Adelaide Ferreira
Baby Suicida
1981
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Quando
Maria Adelaide Mengas Matafome Ferreira (n. 1959) cantou a sua imortal Baby Suicida não houve qualquer celeuma. Mas devia ter havido: mesmo para a
época, o videoclip, então chamado «teledisco», era indescritivelmente mau. A cantora Adelaide, muito versada em Durkheim, apelava claramente
ao suicídio altruísta dos seus ouvintes, em especial quando esganiçava aquela voz roqueira no
banco traseiro dum descapotável, pelas curvas sinuosas da Marginal. Mais tarde,
houve celeuma, mas foi em França. Por causa de um livro chamado Suicídio. Modo de Usar, de Claude Guillon e Yves Le Bonniec. Proibiram a
venda a menores, pois ensina as pessoas a matarem-se das mais diversas formas e houve jovens franceses que o praticaram. Por cá, o livro foi traduzido, publicado pela refractária Antígona, tão muito ou tão pouco vendido que até
virou mono. À venda na Wook. Polémica? Nem uma, felizmente. Alteraram o código penal francês e, se
não me engano, nós fomos atrás, criando um novo tipo penal, o crime de
incitamento público ao suicídio. Para um pueblo
de suicidas, como nos caracterizava Unamuno, até somos bastante tranquilos
nestas matérias.
Katy Perry
Prism
2013
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Se
a Adelaide Ferreira não fosse irmã da cantora-causídica drª Mila Ferreira (Maria Emília Mengas Matafome Ferreira) e se tivesse nascido em
1984, em Santa Bárbara, Calif., filha de pastores evangélicos de classe
média-baixa, chamar-se-ia, quase de certeza, Katy Perry. Esta rapariga lançou em finais
do ano passado um álbum chamado Prism, que lá dentro tem uma música chamada
Unconditionally (que em português se podia traduzir por «Irrevogável», mas já
não pode). Apesar de já ter sido visualizado 61.354.054 vezes no YouTube, vamos
portanto visualizá-lo mais uma vez. É que é mesmo um pavor, com um mocho gordo que
nem um texugo a esvoaçar e uma cama a lançar fogo real sobre uma plateia de
gente gira de libré j-p gaultier:
No
clip, que certamente acompanharam até ao fim, há uma cena terminal em que a cantora é
abalroada por um automóvel e, no rescaldo, a viatura-homicida fica mais coberta
de flores do que todos os jardins de Lisboa juntos. O material promocional:
Katy Perry
Unconditionally
2013
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O
resultado é pavoroso e, com desplante, foi lançado há pouco, coisa de finais de
Novembro do ano passado, antes destas chuvadas monstras. Gravado em Londres, o
clip constitui, diz a cantora, um cruzamento entre enamoramento e
atropelamento. «Na verdade, é uma metáfora: quando te apaixonas é como se fosses atingido por um carro», referiu Katy aos jornalistas, em Amesterdão. «Os
meus videoclipes têm sempre uma narrativa e desta vez quis fazer algo diferente».
Até tu, Katy Perry, usas e abusas da palavra «narrativa»?
Deixando
o reino das narrativas, falemos então de uma fotografia – essa, real, sem metáfora
nem graça – do grande repórter mexicano Enrique Metinides ou, para quem prefira
o rigor, Jaralambos Enrique Metinides Tsironides. Nasceu em 1934 e durante mais
de cinquenta anos andou a fotografar acidentes, desastres e tragédias na Cidade
do México, que, por ser uma cidade muito populosa e muito tormentosa, se presta
muito ao tipo de trabalho de Metinides, comparado com o qual o tão celebrado Weegee é,
literalmente, um menino. Para se ter uma ideia: Metinides fotografou a primeira morte quando tinha 12 anos de idade e, ao contrário de Weegee, que esperava pelas informações da polícia para acorrer aos locais do infortúnio, o mexicano voluntariou-se para a Cruz Vermelha, andando nas ambulâncias mesmo na hora do acontecimento. Uma das
imagens mais famosas de Metinides foi captada na Cidade do México, em 1979, no cruzamento da Avenida Capultepec e da Calle de Monterey, e
mostra uma jornalista famosa, Adela Legarreta Rivas, que, saindo de um cabeleireiro, ia a caminho da sessão de lançamento ou de uma conferência de imprensa sobre um
livro da sua autoria. Dois carros colidiram e atropelaram-na, matando-a. Melhor dizendo, foi atropelada por um Datsun branco, que se vê na imagem. A
fotografia impressiona e até é um bocado estúpido da minha parte estar a
descrever porquê: o rapaz da Cruz Vermelha prestes a tapá-la, o sol iluminando o rosto, a mão retorcida e o braço pendente do poste, a aparência cuidada, de festa ou ocasião selecta, com as
unhas pintadas a vivo, a pulseira de oiro, o rosto riscado por dois fios de
sangue, o olhar aberto mas doravante inexpressivo. Uma retrospectiva da sua obra deu a
Metinides o nome perfeito: «The man who saw too much».
Enrique Metinides
Cidade do México
1979
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Daqui
vamos passar para o que eu queria mesmo falar, que é doutra imagem, tirada em
1947 em Nova Iorque por um estudante de fotografia. Foi recriada na capa do álbum
Gilt, saído em 1995 pela banda Machines of Loving Grace. Há quem diga que a imagem do disco de
Katty Perry se inspirou na tal fotografia de 1947, na qual, por sua vez, alguns
encontram semelhanças com a fotografia do mexicano Metinides. Como isto começa a ficar
um pouco ensarilhado, e mete Andy Warhol e até a Christie’s,
vamos devagar. Por hoje, ficamos então por aqui.
(Continua)
Então e o Nick Cave com a Kylie Minogue, "Where the Wild Roses Grow"? É ver o video e a capa do single.
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
EliminarCom o devido respeito, permito-me discordar. A inspiração, nesse caso, é muito baseada no quadro «Ophelia», de Sir John Everett Millais. Aqui, o traço unificador é a presença do automóvel, como tentarei mostrar no próximo «post» (ou «posta») sobre a fotografia de 1947.
Cordialmente, muito grato pelo seu comentário,
António Araújo
O Malomil é o melhor que me acontece no dia a dia. Que luz, que luz.
ResponderEliminarDesculpe só agora responder ao seu comentário. E, verdadeiramente, não sei - ou não consigo - dizer-lhe o que quer que seja. Apenas isto: sou muito ignorante perante a vastidão de tudo quanto há para saber neste mundo. Por isso, escrever estas coisas dá-me muito, muito trabalho. E 99% das vezes saem mal. Tomarei, pois, o seu comentário como um incentivo para que continue a procurar estar à altura das suas palavras, Talvez um dia, quem sabe? Talvez um dia.
EliminarCordialmente, muito grato,
António Araújo