Catedral de Santo Domingo de la Calzada
No livro extraordinário O (Des)Caminho para Santiago, de Cees
Nooteboom, escorreguei num trecho sobre a catedral de Santo Domingo de la Calzada («Que cantó la gallina después de asada»), que passo a transcrever:
«Encaminho-me para o lugar de onde vem
o som, e sim, por cima de mim, contra uma das paredes interiores da igreja,
encontra-se numa chaminé, coroada por um meio arco com rosetas e pináculos
góticos, uma gaiola trabalhada e dourada, e à luz suave e amarela atrás das
grades vejo-os, a sagrada galinha e o sagrado galo, dois exemplares gigantescos
no mais belo galinheiro do mundo. A história ouço-a mais tarde. Há séculos,
chegaram aqui três peregrinos da Alemanha, pai, mãe e filho. Comeram no
albergue, e uma das criadas apaixonou-se pelo filho, que não correspondeu ao
seu amor. Denunciou-o ao preboste, não por causa do amor não correspondido, mas
por roubo. O jovem foi detido e condenado à morte. Quando os pais souberam
foram à casa do preboste, que nesse momento estava a comer uma galinha.
Imploraram-lhe que poupasse a vida do filho porque era inocente. O preboste
limpou a boca e disse: “Em primeiro lugar, já está enforcado, e em segundo
lugar, está tão inocente como a galinha no meu prato está viva”. Ao que a
galinha gorda, depenada e assada, dentro de um segundo se revestiu por milagre
de uma plumagem branca e cacarejando se levantou do prato. A cidade inteira
correu então ao patíbulo e sim senhor, o enforcado ainda estava vivo, e desde então
há sempre um galo e uma galinha a habitarem na catedral de Santo Domingo de la
Calzada, e até há gente que pensa que ainda é a mesma galinha, o que obviamente
é verdade».
E eu, na minha enciclopédica ignorância, que julgava
que a lenda do galo de Barcelos era nossa, original… Não sei se a estória
começou em Espanha se em Portugal, mas aqui a Wikipedia – que não mente – assegura
que, no arquivo da catedral de Santo Domingo, existe uma bula do papa de
Avinhão, Clemente VI, datada de 6 de Outubro de 1350, que já fazia referência
aos galináceos da igreja, concedendo indulgências para os fiéis que ajudassem
ao culto na catedral ou que «tratassem do galo e da galinha que estão na
igreja». Na Internet, outra fonte da Verdade, há algumas alusões à similitude
entre as duas lendas, algo que desconhecia e que achei curioso trazer aos que
não sabiam, aos que já sabiam e podem ajudar a deslindar a lenda e, enfim, aos que, sensatamente, acham tudo isto uma idiotia pegada e sem o mínimo interesse.
António
Araújo
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O galo de Barcelos já foi alvo de desqualificação como símbolo identitário português válido por João Medina em seu "Portuguesismo(s)", pp, 97-98.
ResponderEliminarHá histórias a correr no facebook que começam como passadas num local e depressa vão mudando de local conforme os partilhantes. Esta lenda como a de Barcelos, como o milagre das rosas da rainha santa que é igual ao da sua tia, também Isabel e também santa mas da Hungria, mostra-nos que as redes sociais na Idade Média funcionavam, talvez mais lentamente, e chamavam-se romarias. As peregrinações a Roma, à Terra Santa e a Compostela funcionavam como funciona hoje o facebook. Leiam os contos da Cantuária e as novelas exemplares de Cervantes e as histórias repetem-se, tal como a sopa de pedra que tanto pode ser em Almeirim, como na província de Salamanca ou da Cantuária.
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