terça-feira, 1 de julho de 2014

O meu Mundial foi o de 82.

 
 

 
 
 
 
Onde é que eu estava no dia 14 de Junho de 1982?
A data concreta encontrei-a em segundos com a ajuda do Google, mas a memória dos golaços de Sócrates e Éder e de um clássico Brasil-União Soviética perduram até hoje. Digo sempre que o “meu” Mundial de Futebol foi o de 1982. Os da minha geração sabem que não estou a ser original e suspeito que uma das primeiras gravações de vídeo que fiz (ainda em sistema Beta) foi de um resumo do campeonato. E, claro, o Naranjito ajudou bastante.
 


 
E se o España 82 foi o meu primeiro mundial de futebol, a selecção do Brasil de 1982 foi a minha primeira paixão de Verão. Eram os tempos pré-milagre-de-Estugarda. Portugal só tinha ido a um Mundial em 1966 e em minha casa ouvia-se música brasileira e via-se o Jô Soares e telenovelas. Naqueles tempos, um rapaz português de nove anos era presa fácil para a magia do onze treinado por Telé Santana.
 
 
 
 

 
Dream Team (ou quase…): Waldir Peres; Júnior, Luisinho, Oscar e Leandro; Cerezo e Falcão; Éder, Zico e Sócrates; Serginho. (Não me perguntem quem é o senhor em baixo do lado esquerdo).

 
As coisas até não começaram muito bem para o Brasil. É que, certamente para aumentar a emoção, o guarda-redes não era o ponto forte do escrete canarinho e a União Soviética, de Oleg Blokhin e de Dassaev (provavelmente o melhor guarda-redes do Mundial), iniciou a primeira partida a ganhar com um frango de Waldir Peres.
 
Waldir, quê?, Peres - Justa ou injustamente, ficou na minha memória como o pior guarda-redes do España 82.



 
 
Oleg Blokhin - antes e depois do fim do império.
 
A reviravolta só aconteceu na segunda parte com os tais dois golaços de Sócrates e de Éder.

Sócrates -  Conheci este antes do filósofo, um Doutor!

 
 

Éder - Pé canhão, em 82 estoirava balizas e rebentava corações.

 
 
Golo de Éder a 2 minutos do fim contra a URSS, um dos melhores da história dos mundiais.
 
Para além de Sócrates e de Éder, o mítico meio-campo do Brasil era recheado por Toninho Cerezo, Falcão e, claro, Zico. Esta pode não ter sido a melhor equipa de sempre, mas este meio-campo fez vibrar os adeptos de futebol e suspeito que até os mais agnósticos.

 

 
 
 


Toninho Cerezo - Um cromo que sempre me fez lembrar as histórias do Zé Carioca.

 

Falcão - Asas abertas, garras fechadas.
 
Na época seguinte, a sua Roma cairia aos pés do Benfica de Sven Goran Eriksson, mas isso é outra história.
 
 
Zico - Arthur Antunes Coimbra, um predestinado, filho de Seu José Antunes Coimbra, um emigrante português de Tondela.
 
 
Zico em família: com Sr. José Antunes (pai) e Dona Matilde (mãe).
 
 
Liderada pelo génio do 10, Zico, a equipa de Telé Santana exibiu futebol artístico e terminou a primeira fase com três vitórias, 10 golos marcados e 2 sofridos, depois de “despachar” a Escócia de Jock Stein por 4-1 e a imberbe Nova Zelândia por 4-0.
 
 

 
A irreverência dos adeptos escoceses, não chegou para travar o samba brasileiro.

 
Steve Archibald - Um verdadeiro cromo dos anos 80 que jogou
no Aberdeen, Tottenham e Barcelona.
 


Zico - Futebol Arte por terras de Picasso. Sevilha, 23 de Junho de 1982.

 
Picasso -"Futbolista", 1951.
 
 
À entrada para a segunda fase o Brasil era favorito, num grupo que mais parecia um torneio triangular para decidir o campeão do mundo: Argentina (campeã em 1978), Brasil e Itália (sempre a Itália). Os duelos, literalmente ao sol, tiveram lugar em Barcelona.
 


 
Joan Mirò, poster oficial do España 82.

 
O campeão do mundo em título, a Argentina, perdeu os dois primeiros jogos, com a Itália por 2-1 e com o Brasil por 3-1.
 
César Luis Menotti - O treinador, herói nacional de 1978, regressou a Buenos Aires provavelmente de cigarro ao canto da boca, mas sem glória.
 
 



Osvaldo Ardiles - Artista da bola, campeão em 1978,
e estrela no filme Fuga para a Vitória de 1981.
 

 


Diego Armando Maradona – o estrelato estava guardado para daí a quatro anos.
 
 

 
Júnior- o lateral-esquerdo brasileiro marcou um dos três golos contra a Argentina e editou um disco antes do mundial.

 
 
O drama estava marcado para o dia 5 de Julho de 1982. No Estádio Sarriá em Barcelona, defrontaram-se o Brasil e a Itália. Ao Brasil bastava o empate e a Itália, com um apuramento na 1ª fase sofrido (3 empates, 2 golos marcados e dois golos sofridos?!) estava obrigada a vencer.
A minha primeira grande desilusão futebolística da minha vida começou aos 5 minutos quando Paolo Rossi fez o primeiro golo e tomou dimensão de tragédia quanto o jogador da Juventus fez o hat-trick.
 

 
Paolo Rossi - 3 golos contra o Brasil. Herói de Itália, vilão do meu mundial.

 




 

Paolo Rossi- um dos envolvidos no escândalo de apostas “Totonero”,
que em 1980 varreu o futebol italiano.

 
Pelo meio: Sócrates e Falcão empataram para o Brasil; Dino Zoff demonstrou porque era um dos melhores guarda-redes do mundo; Serginho porque era, inexplicavelmente, um dos piores avançados que alguma vez pisou os relvados de um mundial; o árbitro não marcou um penálti cometido sobre Zico por Gentili; Telé Santana começou a construir a fama de pé-frio.
 
Dino Zoff - Aos 40 anos, uma muralha.
 


Serginho - um cepo da pior espécie, à frente do meio-campo maravilha.

 
Claudio Gentili - as entradas implacáveis a Maradona no jogo anterior já tinham causado polémica. A Zico só  rasgou a camisola.

 
 
Telê Santana - regresso a casa sem glória,
nova tragédia marcada para o México 86. Um pé-frio?
 
 
Naquela tarde de Julho de 1982, Deus não foi brasileiro e eu aprendi quão efémera poderia ser uma paixão de Verão.
 
 
Nuno Sampaio
 


 
 
 

Post scriptum  in memoriam

 

Quando fosse grande queria ser jornalista desportivo. Enquanto jogava futebol com outros miúdos simulava relatos, deixava-me levar pela emoção e esquecia a bola. Alguém passava e dizia “faz lembrar o Rui Tovar”. 

O mais perto de ser jornalista desportivo que estive foi no jornal de parede da escola. Nunca fui como ele, não cheguei a ser grande. Mas ele, ele foi como era. Grande profissional, apaixonado, íntegro, inteiro. Sempre uma referência.

Há dois dias, antes de enviar um post ao meu amigo António Araújo para o Malomil sobre o Mundial de 82 lembrei-lhe de lhe ligar. Queria saber se no Mundial de 82 o Rui já comentava os jogos na RTP. No fundo, talvez sentisse que era uma usurpação escrever um apontamento sobre  história do futebol, por modesto e despretensioso que fosse, sem falar com ele.

Respondeu-me prontamente, com o seu timbre de voz inconfundível, e explicou-me que em 82 não tinha ido para Espanha, nem comentava os jogos em directo, mas apresentava um programa com os resumos do Mundial ao fim da noite: “O meu primeiro comentário de um jogo em directo foi em Agosto de 1982, o Sporting de Braga para as competições europeias. Esse programa dos resumos do mundial foi uma espécie de começo na RTP.”

Igual a si próprio, sabedor, modesto e rigoroso.

Vamos ter muitas saudades.

 

 

 

10 comentários:

  1. Faltou dizer que mais tarde o Serginho ainda jogou pelo Marítimo. E o Luisinho pelo Sporting, claro.

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  2. Claramente o teu, o nosso 1º Mundial: a ver na tv, a coleccionar os cromos, a saber os nomes dos jogadores, a fazer grandes "derbies" na escola e na praia, a querermos ser um deles. E, de longe, a selecção canarinha que melhores recordações guardamos. Um luxo!

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  3. Eu que nasci no Brasil estava de volta á terra para ferias(apos 14 anos) e lá assisti a quase todo o mundial.Imaginem o drama o terror como diria o caro Albarram.
    Devo dizer no entanto(talvez por ser mais velho) que a minha seleção é a de 1970.Não por ter ganho mas pelos mesmos motivos que alguns escolhem a de 82.Pelé,Tostão,Rivelino,Jairzinho etc etc

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  4. tinha 12 anos.
    chorei ... chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...chorei ...

    mário

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  5. Boa Nuno Sampaio, grande texto numa onda bem nostálgica. Também tinha 9 anos na altura. Eu lembro-me bem desse Mundial de 82 mas confesso que vibrei mais com o México 86 (apesar da nossa desastrada participação). Fui um late bloomer para o futebol...
    Pedro Carneiro

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  6. Grande Sá! Sem dúvida nenhuma, uma das melhores equipas q vi jogar (tb tenho grandes recordações da Dinamarca de 86, do Larsen). Foi a minha primeira caderneta de Mundiais, q ainda hoje guardo religiosamente!

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  7. Confirmado pelo youtube: o escrete jogava escandalosamente para a bancada na espanha e por isso foi ultrapassado pela itália que nunca está para brincadeiras.

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  8. Este Mundial e o seguinte (1986) foram dos melhores, quanto a mim. Não vi a transmissão do Brasil x Itália por compromissos profissionais mas não estava muito preocupado com isso pois antecipava a vitória fácil do Brasil. Soube a má notícia pela minha Secretária e pensei que estava a brincar... Mas o primeiro Mundial que segui, ainda garoto, pelos jornais (não havia TV) foi o de 1954. Jogos com resultados de 8-3, 7-5, 6-0, 11-0, que nunca mais se viram. E "cracks" como Puskas, Kocsis, Varela, Djalma Santos...

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  9. Regressava do trabalho e ouvi esse jogo Itália-Brasil no receptor do autocarro que transportava os trabalhadores da fábrica para Lisboa. Recordo-me que fui o único que festejou os golos e a vitória dos Italianos. Gostos e simpatias que temos desde pequenos e que se mantêm, muitas vezes sabe-se lá porquê?

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  10. Ainda não tinha lido isto. Muito bom. Foi também o meu primeiro mundial e nunca, mas nunca vi outro assim. Tinha 10 anos e também uma presa fácil para Eder, Sócrates e Zico. Porra mas um gajo via aquilo e saia a correr com uma bola debaixo do braço para os imitar.

    Maldito Rossi. Fez-me odiar para sempre a Itália.

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