impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 37 - OSCAR
PETERSON
Fotografia de Allan Cross
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Nunca é demais frisar o secreto papel da
rádio na revelação de talentos no jazz. Se o produtor John Hammond terá ouvido
Count Basie quando numa noite gélida de Chicago a telefonia do seu carro
sintonizou um remoto sinal oriundo de Kansas City, de Oscar Peterson diz-se que
foi descoberto por Norman Granz numa ocasião em que ia de táxi a caminho do
aeroporto de Montreal e ouviu na rádio a transmissão em directo de um concerto
ao vivo do pianista; qual avião qual quê, há-de Granz ter dito ao motorista,
leve-me mas é ao clube donde o programa está ser emitido. Além de ser creditada
no consciencioso site All About Jazz, a lenda tornou-se irrefutável ao vir
publicada na Wikipédia.
Durante muito tempo, quem sabe se ainda
hoje, a música de Oscar Peterson foi ouvida de sobrolho carregado, também
graças à relação umbilical entre o produtor e o artista, como se este não
passasse de uma criatura manipulada, instituída e promovida por aquele. Calhou
que em 1949 o pêndulo do jazz estava em trânsito, de modo que a “descoberta” de
Granz ofendia o emergente conceito de integridade musical.
Também
nisto o jazz foi precursor, na devoção pela figura do autor, cuja plenitude e
personalidade é ganha em proporções iguais como intérprete e como criador
musical. Na era anterior a escrita das canções estava entregue a compositores,
cuja reputação dependia do êxito popular, atingido se alguma das suas peças
fosse trauteada de boca em boca, alcandorando-se à categoria de standard. O
epicentro americano desta indústria estava nos editores amontoados em lofts na
Tin Pan Alley, na rua 28, entre a 5ª e a 6ª Avenidas, de Nova Iorque. Só bem
mais tarde, no início da década de 60, Bob Dylan e os Beatles, cada qual no seu
lado do Atlântico, aspiraram ao estatuto de autores musicais, com espessura
idêntica à dos pioneiros do bebop dos anos 40, e da sua nova ética artística. A
prolífica discografia de Oscar Peterson é parca em originais saídos da sua
pena, consistindo principalmente em versões e digressões do cancioneiro
familiar ao jazz – um repertório muito contrário às tendências coevas.
Acresce que além de penalizado como
presumível filisteu, Peterson tornou-se vítima das suas próprias qualidades,
largamente suspeitas para as orelhas intransigentes e severas que começavam a
predominar na crítica do seu tempo e na camada mais pernóstica de espectadores
por ela influenciada. Se as coincidências elucidam alguma coisa, Oscar Peterson
foi contemporâneo e compatriota de Glenn Gould, com quem ainda partilhava o
atributo de virtuosista. Mas o que na música clássica será aplaudido enquanto
virtude, no jazz costuma ser aferido como um estorvo à emoção ou um alibi para
dissimular a falta dela. Abundou quem levasse a música de Oscar Peterson na
conta de um embuste sem alma. Assim eram as coisas, no lado obscuro do jazz,
nos gloriosos anos 50 e no dealbar dos 60.
Night
Train
1963 (2011)
Verve / Universal - 0565148
Oscar Peterson (piano), Ray Brown (contrabaixo), Ed
Thigpen (bateria).
Que andavam todos muitos enganados,
provou-o Oscar Peterson com a publicação de “Night Train”, obra que obrigou
aqueles menos dogmáticos entre os seus detractores a porem o joelho em terra.
Aqui, em nada foram aliviados os modos, ou os tiques, consoante a opinião, do
estilo de Oscar Peterson, a dominarem por completo esse animal insubmisso e
devorador de reputações que é o piano. O inebriante malabarismo dedilhante nas
transições harmónicas e um excesso de velocidade de causar espanto, estão cá e
decerto incomodarão quem quiser ser incomodado por eles. O alinhamento é uma
revisitação da mais prevista tradição de blues e standards, expedida sem sombra
de inquietação, sendo de Duke Ellington quase metade dos temas. Agravando a percepção
de haver intuitos comerciais, os temas resumem-se a 5 minutos de duração (para
passarem melhor na rádio, terá confessado Norman Granz) e são interpretados num
esperanto sincrético, entre um swing de bater o pé e a textura harmónica do
bebop, com francas reminiscências do boogie woogie que o pianista assimilou no
jardim de infância.
Alguém versado em todos os géneros
acusar-se-á de não ter nenhum e de ser um bastardo musical, todavia, o ponto e
o prodígio do disco é que tudo isto faz sentido e parece judicioso em “Night
Train”. Ao estado de graça não é nada indiferente que Peterson se apresente com
o seu trio de longo curso e muita rodagem, em que o piano triangula com o
contrabaixo de Ray Brown – como de costume tão grande quanto discreto – e a
bateria de Eg Thigpen à guisa de uma conversa ininterrupta e íntima que viemos
devassar. Em resumo, “Night Train” é uma obra-prima a despeito de figas e
abrenúncios esconjurados pelos puritanos.
José Navarro de Andrade
Fez muito e bem que de poucos se pode dizer o mesmo.
ResponderEliminarFoi injustamente desconsiderado, mas também não se pode dizer que tenha sido um subavaliado, como Paul Gonsalves, por exemplo.
EliminarPara época de prendas no sapatinho a escolha não podia ser melhor.
ResponderEliminarGraças à Verve que publicou um 2 em 1 associo-me e breve lá estará.
Em boa companhia, portanto.
EliminarTenho seguido com grande interesse (e proveito) a lista que tem vindo a publicar. Gostava de adquirir alguns dos cd's que menciona, mas as referências dispersas no Malomil dificultam o acesso à lista completa (ou tão completa quanto a mesma está à presente data). Seria possível compilar as referências ou de alguma forma disponibilizá-la em formato compacto?
ResponderEliminarUm leigo agradecido
João
Caro João, obrigado pelo seu interesse. Se carregar na etiqueta "100 melhores discos de jazz" no rodapé de um dos textos, abre uma página web com eles todos seguidos. É o melhor que a informática consegue. Já agora fique sabendo que todas as obras estão disponíveis no iTunes , passe a publicidade e a maior parte na Amazon. De qualquer maneira, a sua sugestão é muito prática, quando terminar toda a série (ainda faltam muitos...) farei uma página final com as referências que pede.
ResponderEliminarMuito obrigado e parabéns pelo excelente serviço público.
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