A Mona Lisa existe? Isto é tão grande. Será que me perdi?
Ah, olha, lá está Ela.
.
Tem um véu de vidro, mas não
interessa. É Ela. É como se vê na Internet e nos postais. Aqui até se vê pior.
Mas não interessa. É Ela, a Santa. A Senhora. A Deusa. A Qualquer Coisa.
Ela é
muito importante: toda a gente a vem ver. Fotografar. A sala é grande,
felizmente, dá para conversar, para falar alto, e para ver se as fotos ficaram
boas. Fossem todas as salas de todos os museus assim.
Se eu não A fotografar, eu não existo.
Ela existe para eu A fotografar e para eu existir.
Tanta
gente. Tanta gente para A fotografar, a Ela, ao vidro e a si mesma.
Tenho de esperar pela minha vez.
Deviam organizar uma fila, ou dar tickets com um número à entrada. Viemos cá
para isto. Mas pronto. Vou-me chegando à frente.
Já está.
Consegui. Vou enviá-la por email. Vou
pô-la no Instagram. Vou postá-la no Facebook. Já está. Olha, foi logo, já tenho
dois likes e um smile.
Tanta gente. E falta a selfie. Eu
selfie, logo existo.
Sem selfie, ainda dizem que não
estive aqui, que não fui eu que A fotografei.
E eu quero existir. Quero ser Eu.
Quero uma selfie com a Mona Lisa, a Santa, a Deusa, a Senhora, a Qualquer
Coisa.
Já está. Ui, é melhor fazer outra.
Tu,
tira-me uma fotografia com Ela. Obrigado. Ficou gira.
Olha, ali há outros quadros. O que serão?
Tantos, que confusão.
Ninguém olha para eles. Ninguém os
vê. Nunca os vi na Internet. Não existem. Ao menos Ela está sozinha numa
parede. Comigo, connosco. Faz-nos justiça. Viemos cá por Ela.
Ela está
de frente para aquele quadro tão grande. Que grande.
Também nunca o vi na
Internet. Vou vê-lo, há gente a vê-lo, deve ser por ser tão grande. Estão a
pensar se o hão-de fotografar.
Tão grande. Caberá na fotografia? E parece uma estória. Mas é o quê?
Não sei. Não interessa. Mas é giro.
Parece um filme. Ou um espectáculo. OK.
Olha, pronto. Estou de saída.
Já A
fotografei.
Passo por Ela de novo.
Já me fotografei com Ela. É minha. Existo. A Mona Lisa
sou eu e a minha selfie.
(Texto e fotografias de Eduardo Cintra Torres)
Já estive nessa sala :) mas não a fotografei :(
ResponderEliminarA historia da arte é complicada.
ResponderEliminarNum primeiro momento, percebendo o que ha de sagrado numa obra de arte, criaram-se museus para impedir que as pessoas as vissem.
Obviamente, a medida falhou.
Por isso se inventou o telemovel com maquina fotografica integrada para impedir por completo as pessoas de olhar directamente para as obras de arte. Para maior segurança, substituiram-se as (geralmente boas) livrarias que costumava haver à saida dos museus por lojas que vendem postais, para que as pessoas possam realizar a tremenda economia que fazem fotografando (geralmente mal) as obras de arte. Assim, ha uma muito maior probabilidade que elas não descolem o olho do raio do celular enquanto se passeiam pelo museu.
Vamos ver se é desta...
Boas
Caro A. Araújo, eis, aqui, um extraordinário exercício de pueril patetice!! Absolutamente patético, o tal Cintra Torres!!
ResponderEliminarSe o motejo pretendia atingir a romaria já vem tarde, miles de linhas foram já escritas às romarias sem Santo para ver andar o andor. E os fenómenos a que se refere em sarcasmo são os mesmos, por projecção, que os olhos daquele vêm todos os dias. Mais lhe valia ficar-se pelo oceanário, em Lisboa!! E a linguagem!! É a linguagem do ironista de recreio de escola, do pobre tonto que se compraz por já saber ler e escrever!!
Caro Eduardo,
ResponderEliminargostei bastante desta pequena reportagem. O museu tornou-se tal como a igreja o foi e ainda é um local de encontro. Só que neste caso o sagrado desapareceu e ficou o espectáculo onde os peregrinos se acotovelam e deambulam para ver uma «Santa Gioconda» ou a «Última Ceia» . Mas será que eles sabem o que estão a ver? É o fastfood cultural. As perguntas sucedem-se: o que é hoje um Museu? O que é a cultura hoje?... Gostei