Eduardo Gageiro
Munique, 5 de Setembro de 1972
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Agora é tempo de
ir a Sacavém. Visitar o Museu de Cerâmica, onde está patente uma grande
retrospectiva de Eduardo Gageiro, filho da terra, cidadão do mundo. Da sua
vasta obra, um episódio já contado algumas vezes (na Visão ou aqui, no Correio da Manhã), mas que merece ser recordado,
como os momentos Kodak. Aliás, foi numa película Kodak que tudo ficou gravado.
Em 1972, Gageiro encontrava-se em Munique, a fazer a cobertura das Olimpíadas
para o Século Ilustrado.
A 5 de Setembro, com o sequestro dos
atletas israelitas pelo grupo Setembro Negro, o acesso à Aldeia Olímpica foi vedada aos
jornalistas. Como se conta no catálogo da exposição patente em Sacavém, o
fotógrafo português não se rendeu. Muitos dos seus colegas estrangeiros
haviam abandonado o local, depois de aguardarem desde a manhã por notícias da
Aldeia Olímpica. Gageiro esperou, esperou, e, pelas onze da noite, apercebeu-se
de que a sua credencial tinha apenas mais uma letra do que a dos atletas. No
resto, era igual. Vestia um blusão azul-escuro, como os desportistas olímpicos,
e trazia um saco idêntico aos que eles usavam. O disfarce perfeito. Tapou a
letra da credencial, escondeu as máquinas no saco, misturou-se no meio de um
grupo que regressava às instalações desportivas e, com a sorte dos audazes, conseguiu entrar. Dirigiu-se
ao edifício onde estava a delegação portuguesa. O elevador estava desligado por razões de segurança, o
local sob apertada vigilância (ainda assim, suficientemente permeável para o
ter deixado passar…). Subiu a pé os 16 andares do prédio. Não percebeu bem o
que tinha diante de si, mas sabia que não poderia usar o «flash» pois daria
muito nas vistas. Recorda:
«Eu tinha uns anitos a menos, mas mesmo
assim chego lá sem respirar. Muito ofegante! Passados uns minutos disse que
queria ir para a varanda e para apagarem as luzes todas. Lá fui para a varanda,
eles apagaram as luzes, tirei a velha Canon porque a “85mm” era muito luminosa.
Dou uma velocidade de oito avos de segundo, tudo aberto. Faço três ou quatro
fotografias e nem sabia o que estava ali. Falo logo para Lisboa, a dizer que
fiz isto assim, assim… a luz era horrorosa e chamei a atenção que tinham que
puxar muito o rolo, o que significa revelar muito bem.»
Regressado ao centro de imprensa,
entre uns copos contou aos colegas o que tinha fotografado. A Associated Press ofereceu-lhe 250
contos pela imagem, uma fortuna na época, dava para comprar um automóvel.
Contudo, o rolo já tinha sido entregue ao treinador da equipa portuguesa de luta
greco-romana, que no dia seguinte o iria trazer para Lisboa. O Século conquistara um «furo» mundial:
a imagem de sequestrados e sequestradores a serem levados de helicóptero para a
base aérea de Fürstenfeldbruck. A imagem, surgida na primeira página de O Século,
não teve a repercussão mundial que merecia, lamenta-se o seu autor. Até Spielberg fez filme do trágico massacre de Munique. A fotografia de Gageiro, essa, pode ser vista no Museu da Cerâmica, em Sacavém até ao final do ano (catálogo online, aqui)
Uma
história portuguesa do princípio ao fim: um misto de ingenuidade e de ardil para
forçar a entrada interdita, o transgredir das regras com astúcia e arte mas sem maldade, a improvisação triunfante e
o império do desenrasca, até um amigalhaço da luta greco-romana que traz rolos fotográficos para Lisboa. No fim da
aventura, e igualmente em clave lusitana, uma fotografia histórica que a História não registou. Eduardo Gageiro,
cidadão do mundo, rapaz de Sacavém.
António Araújo
Fotografias de António Araújo
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