O ensaio intitulado O
Regresso das Ditaduras? do académico António Costa Pinto, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, 2021, aborda o fluxo de movimentos ditatoriais de
caraterísticas novas, isto num planeta em que as ditaduras dominam mais de um
terço dos regimes vigentes. Não deixa, porém, de nos recordar as ditaduras do
velho estilo. Não se pode dizer que haja homogeneidade nas atualmente
existentes nem nas emergentes: o autoritarismo russo não se identifica com o
comunismo chinês, as práticas ditatoriais da Arábia Saudita não são
compagináveis com a Venezuela de Chávez e Maduro, a Frente Nacional de França
não é propriamente gémea do regime autoritário polaco. Como recorda o autor,
neste ensaio pretende-se uma introdução às ditaduras e aos seus modos de
dominação política. “Ainda que as autocracias tenham mais variedade
institucional do que as democracias, ambas têm muito em comum. Tal como
aconteceu com o salazarismo em Portugal, têm partidos únicos ou dominantes, têm
parlamentos e também organizam eleições. Às vezes reprimem selvaticamente, mas
também cooptam e integram as massas e as elites; outras vezes podem mesmo ser,
conjunturalmente, populares para certos segmentos da sociedade”.
E passam-se em revista
os tipos e variedades de ditaduras (de partido único, militares e
personalistas; civis, militares e monárquicas; ou monárquicas, militares, de
partido único, multipartidárias e sem partido). Em todos estes tipos
ditatoriais a militância política é fraca e a participação nas organizações do
regime, nos casos de partido único ou das paramilitares, é limitada. A ditadura
tem dois objetivos vitais: o controlo autoritário (como controlar a sociedade)
e a partilha do poder (o modo como encontrar e cooptar aliados e neutralizar
eventuais opositores). Igualmente o autor nos recorda outra questão chave que é
a personalização do poder. Nem sempre é fácil descobrir quem é o ditador:
“Acontece muitas vezes que aquele que detém o poder formal nas constituições
autoritárias não é o ditador. Por vezes, o poder é formalmente bicéfalo, mas na
prática é exercido apenas por um, e a personalização indica-nos onde ele está.
Em vários outros tipos de ditaduras, a chefia encontra-se em cargos mais
carismáticos ou tradicionais, como no rei ou emir, no líder da revolução, no
líder espiritual, ou outras designações”. Pode igualmente analisar-se a
ditadura como produto da tomada de poder por um partido e o autor dá-nos um
espetro do funcionamento orgânico do regime ditatorial, desde o partido único,
a escolha do líder, o funcionamento dos governos e dos parlamentos, como se processam
as eleições em ditadura e depois oferece-nos um quadro bastante claro quanto
aos modos de repressão e coerção da máquina ditatorial, as suas polícias, a
máquina denunciante, os extermínios, as repressões, a construção do inimigo, a
paranoia da vigilância, a censura da informação, o silenciamento dos
intelectuais opositores.
E chegamos ao mosaico
polifacetado do autoritarismo contemporâneo. É inegável que as ditaduras estão
de volta, a par de preocupantes manifestações populistas baseadas na construção
do ódio, da xenofobia e na permanente diabolização dos valores constitucionais
a que se atribui falência e a inevitabilidade de uma nova ordem onde a
corrupção não tenha lugar, todo o seu discurso é de erosão democrática. O autor
analisa o caso da Turquia, da Rússia de Vladimir Putin, a China contemporânea e
dá-nos umas conclusões de grande valor didático a propósito dos traços de
continuidade nas ditaduras contemporâneas: a personalização do poder, a
fragilidade ideológica, a mimética dos processos democráticos, a censura e o
controlo da informação, a estreita ligação entre a ditadura e os populismos
emergentes a apoiantes de negócios, tudo num claro apelo ao abandono do Estado
Social e à completa liberdade dos mecanismos da economia do mercado.
Nestas ditaduras e nas
correntes populistas é notório que já não há uma grande preocupação com modelos
ideológicos muito fortes, o que sobressai é a exaltação nacionalista, os apelos
à ordem e ao bem-estar da sociedade propalados de uma forma vaga e genérica. “Muitas
vezes o discurso associado ao crescimento económico e à melhoria das condições
de vida da população é quase exclusivo, aproximando-o dos regimes democráticos.
No entanto, a construção de inimigos externos associados à comunidade
internacional e suas organizações, bem como ao soberanismo são acionados com
regularidade”. Outra chamada de atenção do autor tem a ver com o simulacro
democrático: “Em 2015, mais de dois terços das ditaduras tinham parlamentos com
representação de oposição, ainda que, muitas vezes, sem qualquer capacidade
para condicionar o poder. Da Bielorrússia de Lukashenko à Venezuela de Maduro,
as batalhas eleitorais são conjunturas de saliência negativa para os regimes, e
às vezes fatores de crise”. Nestes regimes ditatoriais a autocensura é
dominante e procura-se a todo o transe o controlo das redes sociais. Se
verificarmos o funcionamento dos partidos populistas atuais, todos eles mostram
abertura ao capitalismo, e tornou-se um clássico verificar que quando ascendem
ao poder depois de terem recriminado a corrupção dos outros metem a família e
os amigos nos negócios, nas nacionalizações ou privatizações erráticas, onde
tudo em benefício particular. Temos exemplos flagrantes do que se passa dentro
da União Europeia com a Polónia e a Hungria. Referindo as caraterísticas destes
novos partidos, movimentos e líderes populistas, o autor sublinha que há três
traços distintivos: a oposição entre o povo e a elite corrupta; o discurso em
nome do povo e da sua vontade; o facto de terem uma ideologia fina, isto é, sem
coerência, eclética e por vezes contraditória e mutante. “O populismo repete
enfaticamente o seu caráter democrático, ainda que aponte difusamente para
regimes pessoalizados e plebiscitários, que ultrapassam as instituições
políticas, sobretudo os parlamentos. As poucas experiências de governo
populista nas democracias apontam para a sua tentativa (por vezes conseguida,
como na Hungria) de limitar a independência do judicial, dos meios de
comunicação social, e dos direitos individuais e de minorias”. Também questiona
o conceito de democracia iliberal se há regime político, é matéria duvidosa,
responde, talvez exprima apenas uma dinâmica incerta e não uma forma política
consolidada.
De leitura obrigatória.
Mário Beja Santos
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