Na
tarde de 3 de Setembro de 1944, Recy Taylor
saiu da igreja em Abbeville, Alabama, como de costume. Recy caminhou em
direcção de casa na companhia de um amigo e do seu filho. Tinha 24 anos. Um
carro aproximou-se: sete indivíduos, todos armados, todos brancos. Levaram-na
para um bosque nas proximidades. Violaram-na repetidamente, enquanto Recy
gritava, em prantos: «Tenho que ir para casa ver o meu bebé!» Libertada do
martírio, regressou a casa, contou tudo ao marido; tudo, todos os pormenores.
Década volvidas – mais precisamente, 67 anos depois –, o Estado do Alabama
pediu-lhe desculpas por ter «falhado na perseguição dos agressores». Bonito eufemismo.
Os agentes da polícia identificaram o automóvel e o seu proprietário, Hugo
Wilson. Este, por sua vez, acusou os seus seis companheiros de barbárie. O que
aconteceu? Wilson foi multado em 250 dólares. «Falhanço na perseguição dos
agressores», portanto. A comunidade negra local pediu auxílio à NAACP que, por
sua vez, mobilizou uma grande mulher, Rosa Parks, aquela que, dez anos depois,
se tornaria famosa por se recusar a sentar-se no lugar reservados aos negros de
um autocarro (ver aqui). Graças a Rosa Parks, o caso de Recy Taylor foi levado ao Supremo
Tribunal do Alabama.
Recy Taylor
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Rosa Parks
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Em 4 de Outubro de 1944, um júri composto por homens
brancos – todos homens, todos brancos – não
demorou do que cinco minutos (está a ler bem) a decidir que não havia qualquer
caso para decidir. Nenhum dos presumíveis violadores foi chamado a depor. Se
isto é mau, terrível, prepare-se: cerca de um ano depois, no inquérito aberto
pelo governador do Alabama por pressão da comunidade negra, um dos implicados confessou
os factos. Outros quatro admitiram ter tido, na noite fatídica, relações
sexuais com Recy Taylor, mas argumentaram que ela não oferecera qualquer
resistência e era «apenas uma prostituta» (aliás, não era, mas adiante, pois a
rape is a rape is a rape). Quando foi pedida a opinião dos jurados – claro,
nove homens brancos – estes não encontraram indícios da prática de qualquer
crime. Injuriada nas ruas a partir daí, Recy Taylor teve de se mudar para
longe, rumo à Flórida. O seu caso foi relatado num livro brutal de Danielle McGuire, At The End of the Dark Street (vídeo, aqui), e foi a leitura
desse livro que inspirou Nancy Buirski a realizar um documentário, The Rape Recy Taylor, que é recente, deste ano, e passou há pouco em Veneza – e que se espera estreie em Portugal, para que muitos o vejam.
Aos 96 anos, Recy é entrevistada nesse documentário. Um filme com final feliz? Não sabemos, mas temos muitíssimas dúvidas. O mundo é um lugar estranho.
Gosto da universalidade do Malomil.
ResponderEliminarObrigado pelo seu comentário, muito amável
ResponderEliminarCordialmente
António Araújo