Conheci-a devido a este artigo no El País,
que conta a história da Torre de David. É difícil não nos lembrarmos da
babélica torre bíblica quando falamos deste arranha-céus de Caracas, monstro
leviatânico de aço, vidro e betão armado, começado a construir em 1990. Na época,
sonhava-se com um gigantesco edifício de escritórios, com vidros espelhados a
reflectir o azul do progresso. Melhor dizendo, dois edifícios: um de 45 andares
e outro com 20 pisos e um módulo para estacionamento de 10 pisos. Seria o
terceiro edifício mais alto da Venezuela, o oitavo mais alto da América do Sul.
Asas d'Ícaro. A morte do promotor imobiliário e a crise económica converteram-no numa imensa
favela na vertical. Alberga hoje umas 800 famílias e uma colónia de antigos
presidiários. Em vez de ascensores, as rampas do estacionamento são percorridas
por motociclistas que cobram 20 bolívares por trajecto. O governo de Hugo Chávez
permitiu em 2007 que o edifício abandonado fosse invadido por uma multidão de
duas mil pessoas, vindas dos bairros pobres da capital venezuelana e lideradas
por Alexander El Niño Daza, um
recluso reincidente que na prisão se tornara pastor evangélico. Foi assim, na
peugada deste António Conselheiro dos tempos modernos, que a Torre de David se
tornou num contemporâneo couto d’homiziados, num quilombo de formigas humanas, numa versão de
nossos dias do Arraial de Canudos. Caótica e desmesurada, babélica criatura
onde se acorda e se adormece, e no entrementes vive, ou sobrevive, com comida, sexo e crianças. A comunidade só aceita famílias, recusando a permanência de homens sozinhos. Cada família paga cerca de 20 euros por mês para a precária manutenção do edifício. A casta dos privilegiados vive entre os pisos 8 e 12, suficientemente perto do solo para conseguir subir de motocicleta, mas suficientemente acima da pestilência causada pelo lixo e pelos detritos que se acumulam sem que alguém jamais os recolha. Vida na vertical, a 200 metros de
altura do chão que pisamos – e a que chamamos Terra.
A propósito de um episódio de Homeland, este post — http://www.newyorker.com/online/blogs/culture/2013/10/the-real-tower-of-david.html — com ligações para um longo e interessante artigo e uma dúzia de fotos.
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Na pesquisa e selecção de imagens, encontrei várias da série «Homeland», algumas das quais, segundo pude perceber, não foram captadas na «Torre de David». Espero não ter cometido o lapso de incluir imagens da série, mas julgo que não. De novo, muito obrigado.
EliminarCordialmente,
António Araújo
Eu é que agradeço. Não há blogue como este.
EliminarCumprimentos,
Inês S.