticado uma violação da Carta [53]. Mas não apenas a OUA sai descredibilizada dos dramas do Ruanda. Numa altura em que diversos relatórios reportavam a existência de massacres, o Ruanda é eleito pela Assembleia Geral das Nações Unidas como membro do Conselho de Segurança daquela organização. O exército ruandês e as milícias hutus foram treinadas pelos franceses e pelos egípcios, através de um acordo realizado pelo então titular dos Estrangeiros, Boutros-Gali [54] Os oficiais canadianos que lideravam a United Nations Assistance Mission for Rwanda, a força de paz da ONU, alertaram Nova Iorque para os massacres iminentes, mas o então responsável pelas operações de paz, Kofi Annan, recusou o seu pedido de autorização, feito com carácter de urgência, para intervir no terreno. A Administração Clinton, bem como o Governo liderado por John Major, entenderam que não havia motivo para intervir num conflito entre negros («black on black») e o embaixador britânico tudo fez para que os relatórios não mencionassem a palavra «genocídio» [55]. Ao visitar o Ruanda em 1998, Bill Clinton pediu desculpas pela sua actuação negligente [56], mas era tarde demais. O funcionamento desastroso do Tribunal de Arusha não contribuiu, de forma alguma, para melhorar a imagem do papel exercido pela comunidade internacional e pelas organizações supranacionais no conflito do Ruanda [57]. Após um começo promissor, com a condenação a pena perpétua do antigo Primeiro-Ministro Kambanda pelo planeamento do genocídio, o Tribunal foi incapaz de cumprir a sua missão, tendo apenas concluído oito julgamentos até 2001, apesar de possuir um orçamento de dezenas de milhões de dólares, custeados pela ONU. A ideia de que o Tribunal deveria ser «africanizado», na sua composição e no seu funcionamento, foi a principal responsável por aquela letargia, que aproveitou aos culpados. Ainda que o Tribunal tivesse de lidar apenas com os principais orquestradores do genocídio, os autores materiais dos massacres - cerca de 130.000 pessoas - permaneciam presos no Ruanda, beneficiando de melhores condições de vida do que os sobreviventes, os quais chegaram a ameaçar boicotar o Tribunal de Arusha, recusando-se a prestar depoimento. Quando o coronel Théoneste Bagosora, porventura o principal organizador do genocídio, foi levado a julgamento, o Tribunal esteve parado cerca de seis meses apenas para resolver os problemas relacionados com a tradução dos testemunhos e das peças processuais [58]. Muitos julgamentos tiveram desfechos inconclusivos por meras razões de índole processual, logística ou burocrática. Desde aí, muitos responsáveis pelos massacres têm procurado refúgio na África do Sul, que lhes dá guarida alegando não possuir um tratado de extradição com o Ruanda [59]. O funcionamento do Tribunal de Arusha foi o culminar de uma série de episódios que mancharam de forma muito marcada, talvez indelével, a imagem das organizações internacionais, que se revelaram incapazes de prevenir ou punir um genocídio de proporções colossais. Tomando como válido o número de 800.000 vítimas no Ruanda em 1994 - existindo estimativas muito mais elevadas - a taxa diária de mortes foi, pelo menos, cinco vezes superior à verificada nos campos de concentração nazis [60]. Ainda que muitos continuem a atribuir os massacres ao imperialismo neocolonial [61], os pressupostos do discurso anticolonialista (v.g., a culpabilização das potências europeias por uma partilha desastrada de África nos séculos XIX e XX) não têm grande aplicação no caso do Ruanda. As mortes em massa ocorreram num país em que 66% da população era alfabetizada - um ponto que merece ser sublinhado -, e onde não existia uma fractura étnica sedimentada nas práticas sociais ou uma divisão religiosa que justificasse os massacres, ao contrário do que aconteceu no Sudão, onde, ao longo de três décadas, o projecto de criação de um Estado islâmico foi responsável por dois milhões de mortos e quatro milhões de refugiados, a maioria dos quais cristãos ou animistas.


 


Gilles Peress
Ruanda, 1994




Os massacres do Ruanda correspondem ao terceiro maior genocídio praticado desde os anos cinquenta, só sendo ultrapassado pelos casos do Cambodja e do Bangladesh. Mas como a população ruandesa é dez vezes inferior à do Bangladesh, em termos proporcionais e do ponto de vista do seu impacto o genocídio ocorrido no Ruanda só é superado pelo do Cambodja [62]. Estima-se que em 1994, no espaço de cem dias, entre oitocentas mil e um milhão de pessoas tenham sido mortas no Ruanda, o que correspondia a cerca de um décimo da população total do país [63]. É quase fatal a comparação com o Holocausto [64]. Calcula-se que nas primeiras semanas dos massacres se tenha verificado uma média de trezentos homicídios por hora. Estima-se ainda que cerca de 70.000 mulheres foram violadas e que 350.000 crianças testemunharam o assassínio de membros das suas famílias. No Ruanda, foram mortas mais pessoas em igrejas que em qualquer outro local [65].
 
 
 
 
 
 
 
António Araújo
 
 
 
 
 
 
 
 
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[2] Significa «unidade». Nome das milícias extremistas hutus, criadas por iniciativa do Presidente Juvénal Habyarimana, que foram treinadas pelo exército ruandês e, em certos locais, por militares francesas. Acabaram por constituir um corpo de dezenas de milhares de activistas, armados com catanas e armas brancas.
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[3] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida. Relatos dos pântanos do Ruanda. Trad. portuguesa. Lisboa: Editorial Caminho, 2002, pp. 17ss. Id. – A Estratégia dos Antílopes. Trad. portuguesa. Lisboa: Esfera do Caos, 2008.
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[4] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 36.
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[5] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., pp. 49-50.
 
[6] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 90.
 
[7] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 123.
 
[8] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 159.
 
[9] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 178.

[10] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 152.

[11] Cfr. KOFF, Clea - A Linguagem dos Ossos. Entre os mortos no Ruanda, na Bósnia e no Kosovo. Trad. portuguesa. Lisboa: Quetzal Editores, 2006, p. 27.
 
[12] Cfr. KOFF, Clea - A Linguagem dos Ossos..., cit., p. 37.
 
[13]  Cfr. KOFF, Clea - A Linguagem dos Ossos..., cit., p. 94-95.
 
[14] Cfr. GLOVER, Jonathan - Humanity. A moral history of the twentieth century. Nova Haven-Londres: Yale Nota Bene Books, 2001 p. 120.
 
[15] Sobre as igrejas como lugares de refúgio nas matanças do Ruanda, cfr. PETERSON, Scott - Me Against My Brother: at war in Somalia, Sudan and Rwanda. Nova Iorque-Londres: Routledge, 2001, pp. 262-265 e pp. 276-279.
 
[16] Cfr. KEANE, Fergal - A Season of Blood. A Rwandan journey. Londres: Penguin Books, 1995, pp. 68ss.

[17] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas (Relatos). Trad. portuguesa. Lisboa: Gótica, 2004, p. 25.
 
[18] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 28.
 
[19] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 86.
 
[20] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 89.
 
[21] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 125.
 
[22] «Invencível»; nome dado aos rebeldes da Frente Patriótica do Ruanda, de obediência tutsi.
 
[23] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., pp. 134-140.
 
[24] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 175.
 
[25] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 155.
 
[26] Cfr. SMITH, James e RITTNER, Carol - Churches as memorial sites: a photo essay. In Genocide in Rwanda. Complicity of the churches? Dir. de Carol Rittner, John K. Roth e Wendy Whithworth. St. Paul: Paragon House, 2004, pp. 181ss.
 
[27] Cfr. o depoimento da jornalista Anita Srikamerswaran, do Post Gazette, de 24-09-2000, in www.post-gazette.com.
 
[28] Cfr. GOUREVITCH, Philip - We Wish to Inform You that Tomorrow We Will Be Killed with Our Families. Londres: Picador, 1998, pp. 6-7 e p. 19.
 
[29] Cfr. www.travelpod.com/photos/0/Rwanda/Nyamata .
 
[30] Cfr. NEWBURY, Caroline - The Cohesion of Oppression. Citizenship and ethnicity in Rwanda, 1860-1960. Nova Iorque: Columbia University Press, 1988. Sobre os antecedentes do genocídio, cfr. STRAUS, Scott - The Order of Genocide. Race, Power, and War in Rwanda. Nova Iorque: Cornell University Press, 2006, pp. 175ss. Para uma síntese, HUBARD, Mark – África después de la Guerra Fría. La promesa rota de un continente. Trad. castelhana. Barcelona: Ediciones Paidós, 2004, pp. 225ss. GOLDHAGEN, Daniel Jonah – A Pior das Guerras. Genocídio, extermínio e violência no século XX. Trad. portuguesa. Alfragide: Casa das Letras, 2011, passim. Além das recolhas de testemunhos de Jean Hatzfeld, cfr. We Cannot Forget. Interviews of Survivors of the 1994 Genocide in Rwanda. Dir. De Samuel Totten e Rafiki Ubaldo. Chapel Hill: Rutgers University Press, 2011.
 
[31] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 61.
 
[32] Sobre o papel de França no genocídio do Ruanda, numa perspectiva muito crítica, cfr. WALLIS, Andrew - Silent Accomplice. The untold story of France's role in the Rwandan genocide. reimp. Londres: Tauris, 2007. Cfr. ainda KRESSEL, Neil J. - Mass Hate. The global rise of genocide and terror. Boulder: Westview Press, 2002, pp. 227ss.
 
[33] Sobre estes acordos, citados em todas as obras sobre o genocídio no Ruanda, cfr., por ex., MELVERN, Linda - A People Betrayed. The role of the West in Rwanda's genocide. Londres: Zed Books, 2000, pp. 52ss. BERKELEY, Bill - The Graves Are Not Yet Full. Race, tribe and power in the heart of Africa. Nova Iorque: Basic Books, 2001, pp. 246ss.
 
[34] Sobre os antecedentes do conflito, cfr. BERKELEY, Bill - Road to genocide. In The New Killing Fields. Massacre and the politics of intervention. Dir. de Nicolaus Mills e Kira Brunner. Nova Iorque: Basic Books, 2003, pp. 103ss. MELVERN, Linda - A People Betrayed..., cit., pp. 61ss.
 
[35]  Uma comissão independente concluiu, mais recentemente, que foram os extremistas hutus que assassinaram o Presidente ruandês Juvenal Habyarimana, em Abril de 1994, acontecimento que, como se sabe, precipitou os massacres: cfr. El País, de 12-I-2010.
 
[36] Cfr., nesse sentido, DES FORGES, A. - Leave None to Tell the Story. Nova Iorque: Human Rights Watch, 1999, pp. 95ss. PRUNIER, Gérard - The Rwanda Crisis, 1959-94. History of a Genocide. Londres: Hurst, 1995, pp. 168-169. Id. – Africa’s World War. Congo, the Rwandan Genocide and the Making of a Continental Catastrophe. Oxford: Oxford University Press, 2008, passim. Para uma síntese produzida entre nós, cfr. PINTO, Teresa Nogueira – Um genocídio de proximidade. Justiça, poder e sobrevivência no Ruanda. policop. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2010.
 
[37] Cfr. LONGMAN, T. - State, civil society and genocide in Rwanda. In State Conflict and Democracy in Africa. Dir. de R. Joseph. Boulder: Lynne Reinner, 1999, p. 352.
 
[38] Cfr. MANN, Michael - The Dark Side of Democracy. Explaining ethnic cleansing. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 442.
 
[39] Cfr. HATZFELD, Jean - Na Nudez da Vida..., cit., p. 99.
 
[40] Cfr. HATZFELD, Jean - Tempo de Catanas..., cit., p. 65.
 
[41] Cfr. STRAUSS, Scott - The Order of Genocide..., cit., pp. 176ss e pp. 195ss.
 
[42] Sobre o papel fundamental da Radio Televison Libre des Mille Collines, cfr. PETERSON, Scott - Me Against My Brother..., cit., pp. 272-273. MELVERN, Linda - A People Betrayed..., cit., pp. 70ss. FUJII, Lee Ann – Killing Neighbors. Webs of Violence in Rwanda. Nova Iorque: Cornell University Press, 2009, p. 154.
 
[43] Cfr. SCHREIBER, Jean-Philippe - Le génocide des tutsis au Rwanda. In AA.VV. - L'ange exterminateur. Dir. de Jean Gillibert e Perel Wilgowicz. Bruxelas: Éditions Complexe, 1993.
 
[44] Cfr. NEYT, Martin (François) - Two convicted Rwandan nuns. In Genocide in Rwanda. Complicity of the churches?, cit., pp. 251ss, indubitavelmente a obra que analisa de forma mais completa e profunda o envolvimento das várias confissões religiosas, incluindo a católica, nos conflitos do Ruanda, descrevendo a pp. 192-195 e a pp. 188-191 os massacres nas igrejas de Nyamata e de N'tarama, respectivamente.

[45] Cfr. o processo na página oficial na Internet do Tribunal Penal Internacional para o Rwanda: http://69.94.11.53/default.htm
 
[46] Cfr. www.trial-ch.org/en/trial-watch.
 
[47] Cfr. HEUSCH, Luc de - Rwanda: brève histoire d'une folie meurtrière. In AA.VV. - L'ange exterminateur, cit., p. 296.
 
[48] Cfr. REYNTJENS, Filip - L'Afrique des Grands Lacs. Rwanda, Burundi: 1888-1994. Paris: Éditions Karthala, 1994, p. 167.
 
[49] Cfr. ILIBAGIZA, Immaculée – Sobrevivi. A história de uma mulher que sobreviveu ao holocausto ruandês. Trad. portuguesa. Lisboa: Edições Asa, 2009, em esp. pp. 83ss.
 
[50] Cfr., para uma breve referência ao papel dos muçulmanos, KHAN, Shaharyar - The Shallow Graves of Rwanda. Londres: I. B. Tauris, 2000, p. 25.
 
[51] Cfr. MANN, Michael - The Dark Side of Democracy..., cit., p. 430.
 
[52] Notícias mais recentes dão conta de que a ONU se prepara para concluir que existiu, entre outros, um crime de genocídio contra milhares de hutus ruandeses que, em 1996, buscaram refúgio no Congo: cfr. El País, de 28-VIII-2010 e de 2-X-2010.
 
[53] Cfr. ROBERTSON, Geoffrey - Crimes Against Humanity. The struggle for global justice. 2ª ed. Londres: Penguin Books, 2002, pp. 65ss.
 
[54] Sobre o papel de Boutros-Gali neste conflito, cfr. MELVERN, Linda - A People Betrayed..., cit., passim.
 
[55] Cfr. ROBERTSON, Geoffrey - Crimes Against Humanity..., cit., pp. 76-78. Sobre a negação de que se tratava de um genocídio, cfr. PETERSON, Scott - Me Against My Brother..., cit., p. 289.
 
[56] Anos depois, o Presidente francês Nicolas Sarkozy, ao visitar o Memorial sobre o Genocídio do Ruanda, em Kigali, em Fevereiro de 2010, disse: «Em nome do povo francês, inclino-me perante os mortos do genocídio»; referiu ainda que a França cometera «erros de apreciação» ao avaliar a situação no país, mas não emitiu um pedido formal de desculpas ou perdão: cfr. El País, de 26-II-2010.
 
[57] Sobre o julgamento do genocídio do Ruanda, entre tantos outros, cfr. MOGHALU, Kingsley - Rwanda's Genocide. The politics of global justice. Houndmills: Palgrave Macmillan, 2005. DES FORGES, Alison e LONGMAN, Timothy - Legal responses to genocide in Rwanda. In My Neighbor, My Enemy. Justice and community in the aftermath of mass atrocity. Cambridge: Cambridge University Press, 2004, pp. 49ss.
 
[58] Cfr. ROBERTSON, Geoffrey - Crimes Against Humanity..., cit., pp. 340-341. O coronel Bagosora seria condenado à pena de prisão perpétua pelo Tribunal Penal Internacional para o Ruanda em Dezembro de 2008, naquilo que seria qualificado como uma «decisão histórica»: cfr. Público, de 19-XII-2008. Bagosora foi condenado por ter morto, entre outras pessoas, da Primeira-Ministra Agathe Uwilingiyimana e do Presidente do Tribunal Constitucional, Joseph Kavaruganda. Mais recentemente, um professor ruandês, de etnia hutu, Leopold Munyakazi, foi suspenso de uma universidade de Baltimore, o Goucher College, depois de uma equipa da cadeia de televisão NBC, acompanhada de um procurador do Ruanda, ter entrado no campus para o acusar de ter participado directamente no genocídio de 1994: cfr. Público, de 12-II-2009. Pouco depois, o Tribunal Penal Internacional para o Ruanda condenaria o padre Emmanuel Rukundo a uma pena de 25 anos de prisão por ter colaborado com extremistas hutus no rapto de tutsis que procuraram refúgio num seminário: cfr. Público, de 28-II-2009.
 
[59] Cfr. El País, de 9-III-2010, e de 28-VI-2010.
 
[60] Cfr. PRUNIER, Gérard - The Rwanda Crisis..., cit., p. 261.
 
[61] Cfr. FERRO, Marc - Le colonialisme, envers la colonisation. In AA.VV. - Le livre noir du colonialisme. XVIe-XXIe siècle: de l'extermination à la repentance. Paris: Éditions Robert Laffont, 2003, p. 17. Aquando dos massacres dos tutsis pelos hutus em 1963, Bertrand Russell dissera que aqueles eram «os mais horríveis depois do extermínio dos judeus pelos alemães». O que se passaria anos depois seria, quanto ao número de vítimas, infinitamente pior.
 
[62] Cfr. DIAMOND, Jared - Collapse. How societies choose to fail and succeed. Nova Iorque: Viking, 2005, p. 313, que, no entanto, explica o sucedido no Ruanda à luz de uma lógica malthusiana baseda na elevada densidade populacional do país e suas consequências sociais, designadamente no que concerne à distribuição da terra e da riqueza. Sobre a contabilização dos mortos no Cambodja, cfr. a síntese do debate, que tem como limiar mínimo de vítimas 800.000 a um milhão, de COURTOIS, Stéphane et all. - O Livro Negro do Comunismo. Crimes, terror e repressão. Trad. portuguesa. Lisboa: Quetzal Editores, 1998,  pp. 671ss.
 
[63] Cfr. COSTA, Pierantonio e SCALETTARI, Luciano - La lista del console. Ruanda: cento giorni, un milione di morti. Milão: Edizioni San Paolo, 2004.
 
[64] Cfr. LEMARCHAND, René – The Dynamics of Violence in Central Africa. Filadélfia: University of Pennsylvania Press, 2009, pp. 109ss.

[65] Cfr. KOFF, Clea - A Linguagem dos Ossos..., cit., p. 26.


12 comentários:

  1. Obrigado, António. Mais um a merecer divulgação.
    Gabriel Mithá Ribeiro

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    1. Eu é que agradeço as palavras amigas. Este ano assinalam-se os 20 anos dos massacres e irá ser publicada muita coisa. O julgamento de Pascal Simbikangwa, em Paris, já motivou uma excelente reportagem do «L'Express» e há um bom dossiê na revista «L'Histoire».
      Um abraço amigo e grato,
      António

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    2. a bananalização do nº Calcula-se que quem escreveu estas merdas copiou doutro lado qualquer uns números de merde que nas primeiras semanas dos massacres se tenha verificado uma média de trezentos homicídios por hora.....e era na hora de ponta ou também matavam no escuro ....matar 300 por hora da meia-noute às 6 da matina não compensa

      Estima-se ainda que cerca de 70.000 mulheres foram violadas das 400 mil que foram mortas por não corresponderem aos padrões sexuais dos violadores e quantos granjos foram violados? a estatística não diz...
      e que 350.000 crianças testemunharam o assassínio de membros das suas famílias.....e viveram para contar ou estima-se que quinaram também?
      No Ruanda, foram mortas mais pessoas em igrejas que em qualquer outro local ,,,,,,,no campo mataram poucas logo deve ter dado uns 2000 mortos por 250 igrejas
      deviam ser umas catedrais
      se bem me lembro havia muito sítio sem uma única escola quanto mais igreja né

      já agora um anúncio venham prá igreja mata.se mais depressa

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    3. Muito obrigado por este excelente trabalho. Imprescindivel ler. Muito obrigado.

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  2. Absolutamente desconcertante, caro António Araújo!!

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  3. Concordo, caro Justiniano. Mas, pior do que o desconcerto dos factos, não será
    a nossa persistência em ignorá-los?
    Cordialmente,
    António Araújo

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    1. Caro A. Araújo, o mais desconcertante, sinceramente, é que os presumimos! E presumimos com tal persistência e extensão que os relatos aqui colocados nos parecem...quase evidentes!! Surpreendem por não surpreender!! Adivinhamos, inclusive, as confissões e as expressões dos resignados!! Não ignoramos e isso é provavelmente o mais desconcertante!! E saber que se há-de repetir, muito em África, noutros lados também!!
      Um grande bem haja para si

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  4. impressionante texto e desconcertante o número de vezes que a palavra "deus" é usada nos relatos.

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  5. Efectivamente um excelente e desconcertante trabalho, Obrigado

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  6. Impressionante, mais um exemplo da banalização do mal. Conhecia a descrição e as explicações de J. diamond em "Colapso" e vi já há algum tempo um documentário na televisáo (não me lembro qual) a propósito de um francês (?) que estava lá na altura dos massacres e que voltou anos depois, encontrou algumas das pessoas que tinha ajudado a escapar e falou com muitos que tinham assistido aos massacres, todos referiram essa espécie de loucura assassina e a impossibilidade de se lhe opôr fosse de que forma fosse, sendo muitas vezes obrigados a colaborar delatando esconderijos em igrejas e missões. Um horror total.

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  7. É triste, mas ainda não aprendemos com Ruanda, o holocausto,etc...

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  8. Li sobre o assunto pela revista Reader's Digest,isso no longinquo ano de 1994.Mesmo assim chocou me os fatos Jamais imaginaria o quanto foi cruel ,covarde e desumano,esse ato.

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