O primeiro
académico a publicar um estudo específico foi o Professor auxiliar do Instituto
Superior de Ciências Económicas e Financeira da Universidade Técnica de Lisboa
Armando Gonçalves Pereira, de origem goesa: a)- entendia a designação como mera
tradução do inglês e imprópria, visto que, destinando-se o Acto Colonial a ser
apenas um capítulo da futura Constituição, bastava falar de Bases; b)- a
publicação fora inoportuna porque, afinal, nada resolvia nem inovava; c)- o seu
aspecto nacionalista devia ser considerado; d)- a natureza constitucional do
Acto tinha vantagens e inconvenientes e era mesmo «o aspecto mais delicado do
Decreto»[1].
O Professor da Escola Superior Colonial José
Gonçalo de Santa Rita distinguiu os objectivos políticos de ordem interna e os
de ordem externa. Quanto aos primeiros estavam em causa: i)- a unificação
administrativa de cada colónia; ii)- a supressão do regime dos Altos-Comissários;
iii)- a fiscalização pelo Governo da administração financeira e económica das
colónias; e iv)- o desenvolvimento da solidariedade económica entre a metrópole
e as colónias. Quanto às relações exteriores, o Acto Colonial era informado
pelo princípio da nacionalização – quer não permitindo o exercício particular
de prerrogativas de administração pública quer limitando o regime das
concessões. Depois, a adopção da terminologia colonial, comprovava que se
abandonara o «antigo e muitas vezes condenado» sistema da assimilação. Quanto
aos indígenas, pela primeira vez um texto constitucional referia-se-lhes
especialmente, o que as constituições anteriores tinham evitado
«cuidadosamente». Sobre a aptidão colonizadora, natalidade, emigração e
colonização, Santa Rita concordava com a recente proposição do Ministro das
Colónias, Armindo Monteiro, ao defender que «para colonizar não basta ter
emigrantes e não basta ter capitais: é preciso ter colonos»[2].
Quer como jurista
quer como “homem de Estado”, Marcelo Caetano foi quem mais aprofundou a
matéria. Essencialmente, considerava que o
Acto Colonial instituíra um regime de «autonomia temperada», que diferia
profundamente no seu espírito e sistema do regime de assimilação, mesmo na
forma descentralizada, desenvolvendo 7 tópicos: i)- afirmação da unidade e
solidariedade; ii)- especialidade da legislação colonial; iii)- extensão de
poderes dos Governadores; iv)- assídua intervenção tutelar do Ministro das
Colónias; v)- autonomia financeira; vi)- regime jurídico especial para os
indígenas; vii)- graduação da descentralização, consoante se tratasse de
colónias de governo geral ou de colónias de governo simples[3].
Curiosamente, a
primeira monografia sobre a Constituição de 1933 foi escrita em francês e
apresentada como tese na Universidade de Lovaina, em 1935. Ao abordar o Acto
Colonial, o seu Autor mantém o tom geral de valoração positiva (e, até,
encomiástica) dos princípios e espírito do texto constitucional. Defendia a
solução mista adoptada: o sistema da autonomia, em matéria económica e
financeira; o sistema de assimilação moderada, no relativo ao regime jurídico
de pessoas e bens; e o sistema da sujeição, quanto à gestão colonial, a qual
ficava completamente submetida ao Ministro das Colónias[4].
Em 1938, o docente da Faculdade de Direito de Lisboa Fernando
Emydio da Silva, procurou responder a duas questões, sinteticamente enunciadas:
1) Quais eram os princípios do Acto Colonial; 2) Em que medida eram acatados?
A primeira questão mereceu maior
desenvolvimento. Em sua opinião o Acto Colonial reformulava três velhos
princípios da tradição português: a)- a ideia de unidade; b)- a ideia de
colaboração indígena; c)- a ideia de valorização. Acrescia um quarto princípio,
este proveniente da «estrutura do regime actual»: a independência financeira
das colónias (“cada colónia, o seu orçamento”; “cada orçamento, o seu
equilíbrio”)[5].
Ministro das
Colónias de 1931 a 1935, Armindo Monteiro regressou ao ensino na Faculdade de
Direito de Lisboa após a sua exoneração como Embaixador em Londres, a 20 de
Setembro de 1943, na sequência de divergências com Salazar. Uma das suas
actividades docentes imediatas foi a regência da disciplina de Administração
Colonial. Na sua opinião, resultava do Acto Colonial serem três os princípios que
dominavam a construção jurídica e política do Império Colonial Português[6]:
i)- definição do objectivo histórico da
nação portuguesa (artigo 2.º);
ii)- a concepção do Império Colonial
como parte integrante da nação, mas formando por si um conjunto;
iii)- o princípio da solidariedade do
Império entre si e com a Metrópole.
A discutida e
discutível fórmula do artigo 2.º – «É da essência orgânica da Nação Portuguesa
desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e
de civilizar as populações indígenas […]» – fora usada «talvez porque o país
estava ainda mal preparado para ver na actividade colonial a finalidade
superior da nação». Representava «por assim dizer, uma forma de transição»
entre os portugueses de mentalidade ibérica e os portugueses de mentalidade
ultramarina. Aceitava, todavia, que o artigo 2.º não teria «a concisão e o
rigor que poderia ter» quer quanto ao termo colonizar quer quanto à expressão
domínios ultramarinos.
Justificava a
polémica designação Império Colonial Português em quatro parágrafos: a)- era
necessário indicar a existência e os limites do Império; b)- a expressão
entrara já na linguagem corrente; porém, em 1926, quando o Ministro João Belo a
lançara, «foi recebida por muitos como uma fanfarronada»; c)- nessa época,
muita era a gente convicta «de que o País não tinha capacidade para possuir
colónias e que estas estavam destinadas a perder-se»; d)- a fórmula impusera-se
definitiva e completamente: «foi adoptada primeiro na linguagem oficial, depois
pelo homem da rua e pelas chancelarias. Por fim hoje todos os Governos do mundo
falam do Império Colonial Português como de uma realidade que não se discute»[7].
Finalmente o
princípio da solidariedade constava dos artigos 5.º e 6.º do Acto Colonial e
desenvolvia-se na ordem política e na ordem económica. Este princípio era a
“alma do Império” e correspondia ao eixo do pensamento colonial de Armindo
Monteiro[8].
Discípulo de Marcelo Caetano, J. M. da Silva
Cunha pronunciou-se especificamente sobre a natureza do Acto Colonial a
propósito da sua “revogação” (efectivamente, simulada[9]).
Defendeu que o Acto Colonial equilibrara «harmonicamente» as duas tendências da
administração colonial portuguesa posterior a 1820, o sistema da assimilação
uniformizadora e o regime republicano da descentralização: «sem prejudicar a
unidade nacional do Império, [o Acto Colonial] respeitara o condicionalismo
local e, até, certas aspirações dos colonos que tinham uma má recordação das
colónias governadas do Terreiro do Paço»[10].
Também
aquando da sua revogação, Adriano Moreira, então leccionando Direito no mesmo
Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, elaborou um desenvolvido estudo
jurídico-político sobre o Acto Colonial. Publicou-o primeiro em 1951[11]
e, depois, sob a temática mais geral de “O Institucionalismo Português”,
reproduziu-o em 1961, com algumas alterações na parte final.
Destacam-se
as seguintes proposições, todas positivas sobre o Acto Colonial, embora a
primeira, pelo menos, contrária às posições maioritárias: a)- era «errada toda e qualquer atitude
crítica que ligasse o problema da oportunidade do Acto Colonial ao problema da
normalidade constitucional», pois só por si ele não tinha, inicialmente,
natureza de lei constitucional; b)- a justificação última do Acto Colonial
estava na afirmação de nacionalismo; c)- a expressão Império Colonial Português
não significara «de modo algum, um desvio em face do princípio da unidade»; d)-
a autonomia formal do Acto Colonial «poderia objectivamente explicar-se pela
circunstância de versar matéria acima das conveniências políticas por tocar
muito de perto a própria essência da Nação […]»[12].
Em síntese, Adriano
Moreira defendia a orientação geral do Acto Colonial, em especial o princípio
da «autonomia temperada» e, embora não se opondo abertamente à sua revogação,
revelou uma série de apreensões e reservas[13]. Apesar
das várias reformas que, enquanto Ministro do Ultramar, promoveu entre 1961 e
1963, as normas constitucionais mantiveram-se intocadas até à revisão de 1971. Porém,
desta, será Adriano Moreira muito crítico, considerando que revogava “o conceito estratégico
nacional” pois o Governo desistia «discretamente da missão nacional»[14].
António Duarte
Silva
[1] Armando
Gonçalves Pereira, As novas tendências da
administração colonial, Lisboa, Ed. J. Rodrigues, 1931, pp. 220 e segs..
[2] José
Gonçalo de Santa Rita, “O sentido do Acto Colonial”, in Revista da Faculdade de Letras – Tomo II, n.º 2 (Separata), Lisboa,
1935.
[3] Marcelo
Caetano, Direito Público Colonial
Português (lições coligidas por Mário Neves), Lisboa, 1934, pp. 105 e segs.
[4]
Francisco I. Pereira dos Santos, Un Etat
Corporatif – La Constitution Sociale et Politique Portugaise, 2.ª ed.,
Paris/Porto, Librairie du Recueil Sirey/ Editora Educação Nacional, 1940, p.
415.
[5] Fernando
Emydio da Silva, “Comunicação feita à Academia de Ciências Coloniais de Paris,
em 16 de Fevereiro de 1938”, in O Mundo
Português, Volume V, n.º 51, Março de 1938, pp. 99 e segs.
[6] Armindo
Monteiro, Administração Colonial
(Apontamentos das lições feitas pelo professor Doutor Armindo Monteiro ao curso
do 3.º jurídico, coligidos por Augusto Ramos), Lisboa, 1944-1945, pp. 268 e
segs.
[7] lbidem, p. 273.
[8] Assim,
Manuel de Lucena, “Monteiro, Armindo Rodrigues de Sttau”, in António
Barreto/Maria Filomena Mónica (coord.), Dicionário
de História de Portugal, Vol. 8, Suplemento, Porto, Figueirinhas, 1999, pp.
521/523.
[9] Como
explico in O Império e a Constituição
Colonial Portuguesa (c. 1914-1974), Lisboa, Imprensa de História
Contemporânea, 2018. (cfr. Parte V).
[10] Silva
Cunha, “O Acto Colonial e as propostas de lei para a sua alteração”, in Revista do Ultramar, Ano III, n.º 25,
Lisboa, Fevereiro de 1951, p. 6.
[11] Adriano
Moreira, “A Revogação do Acto Colonial”, in Revista
do Gabinete de Estudos Ultramarinos, Centro Universitário de Lisboa da
Mocidade Portuguesa, Ano I, n.º 3, 1951, pp. 3 e segs.
[12] Idem, Política Ultramarina, Lisboa, Junta de
Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1961, pp. 308
e segs.
[13] Manuel
de Lucena, Os lugar-tenentes de Salazar –
Biografias, Lisboa, Aletheia, 2015, pp. 286/289.
[14] Adriano
Moreira, Revisão Constitucional, Lisboa,
s. n., 1971, pp. 11/12.
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