Mais
de cem académicos subscreveram recentemente uma «Carta Aberta» questionando que
um futuro equipamento museológico, a inaugurar em Lisboa, tenha a designação «Museu
das Descobertas», tal como vinha anunciado no programa eleitoral do Partido
Socialista e do actual presidente da edilidade, Fernando Medina.
A
citada Carta Aberta foi publicada no jornal Expresso, e o seu conteúdo está
disponível aqui.
Diz-se
nessa Carta, entre o mais, que a designação «Descobertas», e cita-se,
«cristaliza uma incorrecção histórica», acrescentando os signatários: «razão
pela qual, como historiadores e cientistas sociais, não podemos estar de acordo
com ela».
Além
de incorrecta historicamente, a expressão «Descobertas» é, em seu entender,
questionável sob outros pontos de vista: «Para os não europeus, a ideia de que
foram “descobertos” é problemática».
Depois,
sustenta-se que «Descobertas» se trata de «uma expressão frequentemente
utilizada durante o Estado Novo para celebrar o passado histórico, e que
convoca, por isso mesmo, um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o
Portugal democrático».
Por
conseguinte, e em síntese:
1
– a expressão (ou o conceito) de «Descobertas» constitui uma «imprecisão
histórica»;
2
- a expressão (ou o conceito) de
«Descobertas» é problemática para os povos não europeus;
3
– a expressão (ou o conceito) de «Descobertas» convoca «um conjunto de sentidos
que não são compatíveis com o Portugal democrático».
Sem
questionar nenhuma destas afirmações – repete-se, sem questionar nenhuma destas afirmações –, e independentemente de qualquer posição que tenhamos sobre este assunto,
pode e deve apenas perguntar-se que
motivo levou, então, muitos signatários dessa «Carta Aberta» a colaborarem em iniciativas
de um equipamento cultural da cidade de Lisboa designado «Padrão dos Descobrimentos».
Na
verdade, o Padrão dos Descobrimentos, inaugurado em 1960 por Américo Thomaz na presença de Oliveira Salazar, não apenas em termos onomásticos como
imagéticos e simbólicos, convoca indiscutivelmente, na lógica dos subscritores
da «Carta Aberta», «um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o
Portugal democrático».
Nem
se afirme que as iniciativas que tiveram ou têm lugar no Padrão dos
Descobrimentos não se encontram em sintonia com tal designação e, pelo
contrário, contestam, elas próprias, a expressão ou o conceito de
«Descobertas/Descobrimentos».
É
que, antes de se pronunciarem sobre os conteúdos do futuro espaço museológico,
e mesmo que tais conteúdos também venham a não estar em sintonia com o conceito
de «Descobertas», os signatários impugnam, desde logo, a mera designação, que consideram: (a) incorrecta historicamente; (b)
problemática para os povos não-europeus; (c) evocadora de sentidos
incompatíveis com o Portugal democrático.
Portanto,
independentemente da programação e dos conteúdos expositivos do futuro Museu
das Descobertas, uma vez que se questiona esta designação ou conceito, o mesmo
vale de pleno para o Padrão dos Descobrimentos.
Poder-se-á
afirmar que o facto de participar em iniciativas de um determinado espaço ou lugar
não significa concordância com o seu nome. Assim, proferir palestras ou fazer
visitas guiadas a exposições no Padrão dos Descobrimentos não exprime
necessariamente uma adesão à designação do edifício. Acontece, porém, que os
signatários da Carta Aberta não só manifestam a sua discordância com essa
designação como sustentam que ela, além ou mais do que imprecisa
cientificamente, é ética ou politicamente questionável, já que evoca «um
conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático».
Ou
seja, ao colocarem a sua discordância de uma forma tão intensa e num plano tão
relevante, considerando ademais que ela era merecedora de intervenção no espaço
público e de difusão pelos jornais (a carta poderia ter sido enviada tão-só ao
Presidente da CML), os signatários assumem um nível de crítica que não parece
conciliável com a presença em locais cuja designação oficial tenha a palavra
«Descobertas» (ou «Descobrimentos»).
Como
também parece evidente, os argumentos aduzidos contra a palavra
Descobertas/Descobrimentos tanto se aplicam aos edifícios a construir como aos
espaços já existentes e em funcionamento.
Prescindindo
de saber, por ora, se utilizam ou utilizaram o conceito de «Descobertas» nos
seus trabalhos, a questão que se coloca é tão-só a de saber o motivo pelo qual
os referidos signatários participam em iniciativas de um espaço que tem a
designação oficial «Padrão dos Descobrimentos».
Esta
questão, deve sublinhar-se, é suscitada independentemente de qualquer posição
que assumamos nesta matéria, podendo ser colocada mesmo por quem questione a
designação «Descobertas», quando aplicável seja a equipamentos a construir,
seja, naturalmente, a espaços já existentes e em funcionamento.
Com
efeito, não é o facto de uns espaços já existirem e de outros se encontrarem
ainda na fase de projecto que, como é óbvio, retira à designação oficial dos
primeiros a carga negativa associada ao seu nome, tanto mais que essa
designação oficial sempre pode ser alterada, à semelhança do que sucede em
diversas mudanças onomásticas ocorridas em Portugal e noutros países.
Sem
preocupações de um levantamento exaustivo, participam ou participaram em
iniciativas do Padrão dos Descobrimentos signatários da «Carta Aberta» tais
como Ângela Barreto Xavier,
António Camões Gouveia,
Cristina Nogueira da Silva,
Diogo Ramada Curto,
Isabel Castro Henriques,
João Paulo Oliveira e Costa, Miguel Vale de Almeida e Pedro Cardim.
Em face disto, após terem assinado a referida Carta nos exactos termos em que a mesma se encontra redigida, questiona-se se estas personalidades e todos os demais signatários, investigadores de indiscutíveis méritos científicos e académicos:
Em face disto, após terem assinado a referida Carta nos exactos termos em que a mesma se encontra redigida, questiona-se se estas personalidades e todos os demais signatários, investigadores de indiscutíveis méritos científicos e académicos:
1
– irão doravante, e em coerência, deixar de participar nas iniciativas decorrentes no Padrão dos Descobrimentos;
2
– irão promover uma iniciativa cívica, sob a forma de carta aberta ou outra,
com vista à alteração da designação oficial do Padrão dos Descobrimentos, em
Lisboa.
António Araújo
Já agora... https://lishbuna.blogspot.com/2018/05/falemos-por-conseguinte-da-questao.html
ResponderEliminarAinda sobre este tema é de ler...
ResponderEliminarhttp://dererummundi.blogspot.com/2018/06/os-descobrimentos-e-os-seus-inimigos.html
Toda a gente anda muito entretida a discutir o futuro nome do museu, mas esquecem-se do problema de fundo, que se resume a uma questão “para quê, criar um novo museu em Lisboa, se os que existem vivem com um orçamento miserável, com quadros de pessoal muito envelhecidos e menosprezados pelas respectivas tutelas?
ResponderEliminarPor outro lado, os defensores deste museu dos descobrimentos, da expansão, encontro de culturas ou da viagem ignoram que quase todos os museus de Lisboa são dos descobrimentos. Grande parte da colecção do Museu de Arte Antiga é constituída por obras resultantes desse período da história portuguesa, estou a lembrar-me dos biombos nambam e de toda a arte indo-europeia. A Casa-Museu Anastácio Gonçalves com a sua colecção única de porcelana chinesa é um museu dos descobrimentos, para não falar do Museu do Oriente, do Museu da Marinha, do Museu da Sociedade de Geografia, do Museu Nacional de Etnologia ou ainda do Museu de Artes Decorativas da Ricardo Espírito Santo. Também não nos podemos esquecer do património documental referente aos descobrimentos que está na Torre do Tombo, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca Nacional ou na Biblioteca da Ajuda.
Creio que teria muito mais interesse publicar um roteiro em várias línguas da Lisboa dos Descobrimentos, do que gastar um horror de dinheiro num novo elefante branco.
Um abraço