Não é andar em cima do túmulo, mas anda perto. Sei que as pessoas fazem aquilo numa pressa de confortar, num repente de fofura, num
instinto de bondade, mas se deixassem o instinto e usassem a cabeça talvez
chegassem à mesma conclusão que eu: há qualquer coisa de errado nessa mania de
escrever no Facebook de quem acabou de morrer ou de quem já está morto há muito
tempo. Não sei precisar qual é o pecado destes salteadores de murais, mas sinto
que o acto é ofensivo. No mural de famosos ou de anónimo, é coisa que não se
faz.
Se somos íntimos da pessoa, é patético usarmos o
Facebook porque devemos dar as condolências à família no local apropriado. Se
não somos íntimos, é patético fingirmos uma comoção íntima. Porventura, é isto
que me irrita: a banalização das condolências, o comércio de pêsames. “Dar os
sentimentos”, como diziam meus avós, é um acto pessoal e analógico que não deve
entrar no circo virtual. Prestar a última homenagem só pode ser um contacto
corporal e quase secreto. Sim, quase secreto, como a senha do computador. As
condolências são apenas para o ouvido da mãe, mulher, filho ou irmão do
falecido. Não se colocam assim num estendal para centenas ou milhares cuscarem
na net. Dar os sentimentos requer silêncio, e não há silêncio na net. Mesmo com
colunas desligadas.
Mas, se calhar, o pecado está na própria página do
Facebook que continua a existir enquanto o seu proprietário já está na
morgue. É como se o perfil de Facebook fosse um avatar com vida própria e sem
respeito pelo fundador. Sim, há qualquer coisa de errado na perpetuação
do Facebook de quem já morreu. Mais uma vez, percebo o instinto caridoso da
malta que perpetua a página: querem transformar aquele Facebook numa espécie de
mausoléu, querem ter um cemitério à mão de semear. Contudo, se não se importam,
volto a dizer que a morte é um assunto demasiado sério (e analógico) para ficar
tão exposto ao circo virtual. Se querem prestar homenagem ao falecido, desloquem-se
até ao cemitério e coloquem umas flores (analógicas) no túmulo. Eu sei que este
acto não é likável, mas é o único aceitável. Não facebookizem a morte.
Henrique Raposo
Expresso – Diário, 30 de Junho.
por falar em mortos, li algures, que vitor constancio morreu no dia 9 do mês de julho!
ResponderEliminarO Henrique Raposo é quase tão virtuoso (a rima é involuntária) como o seu colega Daniel Oliveira, mas padece da mesma falta de sentido do ridículo, quer-me parecer. Ele não terá também opinião sobre o pauperismo ou o ultramontanismo?Urge publicá-la, não se aguenta esta espera.
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