Quando
temos um problema sério, que bom não seria poder esquecê-lo, passá-lo para
segundo plano, deixá-lo em banho-maria. Ora, para tal melhor solução não há do
que… somar-lhe um problema muito maior. Conta-se, a propósito, a estória
daquele pobre diabo que sofria de terríveis enxaquecas. Até que um dia
encontrou a solução: passou a dar, com monótona regularidade, fortes pancadas
na cabeça com um respeitável martelo. Alguém lhe perguntou, com considerável
dose de sarcasmo: - Conseguiu curar as dores de cabeça? Ao
que o paciente respondeu: - Curar não curei, mas entre cada
martelada sinto tanto prazer!
Pois
bem, a história também nos fornece exemplos muito instrutivos sobre a matéria.
E melhor exemplo não há do que o da Home
Rule Bill. Nas eleições de 1910 o Partido Liberal inglês obteve uma vitória
sem maioria. Para resolver o grande problema político de então – o da
independência ou autonomia da Irlanda – os liberais precisavam dos votos dos
nacionalistas irlandeses. Estes só estavam dispostos a apoiar a Home Rule Bill se toda a Irlanda fosse
abrangida. Os unionistas do Ulster, pelo seu lado, preferiam a guerra civil a
admitir que os condados de maioria protestante deixassem de pertencer ao Reino
Unido. Ora, calculava-se que nacionalistas e unionistas dispusessem de 200.000
milicianos armados.
O
Partido Conservador inglês, remetido há demasiado tempo para a oposição, quis
aproveitar a oportunidade para voltar ao poder o mais cedo possível. As regras
constitucionais permitiam que o Primeiro-Ministro pedisse ao Monarca a qualquer
tempo a convocação de eleições, apenas estando obrigado a fazê-lo ao fim de
cinco anos depois do último sufrágio. Bonar Law, o líder conservador, não quis
esperar e resolveu desenvolver uma estratégia para precipitar eleições
antecipadas.
Bonar
Law chegou à liderança em Novembro de 1911 de forma inesperada. O líder
anterior, Balfour, tinha-se demitido e, dos três candidatos, Law era o que
tinha menos apoio. No entanto, como os dois mais bem colocados dividiam o
partido ao meio, para evitar uma cisão desistiram ambos, abrindo caminho a uma
solução fraca: Bonar Law. O facto de se prever para os conservadores uma longa
travessia do deserto ajudou a esse desfecho.
É
certo que para a história Bonar Law deixou uma imagem de hesitação e indecisão
que se deve sobretudo ao seu comportamento neste período da crise irlandesa. No
entanto, a verdadeira estória foi bem diferente: Law, sem o poder aparentar,
conduziu consciente e friamente o Reino Unido até à beira da catástrofe, para
daí retirar benefício.
Bonar
Law, o único líder conservador nascido fora do Reino Unido (nasceu no Canadá), nunca
fora membro do Cabinet. Sentia, por
isso, que só poderia ver a sua autoridade reconhecida pelos seus
correligionários se ascendesse a PM. Por isso, a sua única esperança era
conduzir rapidamente o Partido Conservador ao governo. Para tal, necessitava de
eleições antecipadas. Obviamente, a estratégia do líder liberal não passava por
aí: Asquith queria que a Home Rule Bill
fosse aprovada e só depois, com o país pacificado, pediria a convocação de
eleições.
No
final de 1911, nas palavras de um notável do Partido Conservador, este estava “sick with office hunger”. O que podia
fazer o líder conservador? Podia celebrar um pacto com os nacionalistas
irlandeses (juntos fariam maioria). Em alternativa, poderia enfraquecer o
governo, dividindo os seus apoiantes e atraindo os liberais unionistas para uma
solução mais musculada. Mas Bonar Law não considerou nenhuma destas opções. A
sua escolha foi usar a questão da Home
Rule para forçar a antecipação de eleições.
Bonar
Law ficou conhecido por ter sido o primeiro líder de um dos grandes partidos
ingleses a usar linguagem muito agressiva nos Comuns. Muitos anos depois, um
historiador do Partido Conservador diria que “Edward Heath foi o mais rude
líder conservador depois de Bonar Law, mas Law ao menos insultava os seus
adversários.”
No
entanto, no caso da Home Rule no que
respeita ao conteúdo das suas intervenções Law foi sempre cuidadoso: ataques ao
governo em estilo inflamado e exagerado garantiam a unidade do partido; mas
nunca foi além da defesa dos direitos constitucionais e morais do Ulster e só
do Ulster. Por outras palavras, o seu argumento era simples: o conteúdo da Home Rule era profundamente injusto e,
por isso, imoral em relação à Irlanda do Norte. Mas jamais atacou toda a Home Rule porque, afinal, sabia que
quando (se) chegasse ao poder teria de enfrentar o problema.
A
primeira táctica que adoptou foi então essa: ser violento apenas nas palavras, quer
no Parlamento quer em constantes intervenções em comícios conservadores. Procurava
impedir todas as opções do governo, fechar todas as vias de saída, e intimidar
e fatigar os ministros liberais. Pedindo constantemente a convocação de
eleições, argumentando que a crise e a incapacidade de o governo a resolver
tornavam indispensável o recurso às urnas. No entanto, Law sabia que isso não
chegava: só uma compulsão o mais forte possível faria com que Asquith se visse
obrigado a convocar eleições.
Ora,
o líder conservador sabia que essa ameaça existia: o risco de guerra civil era
real. Se os paramilitares do Ulster empunhassem armas, Londres teria de
convocar o exército contra os protestantes irlandeses. Nesse caso, nenhum
governo inglês, especialmente um liberal, poderia resistir sem legitimação
eleitoral renovada.
Sabendo
disso, e também que os conservadores estariam unidos atrás de si, tornou
público o seu apoio aos unionistas do Ulster (mas não aos unionistas do Sul da
Irlanda). O Partido Conservador, assegurou, apoiaria os protestantes da Irlanda
do Norte enquanto estes resistissem ao governo inglês. Por outras palavras,
associou o partido da ordem às forças da desordem. O caminho dos conservadores
para o poder passava assim por uma mudança constitucional do governo através de
ameaças inconstitucionais. Como então lhe disse um conselheiro: “o país não
suportará métodos inconstitucionais até que os meios constitucionais sejam
usados e falhem.”
Desse
modo, Law enviou uma mensagem clara ao PM: não haveria acordo sobre a Home Rule, não haveria coligação, nem
cooperação partidária. Asquith teria de enfrentar a tempestade sozinho.
A
estratégia conservadora podia ser comprometida de duas formas: ou por um
compromisso político ou pela guerra civil. De facto, à medida que a tensão
aumentava, o compromisso era cada vez mais popular entre a enorme maioria dos
liberais e mesmo entre os conservadores moderados. E, sobretudo, a opinião
pública estava cada vez mais desejosa de um compromisso. O Rei Jorge V,
compreendendo isso, pediu a ambas as partes que alcançassem esse compromisso.
Ora,
o compromisso era relativamente fácil. Bastava dar um tratamento diferenciado
ao Ulster. Os nacionalistas queriam toda a Irlanda livre, enquanto os
unionistas do Sul queriam toda a Irlanda no Reino Unido. Mas os unionistas do
Ulster aceitariam que o Ulster, e só este, fosse tratado de modo diferente.
Acontece que, firmando-se esse compromisso, esfumava-se a hipótese de eleições.
E o governo teria uma grande vitória. A primeira consequência previsível seria
a queda de Bonar Law como líder conservador e este bem o sabia.
Por
outro lado, ser visto pela opinião pública como opositor do compromisso seria
igualmente danoso para a estratégia de Law. Para não indispor a maioria do
eleitorado, a última coisa que poderia fazer era recusar liminarmente uma
proposta de compromisso ou um convite para negociar. Na verdade, a resistência
à Home Rule era popular entre os
ingleses, mas a resistência a uma solução de compromisso já não o era. Em Outubro
de 1913, Law escreveu ao anterior líder Balfour: “Nada pode ser pior para nós
do que sermos colocados na situação de ter de recusar uma proposta que seja
vista pelo povo deste país como justa e razoável.”
Neste
quadro, havia algo que dava uma tremenda vantagem táctica a Bonar Law, porque
tornava compatíveis as necessidades do partido (e as suas) e a preservação das
aparências. O mais estranho e involuntário dos aliados ajudava a sua causa: os
nacionalistas irlandeses queriam tudo menos um compromisso. Ou seja, dentro do
lado que apoiava o governo havia uma fação cuja tática servia os objetivos dos
conservadores. Perante a intransigência pública e notória dos nacionalistas, o
Partido Conservador podia fazer figura de moderado. Justamente em Outubro de
1913, Law aceitou o convite de Asquith para um encontro. Demonstrou assim a sua
abertura ao compromisso, ao mesmo tempo que o reputava de impossível enquanto
os aliados do governo, os nacionalistas, permanecessem irredutíveis. E não se
avançou um milímetro.
Para
reforçar a sua imagem de abertura à negociação, o Partido Conservador até se
permitiu avançar com propostas em relação a uma questão chave: a definição
territorial do Ulster. Enquanto os unionistas queriam que este incluísse 9
condados, e os poucos nacionalistas moderados aceitassem 4 (os únicos em que
havia clara maioria protestante), Law começou por sugerir que o partido
Conservador aquiesceria aos 9, dando de seguida a ilusão de fazer uma grande
transigência ao avançar com a sugestão de que fossem apenas 6 (a atual irlanda
do Norte). Sabia perfeitamente que a proposta pareceria razoável aos olhos do
público mas que não ajudaria em nada a chegar a um compromisso. Law julgava
poder contar com a rejeição dos nacionalistas.
Law
levou assim a fórmula de compromisso suficientemente longe para assegurar a
rejeição dos nacionalistas, para dividir os liberais e para convencer a opinião
pública de que se tratava de uma abertura ao compromisso genuína. Correu dois
riscos: o de que a proposta fosse aceite e o de que os seus apoiantes não
entendessem a sua posição e o rejeitassem por ser um líder fraco. Quanto ao
primeiro risco, a aposta compensou: os nacionalistas, como esperara, recusaram.
Mas Bonar Law começou a enfrentar dificuldades junto dos unionistas do Ulster e
mesmo dentro do próprio Partido Conservador, o que era mais ameaçador para a
sua posição de líder. O seu esforço por parecer moderado, depois de ter
prometido aos unionistas apoio enquanto eles resistissem, comprometia-o. Law
não podia explicar abertamente aos seus apaniguados radicais que a sua
estratégia tinha o mesmo fim que eles pretendiam. O que os separava era o
método, não o objetivo. Law teria de permanecer impassível até ao fim
sujeitando-se a alguns ataques internos, até alcançar o objetivo que todos os
conservadores pretendiam: chegar ao governo.
Ao
animar os unionistas e, simultaneamente, provocar os nacionalistas, Bonar Law
estava intencionalmente a aumentar a tensão. Com essa atitude dos conservadores,
nenhum dos extremos sentia que tivesse
algo a ganhar com uma atitude transigente. Assim, perante um governo cada vez
mais isolado, a probabilidade de guerra civil foi aumentando sempre até julho
de 1914. Por outras palavras, a ameaça que Bonar Law manipulava (deixando a
nacionalistas e unionistas o encargo de explicitar o risco de guerra civil, bem
entendido), podia tornar-se realidade. Ele corria o risco de não poder
controlar a ameaçava que alimentava.
A
estratégia era ainda mais arriscada porque mesmo que houvesse eleições e uma
vitória conservadora, a ameaça manter-se-ia: os unionistas julgariam ter no
governo o seu paladino, os nacionalistas o seu inimigo. Mesmo que o governo
liberal fosse responsabilizado pelo desenlace, o problema continuaria por
resolver. A crise teria de ser gerida por ele, mas Bonar Law já teria alcançado
o seu objetivo primeiro: ser PM.
Aquele
que escolhe uma estratégia de brinkmanship
em regra não considera seriamente, ou pelo menos desvaloriza, a hipótese de a
ameaça que utiliza se concretizar. Tendo desenhado a estratégia com base numa
análise das forças próprias e das alheias, só a escolhe porque parte do
princípio de que os seus oponentes são mais fracos do que ele e desistirão
primeiro. No caso, além do mais Bonar Law estava convencido de que Asquith era
acima de tudo um patriota. E que, como tal, não permitiria que se chegasse à
guerra civil, preferindo, antes disso, desistir pedindo a Jorge V a dissolução
do Parlamento e a convocação de eleições.
Os
factos históricos provam que Asquith era mais resistente, mais paciente e mais
astuto do que a estratégia de Bonar Law supunha. Esse é um dos problemas da
estratégia de brinkmanship: ela é
aplicada num quadro de informação incompleta quanto à resolução da outra parte.
Outro problema reside no facto de que, apesar de ambas as partes terem pouco
(ou nada) a ganhar e muito (ou tudo) a perder com a concretização da ameaça, o
processo de escalada da crise, com uso incremental de intimidação e bluff seguido de resistência e resposta,
pode tornar a ameaça realidade. Meios usados racionalmente podem levar a um
resultado que ninguém deseja e é, por isso, irracional. Isto sucede porque,
basicamente, como disse o pioneiro da teoria dos jogos, Thomas Schelling, o brinkmanship é “a ameaça que deixa algo
à sorte”.
A
estratégia de brinkmanship no período
da guerra fria nunca foi levada até ao fim (ou seja, na prática nunca foi
aplicada) porque ambos os lados partiram do princípio de que o conflito nuclear
poderia mesmo ocorrer e também porque, dada a enormidade da ameaça, ambos
estavam mesmo dispostos a um entendimento.
Naturalmente,
nunca se poderá saber o que teria acontecido se a Primeira Guerra Mundial não
tivesse eclodido no verão de 1914. Apesar da resistência de Asquith e da
firmeza de Jorge V, nessa altura o Reino Unido estava literalmente à beira da
guerra civil e Asquith parecia a todos estar reduzido a escolher entre eleições
(que perderia) e guerra civil. A vitória de Bonar Law, ou a catástrofe para
todos, estavam iminentes.
Em
30 de Julho, Bonar Law viu-se forçado a ir ao encontro de Asquith propondo
tréguas sobre a Home Rule, o que foi
aceite de imediato. A questão irlandesa ficaria adiada para depois da guerra. A
dor de cabeça persistiria, embora em segundo plano, e retornaria. Entretanto,
entre cada terrível martelada da Grande Guerra quase nem se sentiria.
José
Luís Moura Jacinto
A História vai-se repetindo com pequenas nuances. Senão vejamos :
ResponderEliminarO partido conservador está práticamente afastado da vitória nas futuras eleições de 2015 pelo crescimento exponencial do UKIP (United Kingdom Independence Party) que vai “comendo” o seu eleitorado mais à direita com a sua politica de vociferante oposição à permanencia do RU na Comunidade Europeia . Cameron foi forçado a prometer um referendo sobre a questão, mas apenas para 2017, o que não deixa de ser curioso pois havendo no próximo ano um na Escócia sobre a sua independencia do Reino Unido, não deveria o primeiro-ministro comprometer-se com o que quer que fosse para depois, quando em boa verdade não pode sequer garantir a existencia de um governo britanico quando a altura chegar.
Cameron, dizendo-se em principio favoravel à permanencia na UE ,faz depender o apoio politico do partido conservador a esse objectivo à obtenção de importantes concessões por parte de Bruxelas no repatriamento de poderes de soberania que os adversários da Europa dizem ter sido entretanto perdidos.Porém, em face aos tratados assinados, essas exigencias são impossiveis de satisfazer, estando o primeiro-ministro britanico ainda por cima isolado e sem aliados entre os 27, tendo-se esfumado o pretenso apoio de Merkel às suas posições.
Está portanto Cameron entre “a rock and a hard place” como diriam os primos de além-atlantico:
Para estancar a hemorragia do seu eleitorado para o UKIP e evitar uma cisão no seu próprio partido, aumenta constantemente o seu tom de beligerancia contra a UE, ameaçando mesmo denunciar unilateralmente a Declaração Europeia dos Direitos do Homem e a saída do RU do Tribunal Europeu. Dentro de dias, a 1 de Janeiro, termina a moratória que impedia até agora a entrada livre dos cidadãos da Bulgária e Roménia no RU, tendo a imprensa sencionalista apoiante dos conservadores criado na opinião pública um verdadeiro estado de alarme social perante a iminente “invasão”, invasão essa que o governo se diz impotente de evitar no quadro de actual membro da UE. È bom recordar que quando a mesma situação se pôs para os cidadãos polacos, o governo trabalhista de então previu a entrada de 15.000 mas acabaram por ser 1 milhão os que vieram, tendo-se tornado o polaco a segunda lingua mais falada no país, a seguir ao inglês naturalmente.
Portanto Cameron para salvar a pele (politica,entenda-se), tem de competir na linguagem violentamente anti-europeia com o UKIP, mas ao faze-lo arrisca-se a acaba por tornar impossivel a permanencia da Grã-Bretanha na União, ao mesmo tempo que fica vulneravel aos partidos mais moderados à sua esquerda.
Aceitam-se apostas em como esta politica de brinkmanship vai acabar.