Nunca
agradecerei o suficiente ao Rui Passos Rocha (obrigado, obrigado, obrigado!)
ter-me dado a conhecer este livro. Black Like Me, de John Howard Griffin. Antes de mais, o autor. John Howard Griffin (1920-1980) teve uma vida única, espantosa. Com apenas quinze anos já rumava a
França, para estudar no Lycée Descartes, em Tours. Não sabia uma palavra de
francês, mas o medo foi uma palavra que, pelos vistos, nunca se atravessou no
seu caminho. Depois, seguiu-se a Universidade, também Tours, graças a uma
bolsa. Médico, envolveu-se na resistência aos ocupantes nazis, tendo ajudado
muitas e muitas crianças a fugir de uma morte certa. Em 1940, escapou de França
e alistou-se no Exército Americano. Devido às suas extraordinárias capacidades
linguísticas, foi colocado no teatro de guerra do Pacífico, onde viveu cerca de
um ano numa aldeia remota das Ilhas Salomão, sem nenhum branco por perto. Aí
assistiu às atrocidades dos japoneses, tendo sido destacado para Molotai em
1945. Mesmo no final da guerra, um ataque aéreo japonês lança uma bomba sobre a
posição onde Griffin se encontrava. Começou a perder a visão – os médicos
declararam que iria ficar cego no prazo de 18 meses, o que veio a acontecer.
Mas Griffin, é bom sabê-lo, nunca foi homem de desistências. Em 1946 – ou seja,
pouco depois do final da guerra – já está a caminho de Paris, para estudar
música com Nadia Boulanger e Robert Casadeus.
Tendo percebido que não poderia
ser compositor, refugia-se na Abadia de Solesmes, o epicentro monacal da
aprendizagem do canto gregoriano. Em 1947, uma epifania. Converte-se ao
catolicismo e, pouco depois, fica completamente cego. Regressa então a casa de
seus pais, no Texas. Desistiu, entregou os pontos? Nada disso. Escreveu um Handbook for Darkness (1949), guia
prático para os que perderam o dom da vista, ou nunca o tiveram. Começa a
escrever um diário e, de caminho, um romance de 600 páginas, redigido em sete
semanas (!). É em 1951 que se dá a sua conversão definitiva ao catolicismo,
feita enquanto estudava teologia, filosofia e canto gregoriano com o auxílio de
gravações áudio. Em 1957, milagrosamente, recupera a visão. Dois anos depois,
Griffin, que não sabia estar parado, inicia o projecto-livro Black Like Me. Em que consistiu?
Fazer-se passar por negro. Mais: ser
negro. Para isso, graças ao apoio de um dermatologista, começa a ingerir
comprimidos contra o vitiligo e a sujeitar-se a radiações de luz solar
artificial. Aos poucos, a sua pele escureceu, até Griffin se tornar negro.
Começa aí a sua jornada em Nova Orleães, narrada pari passu no livro Black
Like Me – as perturbações iniciais quanto à sua identidade, as confusões e
os equívocos próprios de quem toda a vida fora branco, a aprendizagem do
racismo, na pele e nos hábitos (ir a casas-de-banho para negros, não fazer
alaridos nos autocarros, adoptar uma postura servil e obediente). A aventura
terminou na Primavera de 1961. Griffin regressou ao Texas e publicou o seu
livro – que, como é óbvio, gerou uma tremenda comoção nos espíritos mais
bondosos, levando-os a perceber o que era a condição dos negros no Deep South, mas também reacções
violentas, ameaças, ataques. Griffin chegou a ser fisicamente agredido, mas nem
isso o demoveu de combater ao lado de Luther King e de outros contra a
segregação racial. Deu mais de 1.200 palestras e o livro é um clássico
imperdível, magistral, magnífico e trepidante – e muito obrigado ao Rui Passos
Rocha, mil vezes obrigado, por me ter resgatado da minha ignorância quanto a
uma obra que, senhores editores, de que estais à espera?
António Araújo
Muito interessante. Ja agora, refira-se que a abadia de Solesmes é um dos cenarios das ultimas obras de J. K. Huysmans, nomeadamente de "En route" (1895) e de "L'oblat" (1903), titulos que, salvo erro, ainda aguardam tradução para português.
ResponderEliminarBoas
Uau! Obrigada pela revelação. Entretanto, há uma coisa menos radical que se pode experimentar: maquilhagem para teatro.
ResponderEliminar