O thriller literário distingue-se perfeitamente
das obras de crime e mistério e de espionagem, pode adicionar ao seu conteúdo
crime e mistério e até práticas de espionagem, mas o que identifica este
subgénero literário é a tensão à volta de um segredo muito bem guardado por
agentes de bem ou maléficos, por organizações terroristas, por confrarias
fanáticas, por serviços secretos, e muito mais. A matéria-prima mais manipulada
no thriller literário é um problema histórico: um tratado de compra e venda de
território que desapareceu no afundamento de um navio, um dado religioso
suscetível de convulsionar crenças profundas, uma descoberta arqueológica terrestre
ou subaquática com uma dimensão tal que pode levar ao confronto uma série de
Estados; mas há também o thriller tecnológico, o thriller económico-financeiro
e o que pode envolver o cataclismo termonuclear.
Nas últimas décadas, as livrarias aparecem
enxameadas de títulos que ganham a dimensão de bestsellers. Houve Robert
Ludlum, o criador de Jason Bourne, e que em 1976 escreveu um livro que envolvia
dois gémeos à cata do segredo mais bem guardado do cristianismo, o túmulo de
Cristo; houve Clive Cussler, um especialista em arqueologia subaquática,
escreveu obras de suspense bastante originais, no tal arco da história à
religião; e continua na ordem de dia Daniel Silva e é expectável que Dan Brown
um dia destes apareça com um espetacular thriller tecnológico cujo ingrediente
seja a inteligência artificial, ele que entreteve milhões de leitores em todo o
mundo pondo Jesus casado com Maria Madalena, e deixando descendência
implacavelmente perseguida por organizações apoiadas pelo Vaticano, com
destaque para a Opus Dei.
O Segredo de Tomar, por Rui Miguel Pinto, Porto Editora, 2025, é um
thriller histórico-religioso, rigorosamente pontuado pela organização do
thriller: o capítulo inicial, suficientemente nebuloso mas apimentado com uma
situação avassaladora, há mistério para desvendar; descrição de acontecimentos
históricos, no caso a extinção da Ordem do Templo, havia que preservar um
segredo que vinha das cruzadas a Jerusalém, o fundador da Ordem recebera a
incumbência de Bernardo de Claraval para fazer pesquisas ali para os lados do
Templo de Salomão e da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, um mensageiro do
último Grão-Mestre vem até Tomar em 1307, o segredo está guardado; viremos a
saber que existe uma sociedade secreta que ressuscitou a Ordem do Templo, não
olham a meios para que o segredo não seja desvendado, será o caso de terem
assassinado uma famoso medievalista português que estava perto de o desvendar;
são capítulos muito curtos, as subtilezas literárias reduzidas ao mínimo, vamos
percorrer variadíssimos domínios, entre Portugal e França, Tomar começa por ter
a fatia de leão, na região da Champanhe, em Payns, está ativa a sociedade
secreta, usa da falta de escrúpulos para envolver um outro medievalista
português, Jaime Morais, para este chegar ao segredo de Tomar; os filhos do
Augusto Sousa, um outro medievalista assassinado pela organização fanática,
irão estar ativos do princípio ao fim; e se é fundamental que o thriller
mantenha um ritmo trepidante, vamos começar em finais de setembro e não haverá
parança, vão entrando em cena personagens como um perito em paleografia, haverá
muita atividade no Convento de Cristo, um comprador de documentos antigos obtém
documentos relativos à Ordem do Templo que irão pôr a sociedade secreta em
sobressalto, o professor Jaime Morais irá levar um grupo de alunos para uma
atividade sigilosa em Santa Maria dos Olivais…
E para não querer tirar o fôlego e desvelar
mais histórias sobre o segredo de Tomar, posso dizer sem qualquer hesitação que
este primeiro livro de Rui Miguel Pinto cumpre cabalmente a função de
entretenimento, tem todos os artifícios que competem ao thriller, desde aquela
frase que pode ser Altar de Monte Santo e que o jovem Miguel, filho de Augusto
Sousa, dotado de mente ágil e boa estrutura cultural, logo percebe para onde
deve encaminhar a investigação, sempre açulado pelos fanáticos da sociedade secreta,
na Capela de Santa Maria do Castelo, em Monsanto, descobre-se mais um elemento
que introduz uma reviravolta na trama; obviamente que tem que haver tiros,
raptos e reféns, envolvimento de polícias, não faltarão mortos e feridos, fatal
como o destino acendem-se e reacendem-se amores, há mesmo um bocadinho de sexo,
o autor já capturou o leitor compulsivo, com estrépito caminhamos para o
território do desfecho, não falta a caça ao homem, haverá mesmo choro e ranger
de dentes quando o chefe da organização fanática descobre que o segredo de
Tomar estava ali à mão de semear. Como é do uso e costume, mesmo com o corte de
alguns dedos, tudo está bem quando acaba bem. Mas há sempre uma névoa, há
pontos que ficam mal-esclarecidos. E ainda bem.
E o que é desencadeando em 27 de setembro tem o
seu momento de clímax no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, já estamos em
outubro, mais adiante ficamos a saber que há séculos, noutro local, há homens
vigilantes para que o mais temível segredo do cristianismo não seja desvendado.
Mesmo sabendo que o argumento só tem
originalidade de envolver Tomar e tomarenses, diga-se de passagem, de garbosa
compostura, que já apareceu noutros livros, na televisão e no cinema, se é
verdade que esta investigação tem conclusões que só surpreendem quem ainda não
leu outros saberes assim tão bem guardados, não é demais exaltar esta
promissora estreia, em torno de ficcionados mistérios templários, trata-se de
um segredo que pode abalar os alicerces do cristianismo.
Que os leitores devotos dos segredos templários não se ponham a imaginar que para além da ficção é possível andar a escavacar os nossos monumentos nacionais, são os nossos melhores votos.
Mário Beja Santos
Sem comentários:
Enviar um comentário