terça-feira, 15 de abril de 2025

Há um segredo em Tomar que pode provocar um turbilhão na fé dos homens.

 

 

O thriller literário distingue-se perfeitamente das obras de crime e mistério e de espionagem, pode adicionar ao seu conteúdo crime e mistério e até práticas de espionagem, mas o que identifica este subgénero literário é a tensão à volta de um segredo muito bem guardado por agentes de bem ou maléficos, por organizações terroristas, por confrarias fanáticas, por serviços secretos, e muito mais. A matéria-prima mais manipulada no thriller literário é um problema histórico: um tratado de compra e venda de território que desapareceu no afundamento de um navio, um dado religioso suscetível de convulsionar crenças profundas, uma descoberta arqueológica terrestre ou subaquática com uma dimensão tal que pode levar ao confronto uma série de Estados; mas há também o thriller tecnológico, o thriller económico-financeiro e o que pode envolver o cataclismo termonuclear.

Nas últimas décadas, as livrarias aparecem enxameadas de títulos que ganham a dimensão de bestsellers. Houve Robert Ludlum, o criador de Jason Bourne, e que em 1976 escreveu um livro que envolvia dois gémeos à cata do segredo mais bem guardado do cristianismo, o túmulo de Cristo; houve Clive Cussler, um especialista em arqueologia subaquática, escreveu obras de suspense bastante originais, no tal arco da história à religião; e continua na ordem de dia Daniel Silva e é expectável que Dan Brown um dia destes apareça com um espetacular thriller tecnológico cujo ingrediente seja a inteligência artificial, ele que entreteve milhões de leitores em todo o mundo pondo Jesus casado com Maria Madalena, e deixando descendência implacavelmente perseguida por organizações apoiadas pelo Vaticano, com destaque para a Opus Dei.

O Segredo de Tomar, por Rui Miguel Pinto, Porto Editora, 2025, é um thriller histórico-religioso, rigorosamente pontuado pela organização do thriller: o capítulo inicial, suficientemente nebuloso mas apimentado com uma situação avassaladora, há mistério para desvendar; descrição de acontecimentos históricos, no caso a extinção da Ordem do Templo, havia que preservar um segredo que vinha das cruzadas a Jerusalém, o fundador da Ordem recebera a incumbência de Bernardo de Claraval para fazer pesquisas ali para os lados do Templo de Salomão e da Igreja do Santo Sepulcro, em Jerusalém, um mensageiro do último Grão-Mestre vem até Tomar em 1307, o segredo está guardado; viremos a saber que existe uma sociedade secreta que ressuscitou a Ordem do Templo, não olham a meios para que o segredo não seja desvendado, será o caso de terem assassinado uma famoso medievalista português que estava perto de o desvendar; são capítulos muito curtos, as subtilezas literárias reduzidas ao mínimo, vamos percorrer variadíssimos domínios, entre Portugal e França, Tomar começa por ter a fatia de leão, na região da Champanhe, em Payns, está ativa a sociedade secreta, usa da falta de escrúpulos para envolver um outro medievalista português, Jaime Morais, para este chegar ao segredo de Tomar; os filhos do Augusto Sousa, um outro medievalista assassinado pela organização fanática, irão estar ativos do princípio ao fim; e se é fundamental que o thriller mantenha um ritmo trepidante, vamos começar em finais de setembro e não haverá parança, vão entrando em cena personagens como um perito em paleografia, haverá muita atividade no Convento de Cristo, um comprador de documentos antigos obtém documentos relativos à Ordem do Templo que irão pôr a sociedade secreta em sobressalto, o professor Jaime Morais irá levar um grupo de alunos para uma atividade sigilosa em Santa Maria dos Olivais…

E para não querer tirar o fôlego e desvelar mais histórias sobre o segredo de Tomar, posso dizer sem qualquer hesitação que este primeiro livro de Rui Miguel Pinto cumpre cabalmente a função de entretenimento, tem todos os artifícios que competem ao thriller, desde aquela frase que pode ser Altar de Monte Santo e que o jovem Miguel, filho de Augusto Sousa, dotado de mente ágil e boa estrutura cultural, logo percebe para onde deve encaminhar a investigação, sempre açulado pelos fanáticos da sociedade secreta, na Capela de Santa Maria do Castelo, em Monsanto, descobre-se mais um elemento que introduz uma reviravolta na trama; obviamente que tem que haver tiros, raptos e reféns, envolvimento de polícias, não faltarão mortos e feridos, fatal como o destino acendem-se e reacendem-se amores, há mesmo um bocadinho de sexo, o autor já capturou o leitor compulsivo, com estrépito caminhamos para o território do desfecho, não falta a caça ao homem, haverá mesmo choro e ranger de dentes quando o chefe da organização fanática descobre que o segredo de Tomar estava ali à mão de semear. Como é do uso e costume, mesmo com o corte de alguns dedos, tudo está bem quando acaba bem. Mas há sempre uma névoa, há pontos que ficam mal-esclarecidos. E ainda bem.

E o que é desencadeando em 27 de setembro tem o seu momento de clímax no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, já estamos em outubro, mais adiante ficamos a saber que há séculos, noutro local, há homens vigilantes para que o mais temível segredo do cristianismo não seja desvendado.

Mesmo sabendo que o argumento só tem originalidade de envolver Tomar e tomarenses, diga-se de passagem, de garbosa compostura, que já apareceu noutros livros, na televisão e no cinema, se é verdade que esta investigação tem conclusões que só surpreendem quem ainda não leu outros saberes assim tão bem guardados, não é demais exaltar esta promissora estreia, em torno de ficcionados mistérios templários, trata-se de um segredo que pode abalar os alicerces do cristianismo.

Que os leitores devotos dos segredos templários não se ponham a imaginar que para além da ficção é possível andar a escavacar os nossos monumentos nacionais, são os nossos melhores votos. 


                                                            Mário Beja Santos




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