quarta-feira, 6 de junho de 2018

Do Museu das Descobertas ao Padrão dos Descobrimentos.

 
 


 
 
Mais de cem académicos subscreveram recentemente uma «Carta Aberta» questionando que um futuro equipamento museológico, a inaugurar em Lisboa, tenha a designação «Museu das Descobertas», tal como vinha anunciado no programa eleitoral do Partido Socialista e do actual presidente da edilidade, Fernando Medina.
 
A citada Carta Aberta foi publicada no jornal Expresso, e o seu conteúdo está disponível aqui.
 
Diz-se nessa Carta, entre o mais, que a designação «Descobertas», e cita-se, «cristaliza uma incorrecção histórica», acrescentando os signatários: «razão pela qual, como historiadores e cientistas sociais, não podemos estar de acordo com ela».
 
Além de incorrecta historicamente, a expressão «Descobertas» é, em seu entender, questionável sob outros pontos de vista: «Para os não europeus, a ideia de que foram “descobertos” é problemática».
 
Depois, sustenta-se que «Descobertas» se trata de «uma expressão frequentemente utilizada durante o Estado Novo para celebrar o passado histórico, e que convoca, por isso mesmo, um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático».
 
Por conseguinte, e em síntese:
 
1 – a expressão (ou o conceito) de «Descobertas» constitui uma «imprecisão histórica»;
 
2 -  a expressão (ou o conceito) de «Descobertas» é problemática para os povos não europeus;
 
3 – a expressão (ou o conceito) de «Descobertas» convoca «um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático».
 
Sem questionar nenhuma destas afirmações – repete-se, sem questionar nenhuma destas afirmações –, e independentemente de qualquer posição que tenhamos sobre este assunto, pode e deve  apenas perguntar-se que motivo levou, então, muitos signatários dessa «Carta Aberta» a colaborarem em iniciativas de um equipamento cultural da cidade de Lisboa designado «Padrão dos Descobrimentos».
 
Na verdade, o Padrão dos Descobrimentos, inaugurado em 1960 por Américo Thomaz na presença de Oliveira Salazar, não apenas em termos onomásticos como imagéticos e simbólicos, convoca indiscutivelmente, na lógica dos subscritores da «Carta Aberta», «um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático».
 
Nem se afirme que as iniciativas que tiveram ou têm lugar no Padrão dos Descobrimentos não se encontram em sintonia com tal designação e, pelo contrário, contestam, elas próprias, a expressão ou o conceito de «Descobertas/Descobrimentos».
 
É que, antes de se pronunciarem sobre os conteúdos do futuro espaço museológico, e mesmo que tais conteúdos também venham a não estar em sintonia com o conceito de «Descobertas», os signatários impugnam, desde logo, a mera designação, que consideram: (a) incorrecta historicamente; (b) problemática para os povos não-europeus; (c) evocadora de sentidos incompatíveis com o Portugal democrático.
 
Portanto, independentemente da programação e dos conteúdos expositivos do futuro Museu das Descobertas, uma vez que se questiona esta designação ou conceito, o mesmo vale de pleno para o Padrão dos Descobrimentos.
 
Poder-se-á afirmar que o facto de participar em iniciativas de um determinado espaço ou lugar não significa concordância com o seu nome. Assim, proferir palestras ou fazer visitas guiadas a exposições no Padrão dos Descobrimentos não exprime necessariamente uma adesão à designação do edifício. Acontece, porém, que os signatários da Carta Aberta não só manifestam a sua discordância com essa designação como sustentam que ela, além ou mais do que imprecisa cientificamente, é ética ou politicamente questionável, já que evoca «um conjunto de sentidos que não são compatíveis com o Portugal democrático».
 
Ou seja, ao colocarem a sua discordância de uma forma tão intensa e num plano tão relevante, considerando ademais que ela era merecedora de intervenção no espaço público e de difusão pelos jornais (a carta poderia ter sido enviada tão-só ao Presidente da CML), os signatários assumem um nível de crítica que não parece conciliável com a presença em locais cuja designação oficial tenha a palavra «Descobertas» (ou «Descobrimentos»).
 
Como também parece evidente, os argumentos aduzidos contra a palavra Descobertas/Descobrimentos tanto se aplicam aos edifícios a construir como aos espaços já existentes e em funcionamento.
 
Prescindindo de saber, por ora, se utilizam ou utilizaram o conceito de «Descobertas» nos seus trabalhos, a questão que se coloca é tão-só a de saber o motivo pelo qual os referidos signatários participam em iniciativas de um espaço que tem a designação oficial «Padrão dos Descobrimentos».
 
Esta questão, deve sublinhar-se, é suscitada independentemente de qualquer posição que assumamos nesta matéria, podendo ser colocada mesmo por quem questione a designação «Descobertas», quando aplicável seja a equipamentos a construir, seja, naturalmente, a espaços já existentes e em funcionamento.
 
Com efeito, não é o facto de uns espaços já existirem e de outros se encontrarem ainda na fase de projecto que, como é óbvio, retira à designação oficial dos primeiros a carga negativa associada ao seu nome, tanto mais que essa designação oficial sempre pode ser alterada, à semelhança do que sucede em diversas mudanças onomásticas ocorridas em Portugal e noutros países.   
 
Sem preocupações de um levantamento exaustivo, participam ou participaram em iniciativas do Padrão dos Descobrimentos signatários da «Carta Aberta» tais como Ângela Barreto Xavier, António Camões Gouveia, Cristina Nogueira da Silva, Diogo Ramada Curto, Isabel Castro Henriques, João Paulo Oliveira e CostaMiguel Vale de Almeida e Pedro Cardim.
 
 


    Em face disto, após terem assinado a referida Carta nos exactos termos em que a mesma se encontra redigida, questiona-se se estas personalidades e todos os demais signatários, investigadores de indiscutíveis méritos científicos e académicos:
 


1 –  irão doravante, e em coerência, deixar de participar nas iniciativas decorrentes no Padrão dos Descobrimentos;
 



2 – irão promover uma iniciativa cívica, sob a forma de carta aberta ou outra, com vista à alteração da designação oficial do Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.

 

 
António Araújo
 
 
 
 
 
 
 

3 comentários:

  1. Já agora... https://lishbuna.blogspot.com/2018/05/falemos-por-conseguinte-da-questao.html

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  2. Ainda sobre este tema é de ler...

    http://dererummundi.blogspot.com/2018/06/os-descobrimentos-e-os-seus-inimigos.html

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  3. Toda a gente anda muito entretida a discutir o futuro nome do museu, mas esquecem-se do problema de fundo, que se resume a uma questão “para quê, criar um novo museu em Lisboa, se os que existem vivem com um orçamento miserável, com quadros de pessoal muito envelhecidos e menosprezados pelas respectivas tutelas?

    Por outro lado, os defensores deste museu dos descobrimentos, da expansão, encontro de culturas ou da viagem ignoram que quase todos os museus de Lisboa são dos descobrimentos. Grande parte da colecção do Museu de Arte Antiga é constituída por obras resultantes desse período da história portuguesa, estou a lembrar-me dos biombos nambam e de toda a arte indo-europeia. A Casa-Museu Anastácio Gonçalves com a sua colecção única de porcelana chinesa é um museu dos descobrimentos, para não falar do Museu do Oriente, do Museu da Marinha, do Museu da Sociedade de Geografia, do Museu Nacional de Etnologia ou ainda do Museu de Artes Decorativas da Ricardo Espírito Santo. Também não nos podemos esquecer do património documental referente aos descobrimentos que está na Torre do Tombo, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca Nacional ou na Biblioteca da Ajuda.

    Creio que teria muito mais interesse publicar um roteiro em várias línguas da Lisboa dos Descobrimentos, do que gastar um horror de dinheiro num novo elefante branco.

    Um abraço

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