domingo, 12 de maio de 2019

António Salles Filho, brasileiro das arábias.

 
 
 
 
         No contexto dos meus estudos para o Ph.D. em Português e Espanhol, na Universidade de Wisconsin, entre o meu primeiro curso de Verão de 1966 e o ano lectivo de 1968-69, um dos meus professores de Filologia Românica, Linguística e Literatura Brasileira foi o Dr. António Salles Filho.
Logo no início da primeira aula do curso avançado de literatura brasileira, no Verão de 1966, o professor fez questão de sublinhar que o nome dele era pura e simplesmente António Salles e não António Salles Filho. É que, apenas chegado à Universidade de Wisconsin, dirigiu-se imediatamente ao Departamento de Espanhol e Português, na Bascom Hall, e, para surpresa sua, viu-se saudado por uma das secretárias com um “good morning, Mr. Filho”.
Nem outra coisa era de esperar, pois, como ele viria a compreender uns dias mais tarde, na América, em termos de tratamento formal, o apelido é rei (apelido à portuguesa, naturalmente, não à brasileira, pois no Brasil apelido significa alcunha). De modo que por mais que ele tentasse explicar à secretária que o Filho ou Neto ou Sobrinho aposto ao apelido de um brasileiro verdadeiramente não constituía apelido, para efeitos de tratamento, chegou à conclusão que era esforço baldado. De maneira que, em vista disso, acabou por declarar em tom maior à secretária e, nela, e por ela, a todo o pessoal do Departamento, que o nome dele, para fins de assuntos oficiais, era António Salles e nada mais. Ponto final. O tratamento que deviam dar-lhe a partir desse momento era pura e simplesmente Mr. Salles. E esse recado taxativo aplicava-se também aos alunos, naturalmente, acentuou ele, com clareza cristalina.
         Tendo acabado de dar-nos esse esclarecimento, o Professor Salles aproveitou para nos contar que o seu apelido de Salles era a tradução para Português do apelido dos seus progenitores. Ao verificar que o seu avoengo, recém-chegado ao Brasil, era de ascendência sírio-libanesa, a pessoa que lhe fez o registo civil numa cidade do estado de Minas Gerais procurou traduzir para português o seu apelido na língua do seu país de origem. E foi assim que sal em sírio-libanês passou para Salles em português.
Dito isto, parece-me oportuno lembrar o que acontecia com certa frequência: ver alunos americanos de pós-graduação em Português, começando por dois dos meus colegas na Universidade de Wisconsin, a referir-se, por exemplo, aos escritores Alexandre Herculano ou Herculano como Araújo, a Camilo Castelo Branco ou Camilo como Branco e a Aquilino Ribeiro ou Aquilino como Ribeiro e a José Lins do Rego ou Lins do Rego como Rego e a Carlos Drummond de Andrade ou Drummond de Andrade como Andrade. E alunos houve que chegaram a teimar com o professor ou com os colegas de origem portuguesa ou brasileira que era assim que se devia fazer, porque essa era a praxe aplicada para com os escritores americanos ou ingleses, os quais, normalmente, eram tratados pelo apelido.
E por falar no carácter bizarro de apelidos brasileiros, vou contar o que me sucedeu por ocasião da minha primeira viagem ao Brasil, nas férias de Natal de 1975.
Fiz essa viagem na qualidade de membro da direcção de uma associação cívica, chamada Companheiros das Américas, uma espécie de réplica e complemento, a nível estadual, da Associação que o Governo Federal do Presidente Kennedy criou para estreitar as relações entre os Estados Unidos e os países da América Central e da América do Sul, chamada Aliança para o Progresso.
Sendo o estado da Paraíba o estado-irmão do estado de Connecticut, o meu destino foi João Pessoa, capital desse estado nordestino. No segundo dia, após a minha chegada, o director dos Companheiros das Américas local, o famoso médico Marco Aurélio, levou-me à residência do Vice-Governador, para me apresentar oficialmente a ele, dada a ausência do Governador em Brasília. E como se chamava o Vice-Governador? – Clemente Terceiro Neto.
Perante apelido tão bizarro, a juntar a tantos Filhos e Netos, para não falar das legiões de Juniores, e perante nomes de pia igualmente bizarros, para mim, naturalmente, oriundo de um país, Portugal, tão pouco dado, no capítulo de nomes e apelidos, a grandes fantasias e invenções, nos tempos de eu menino e moço, não resisti a fazer um breve reparo e a pedir uma espécie de explicação a um professor de filosofia da Universidade Federal da Paraíba, de origem portuguesa, por me sentir mais à vontade, dado o melindre da questão.
Depois da explicação veio o exemplo concreto. Com o que quero dizer que o meu recém-amigo e patrício me contou, entre outros, o caso seguinte. Conhecera ele um brasileiro, paraíbano por sinal, que, no capítulo dos filhos, chegara à conclusão que já tinha atingido o limite tolerável. De maneira que, ao aparecer inesperadamente um filho indesejado, deu-lhe o nome de Último. Quando, passado um ano e tal, surgiu mais um filho, ainda mais indesejado, deu-lhe o nome de Apêndice. E quando, passado mais um ano e tal, lhe surgiu mais um filho indesejado à terceira potência, neste caso uma menina, deu-lhe o nome de ... Fodência.
Mas voltemos ao meu saudoso Prof. António Salles Filho, que era de tal maneira único e peculiar e genuíno e excêntrico, que ele é mil vezes digno de mais espaço.
Dotado de uma memória prodigiosa, de uma formação clássica, humanística, filológica e linguística e de dotes docentes fora do vulgar, as aulas dele sobre filologia românica, sobre linguística e também sobre literatura brasileira eram um verdadeiro espectáculo. As notas que levava para a sala de aula colocava-as sobre a secretária e, durante as aulas, que dava sempre de pé, andando pela sala fora, nunca punha os olhos nelas. Sabia tudo de cor, desde as derivações e transformações e metamorfoses dos vocábulos das línguas românicas, a partir do Grego, do Latim e do Árabe, até aos aspectos mais sofisticados da Linguística de Ferdinand de Saussure, de Charles Bally e de Noam Chomsky. E, mutatis mutandis, o que se diz das suas aulas sobre a história das línguas românicas e da linguística pode aplicar-se ao curso avançado de literatura brasileira.
Mineiro até à medula dos ossos, orgulhava-se de poder declarar alto e bom som, generalizando e exagerando, naturalmente, em minha modesta opinião, que português castiço e vernáculo no Brasil só sabiam escrevê-lo e falá-lo devidamente os mineiros. Assim, quando chegou o dia de nos dar uma aula sobre Rachel  de Queiroz, o Professor Salles passou o tempo a demonstrar-nos a nós, presentes e futuros professores de Português em escolas americanas, sobretudo a nível universitário, que o famoso livro de texto para principiantes, intitulado Modern Portuguese, que o Prof. Fred Ellison, da Universidade de Texas, em Austin, estava a elaborar com a colaboração de Rachel de Queiroz (Salles chamava-lhe, depreciativamente, a Rachelzinha), era uma autêntica fraude. Que Rachel de Queiroz, de Fortaleza, Ceará, aclamada por, com apenas vinte anos de idade, e para mais sendo mulher em terra de machos, ter publicado em 1930 um pequeno romance chamado O Quinze, tinha sido uma péssima escolha. Portanto, ele, António Salles, como nosso professor de Literatura Brasileira, de História da Língua e de Linguística, sentia-se na obrigação de prevenir-nos, provando, por meio de uma análise minuciosa e cruel, de carácter vocabular, gramatical, sintáctico e semântico, que a Rachelzinha não sabia escrever Português. E, dizendo isto, procedeu, sem dó nem piedade, à autópsia demolidora da primeira página de O Quinze.
Uma das coisas que António Salles nos disse mais de uma vez era que os mineiros eram os únicos brasileiros que ainda estudavam grego, latim e os clássicos portugueses e que ainda cantavam as vésperas em Latim e assistiam à missa aos domingos e dias santos de guarda, mas que, em compensação, apanhavam grandes bebedeiras nos fins-de-semana e ficavam de ressaca até segunda-feira. De maneira que nenhum de nós estranhou, baseado nestas informações prévias, quando uma segunda-feira o Prof. Salles entra na sala de aula e declara ex abrupto:
- Se eu cair durante a aula, não se preocupem comigo: não estou doente; estou de ressaca, com a grande bebedeira que apanhei este fim-de-semana. (Jorge de Sena, numa carta a Dante Moreira Leite, de 25 de agosto de 1966, descreve o Salles como “muito competente e óptimo companheiro”, e noutra carta ao mesmo destinatário, de 13 de novembro de 1966, descreve-o como “precioso colega e precioso professor” e amigo “da farra”.)
Como professor de alunos de pós-graduação, uma das preocupações do Prof. Salles era iniciar-nos na pesquisa e ensinar-nos meticulosamente a fazer fichas em vista à escrita dos famigerados papers e das futuras teses de mestrado e de doutoramento. E para isso fazia questão de nos dar uma aula individual no seu apartamento, onde ele tinha, numa ordenação profissionalíssima, dentro de um belo filing cabinet, milhares de fichas relacionadas com a sua futura tese de doutoramento sobre aspectos gramaticais, sintáticos e semânticos da Villa dos Confins de Mário Palmério. Ao trocarmos impressões, entre nós, alunos, sobre essa aula dos seus cursos e seminários, pudemos constatar que ele fazia questão de nos dizer sempre que já podia ter feito a sua tese de doutoramento na Universidade de Estrasburgo, onde fora Leitor de Português, sobre Patrística, em que era especialista, mas que não tivera paciência para aturar a incompetência e a petulância do orientador e que, portanto, tinha decidido mudar de tema.
Nesta ordem de ideias, pouco a pouco, vim a concluir que a tese de doutoramento do Salles era como as obras de Santa Engrácia, por uma razão muito comum ao comum dos espécimes da fauna académica: a procrastinação. Nunca me esqueço de ouvir a Dona Mécia de Sena insistir com o Salles, como se de um filho se tratasse, que acabasse de uma vez por todas com a sua bendita tese de doutoramento: que ele já tinha mais que tempo para saber que, sem o doutoramento, a Universidade de Wisconsin nunca lhe daria o contrato vitalício, por mais que o admirassem e estimassem e o quisessem como professor permanente. A este respeito, recordo de a Dona Mécia me dizer uma vez numa carta, recebida pouco depois da ida, em 1969, da Universidade de Wisconsin para a Universidade de Brasília, que o maroto do Salles a informara que tinha esquecido em Madison as fichas sobre a Villa dos Confins de Mário Palmério. Tudo desculpas sem pés nem cabeça, naturalmente, rematava a Dona Mécia, com toda a razão.     
Além dos louvores e dos louros colhidos como professor, há mais duas facetas em que António Salles se tornou célebre entre a minúscula comunidade luso-brasileira de Madison: a de excelente cozinheiro e a de comediante de alto gabarito. Os dotes de cozinheiro exibia-os, sobretudo, em duas festas: uma universal e outra exclusivamente americana. A primeira era a festa de Natal e a segunda era a festa de Thanksgiving ou de Acção de Graças. Ambas metiam obrigatoriamente peru, a ponto de os luso-americanos chamarem ao Thanksgiving a Festa dos Perus. E ambas eram celebradas em casa da família Sena, que era a mais numerosa e a mais hospitaleira. Os perus, de tamanho descomunal, e escolhidos pelo Salles, levavam dois dias a preparar, mas depois, quando iam para a mesa, pavoneando-se em ricas travessas, artisticamente decoradas, sabiam a comida de anjos.
A segunda faceta do Salles – a de comediante – consistia em requintadas celebrações litúrgicas, de cariz católico. Antigo seminarista, alto, bem apessoado e dotado de uma estupenda voz de tenor, António Salles continuou a viver pelos anos fora uma vida cheia de obsessão pelas funções litúrgicas. Creio bem que os objectos de mais valor em sua posse eram os paramentos litúrgicos para todas as estações do calendário da igreja católica, apostólica e romana. O que significa que tinha manípulos, estolas, túnicas, casulas e pluviários de cor branca, vermelha, verde e roxa e sapatos pretos, de fivela dourada. E tinha, naturalmente, breviário, liber usualis, missal e ritual. Tudo em Latim, claro está. Graças aos Céus, foi isso antes de o Concílio Vaticano II vir a bagunçar uma liturgia secular, acabando praticamente com o uso do Latim na santa missa e nos ofícios sagrados e permitindo que a transcendente, solene e majestosa música do órgão pudesse ser substituída pelos sons irreverentes e mundanais das guitarras elétricas, dos pandeiros e das pandeiretas. Ah! Ia-me esquecendo de dizer que o Salles tinha também um hábito de monge beneditino e um hábito de freira completo, com véu, túnica, cordão e rosário.
Dono de toda essa parafernália, o Salles aproveitava os dias de festa celebrados em casa dos Senas para se vestir de freira – freira altíssima -, aparentando o ar mais devoto deste mundo, a fim de, num tom alambicado, cheio de bis bis, proferir uma breve prece, de mãos postas e de olhos no céu, e depois fazer uma piedosa prédica a uma imaginária comunidade de irmãs religiosas sobre os mais variados mistérios da religião católica, apostólica e romana, abundantemente condimentados com episódios mirabolantes, respigados nas densas páginas dos doze volumes da Flos Sactorum ou Historia das Vidas de Christo e Sua Santíssima Mãe e dos Santos e Suas Festas pelo Padre Diogo do Rosário (Lisboa, 1869), obra que me orgulho de possuir e de visitar com frequência.
Por vezes, para variar, pedia-me para me associar a ele na celebração de um serviço litúrgico, pedido a que eu acedia com a maior satisfação, dado que, tal como ele, também eu tinha recebido ordens menores nas kalendas gregas e tinha cantado ofícios, no meu tempo de seminário. Ambos revestidos com paramentos roxos, pegávamos de um liber usualis e cantávamos, num recolhimento exemplar, como se magicamente tivéssemos voltado ao nosso tempo de seminário, cantávamos, repito, uma missa de requiem, sempre a sublime e tremebunda missa de requiem em gregoriano ou cantochão. Seraficamente embalados e transfigurados pela majestade do canto da ira divina, íamos às vezes pelo meio do Dies Irae, quando Jorge de Sena, como dono de casa, anfitrião e mordomo, dizia autoritariamente: - Salles e Cirurgião, por hoje basta de cantochão, que estas coisas devem tomar-se em pequenas doses, sobretudo tendo em conta a presença de tantas crianças. E o Salles e eu baixávamos a cabecinha, num espírito de obediência de clérigos e religiosos exemplares, saíamos da sala de estar, de mãos postas, e íamos desparamentar-nos a uma sacristia imaginária.    
Celebradas algumas virtudes e excentricidades de António Salles, falemos agora um pouco de um defeito que cai muito mal num professor universitário, defeito que se pode resumir neste adágio, tantas vezes repetido no mundo académico americano: publish or perish (publica ou perece). Esse defeito assentou como uma luva ao António Salles. Ele era alérgico ao calamus, de que fala Santo Agostinho, quando diz que circulus et calamus fecerunt me (a tertúlia e a pena fizeram de mim aquilo que sou). O António Salles, como todos os seus pares, só podia usufruir de contrato vitalício na Universidade de Wisconsin, se fizesse o doutoramento. Mas para fazer o doutoramento tinha de escrever a respectiva tese e vê-la aprovada pela respectiva universidade, a Universidade de Estrasburgo, onde fora Leitor de Português e fizera cursos de pós-graduação, ou por outra universidade que para isso se prestasse e que para tal estivesse oficialmente credenciada. Mas como o tempo de tolerância da Universidade de Wisconsin passou e o Salles não fez a tese de doutoramento, teve de procurar outra universidade que o contratasse para professor. Caiu-lhe em sorte a recém-fundada Universidade de Brasília, para onde foi em 1969, como já se referiu, ensinar Filologia Românica e Linguística, com a competência e o brilhantismo com que tinha ensinado na Universidade de Wisconsin.
Teria a Universidade de Brasília, a respeito do contrato vitalício, as mesmas exigências que tinha a Universidade de Wisconsin e as outras universidades americanas, em geral? Confesso que não sei. Mas posso testemunhar que em 1976, por ocasião do congresso anual da Associação Brasileira para Progresso das Ciências, organizado na Universidade de Brasília, encontrando-me uma noite numa festa dada por António Salles, no seu apartamento de Brasília, ele ainda não tinha feito o seu doutoramento. Em visto disso, um dos vários professores universitários presentes, Celso Cunha, ciente, por experiência própria, dos vastos conhecimentos e das habilitações académicas e dos dotes docentes acima do normal de António Salles e do prestígio de que gozava entre os seus colegas e os seus alunos, interrompe abruptamente a missa de requiem com que o Salles e eu, devidamente paramentados, estávamos a entreter os convidados, e pergunta ao Salles, sem qualquer preâmbulo, em que estado se encontra a sua tese de doutoramento.
Começava o Salles a fugir com o rabo à seringa, aduzindo as mesmas desculpas descabeladas que eu lhe ouvi aduzir várias vezes em casa dos Senas, em Madison, Wisconsin, quando Celso Cunha se volta para um colega da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, e lhe pergunta se pode organizar uma banca dentro de um mês para o Salles ir lá defender a tese de doutoramento. O dito professor, cujo nome não recordo, responde que, infelizmente, tendo sido recentemente feita chefe do Departamento de Português uma senhora não sei quê, muito grilada, não era possível fazer esse jeitinho a Celso Cunha e ao Salles.
Desistiu da empresa o mestre e decano dos gramáticos brasileiros do seu tempo? De maneira nenhuma. Pediu ao Salles que lhe emprestasse o telefone e telefonou naquele mesmo momento a um colega seu (de Celso Cunha) que, por favor, no espaço de um mês, organizasse uma banca na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde Celso Cunha era professor catedrático, que o António Salles ia lá defender a sua tese de doutoramento sobre a A negação e sua expressão sintática em Villa dos Confins, de Mário Palmério, tema em que António Salles andava a trabalhar desde o tempo de professor na Universidade de Wisconsin, ou seja desde havia pelo menos dez anos, tantos quantos durara o cerco de Troia e tantos quantos durara a viagem de regresso de Ulisses a Ítaca, após a conquista de Troia.  
Veio o meu saudoso professor António Salles a defender a eternamente adiada e bendita tese e a obter da Universidade de Brasília o contrato vitalício que todos os que com ele tiveram a sorte de conviver como alunos e como colegas ardentemente desejavam, quem sabe se mais que ele próprio? A esta pergunta posso responder com a informação que o meu colega e amigo David Kenneth Jackson, professor catedrático na Yale University, acaba de me dar: “Tese de doutorado / SALLES FILHO, ANTÔNIO. A negação e sua expressão sintática em Villa dos Confins, de Mário Palmério. 1976. 203 f. Tese (livre docência em Língua Portuguesa). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1976”. Posso também informar que a tese foi publicada em 1980, com o título seguinte: A negação em Villa dos Confins [de Mário Palmério]: sintaxe, semântica, estilística, por Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, RJ. Outrossim posso informar que o Professor Doutor António Salles Filho um belo dia abandonou a Universidade de Brasília e se fez monge e passou a viver, em regime de vida monástica ou cenobítica, no Mosteiro da Ressurreição, da Ordem Beneditina, em Ponta Grossa, Paraná. E mais posso informar que certo dia recebi uma carta da Dona Mécia de Sena, datada de 25 de Abril de 1999, com a cópia em anexo de uma carta que o monge beneditino Antão Salles, OSB [Ordo Sancti Benedicti], que no século se chamara António Salles Filho, lhe tinha escrito, à mão, no dia primeiro de Outubro de 1998, na qual carta lhe dizia, entre outras coisas, o seguinte:
 
“Por falar em biblioteca e em sua viagem a Portugal, ficar-lhe-ia muito grato se me fizesse uns favorzinhos:
1.o – Sondar se a Fundação Gulbenkian poderia nos dar a segunda edição da Patrologia (latina e grega) do Migne. É que estamos imaginando uma pesquisa que seriam fundamentos patrísticos da literatura clássica em Portugal. É trabalho, creio, sobre assunto da maior importância, e, quanto me consta, não foi ainda tratado. Seria uma bênção.
2.o – Sei que o Carlos Alberto (?) Louro da Fonseca, da Universidade de Coimbra, publicou em dois volumes uma obra intitulada Introdução ao Latim que andei folheando de uma pessoa que o trouxe de Portugal. Gostei muito e queria adoptá-lo, pois lecciono Latim no Mosteiro aqui.”
 
Sobre estes pedidos do Irmão Antão Salles, OSB, meu saudoso professor e mestre, diz-me a Dona Mécia o seguinte no primeiro parágrafo da carta referida acima:
“Aqui vai cópia da carta do Salles. Como lhe disse [na conversa telefónica], eu escrevi duas vezes já ao Graça Moura (que agora é director das Bibliotecas na Gulbenkian) que me não respondeu até hoje. Quanto à Introdução ... também o IPLL se mantém mudo e quedo. Aquela gente só poupa no que não deveOxalá possa ajudar nesta cruzada. Obrigadíssima. Vai um papelinho com a morada do Salles, por ele mesmo”.  
Uma das primeiras coisas que fiz, logo que, passadas poucas semanas, cheguei a Portugal, foi dirigir-me à Fundação Calouste Gulbenkian e, com a cópia da carta do Irmão Antão Salles, OSB, na mão, fazer as devidas diligências junto das entidades responsáveis por coisas dessa natureza e rogar-lhes, em nome das humanidades e dos benefícios que poderiam advir para Portugal se o projecto do meu antigo e competentíssimo professor de filologia românica e linguística pudesse vir a materializar-se, que se dignassem fazer a oferta da Patrologia latina e grega de Paul Migne ao digno monge beneditino. Depois de ter andado de Pilatos para Caifás, numa instituição – a Fundação Calouste Gulbenkian – a que eu, carinhosa e gratamente, chamava e continuo a chamar a minha adorada Madrinha, por tanto me ter ajudado financeiramente, pela vida fora, nos meus estudos e nas minhas pesquisas literárias, e nos estudos e pesquisas da mais variada natureza de antigos alunos e colegas meus, por mim recomendados, fui enviado ao director da livraria. Depois de ler a carta do monge Antão Salles, OSB, e de me ouvir atentamente enaltecer os seus dotes extraordinários de scholar em grego, latim, filologia clássica e românica e patrística, perguntou-me, muito cortesmente, se o monge Antão Salles e eu estávamos loucos; se eu não sabia que a segunda edição da Patrologia Latina de Migne tinha 226 (duzentos e vinte e seis) volumes e a Patrologia Grega tinha 162 (cento e sessenta e dois) volumes. Claro que sabia, como também sabia da vocação e da generosidade da Fundação Calouste Gulbenkian – comentei eu, com a maior delicadeza possível, para não irritar os deuses. Mas, infelizmente, foram palavras vãs, lançadas ao vento.
E assim, apesar da melhor boa vontade deste mundo e do outro, por parte da Dona Mécia de Sena e do abaixo-assinado, ficou por satisfazer esse piedoso e sábio desejo do meu saudoso professor, chamado António Salles Filho no século e Dom Antão Salles, OSB, em religião.
 
 
António Cirurgião
 
 

 

 

 

7 comentários:

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  5. Bom dia! Um grande obrigada por este blog!
    Na revista "Caravelle" n°5, 1963(pagina 7, lemos:
    "Conferência pronunciada em maio de 1963 no Institut d'Études Hispaniques, Hispano-Américaines et Luso-Brésiliennes de l'Université de Toulouse, de cuja transcrição se encarregou o Prof. Antonio Salles Filho. A ele vivos agradecimentos."
    Fazendo uma pesquisa sobre os laços entre as academias de Toulouse e o Brasil pergunto-me: Trata-se aqui do mesmo professor que nos é apresentado neste blog? Quais seriam as razões da presença de Antonio Salles por Toulouse en 1963?
    Eu agradeceria imensamente qualquer pista pra encontrar resposta...
    Cordialmente
    Graciêne VERNAY (graciene.vernay@etu.univ-tlse2.fr)

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