O breve documentário de Graça Castanheira conta a história da visita de um pequeno grupo de pele escura que
mora na Trafaria, ao Centro Cultural de Belém. Ironicamente e como se se
tratasse de um espelho, a visita tinha por fim fazer com que o grupo assistisse
ao próprio documentário acerca dessa mesma visita. Esta narrativa coloca um
problema principal: o de saber como é que um grupo com origens africanas – que
vive na periferia de uma cidade, sofre o estigma da discriminação racial e
social e ao qual se pretende dar voz – se relaciona com o centro, sobretudo com
as suas instituições culturais.
Trata-se de uma relação ou de um
conjunto de relações que se encaixam, em parte, numa ideia bastante
essencializada do contacto de culturas. Resta saber qual a margem que o próprio
documentário cria para conceber relações que escapem ao previsível, sobretudo,
a representações geradoras de tantos estereótipos.
Ao grupo periférico são atribuídas
várias características externas, em parte baseadas, em atributos corporais: a
pele escura como consta do título, uma linguagem própria, uma forma de andar e
de dançar que funcionam também como um estereótipo identitário, o vibrar com a
música cuja letra contém em si uma alusão ao giro africano, os inevitáveis
cabelos afro, vestuário e calçado de marca e o recurso ao telemóvel e aos
phones, enquanto apropriação dos atributos do centro, por parte de um grupo
considerado periférico.
Aos marcadores corporais acabados de
enunciar somam-se três diferentes tipo de denúncias. A primeira diz respeito à
queixa acerca dos meios de transporte. São os horários dos barcos e dos
comboios ou a própria precariedade do automóvel que parecem impor-se como uma
barreira, difícil de transpor, entre o centro e a periferia, explicando também
os atrasos com os quais o próprio grupo brinca no final do documentário. Uma
barreira, claro está, que não afecta apenas o grupo de pele escura, mas todos
aqueles que vivem na outra banda (o que constitui um modo de atenuar uma
perspectiva essencialista, abrindo para outros posicionamentos sociais). As
barreiras são tais que melhor seria, como é dito por José a um dos mais jovens
actores, bastava vir a nado e atravessar em linha recta o Tejo.
A segunda das denúncias, que divide os
protagonistas, diz respeito à necessidade de o grupo periférico ter de se
deslocar a Lisboa, para assistir a um espectáculo cultural. Isto é, à projecção
de um filme. Não teria sido melhor, pergunta Amara, que tudo se passasse ali,
na Trafaria, no centro cultural ou no espaço da biblioteca? Pergunta a que ela
própria responde, considerando que os outros – os “pulas”, ou “tugas” – não
conseguiriam sequer lá chegar.
Uma terceira denúncia envolve uma queixa
mais funda em relação ao modo como os outros, os “tugas”, se continuam a fazer
representar pelo chamado Padrão dos Descobrimentos e continuam a ter uma visão
celebrativa ou comemorativa do Império. Pior: se foram capazes, como afirma Amara,
de mudar o nome da Ponte de Salazar para Sobre o Tejo, por que razão têm tanta
dificuldade em apagar os nomes dos locais de celebração imperial? Ou, como
sugere o Tio Joaquim, o cota, por que não passar a chamar, ao Padrão dos
Descobrimentos, Museu da Kizomba? Nas palavras de uma das protagonistas, este é
um “problema que estamos com ele” e, segundo o “cota”, está para durar e não se
resolverá tão cedo.
Até aqui, os principais aspectos tendem
a alinhar-se em termos de uma série de dicotomias, opondo nós – os periféricos
de pele escura, da periferia – aos tugas que estão no centro, com os seus
monumentos, memórias celebrativas do império e espectáculos, em centros com
vocação para monopolizar as iniciativas culturais. Em face desta oposição entre
duas culturas, a qual revela uma clara opressão e exclusão, porque não se
revoltam os periféricos e de pele escura? A questão é retórica, porque é
evidente não existirem, em nenhum momento do documentário, indícios de
comportamentos de ruptura emancipadora. Nem sequer se coloca essa mesma
questão.
Pelo contrário, o documentário parece
conter em si uma série de propostas pedagógicas, mais conformistas, que quebram
qualquer tipo de apelo à violência, procurando fazer valer uma visão mais
eufemística do contacto entre culturas. Sem seguir a sequência da sua aparição
no documentário, será possível argumentar que a obrigação da pequena actriz
cumprir com os seus deveres escolares, antes de participar na visita, surge
como um apelo directo à educação e à escola, enquanto instrumentos principais
na criação de melhores condições de vida.
Depois, qual o significado da bandeira
portuguesa, na casa de uma das mulheres que surge inicialmente com um vistoso
cabelo afro? Mera cortina ou símbolo de uma luta pela inclusão com direitos
plenos à cidadania portuguesa? Imagino que a sua utilização seja intencional,
logo, o que está em causa é essa luta pelos direitos de cidadania, da qual
fazem, constitucionalmente, parte os direitos à educação, saúde, justiça,
salário digno, habitação, representação política plena, etc.
Há também que reflectir sobre o
significado da primeira cena. Nela, um pescador branco, vindo de barco, entrega
a dois jovens de origem africana um saco de peixe fresco. O pescador representa
o valor do trabalho, mas também o gesto solidário com os jovens impecavelmente
vestidos. Depois, todos os outros protagonistas de pele escura alinham as suas
vozes, em relação à visita, com manifestações de lazer e iniciativas culturais,
excluindo da sua representação as lutas quotidianas e as práticas laborais.
Qual a intenção que se encontra por detrás desta exclusão tão marcada? A
pretexto de querer intencionalmente dar voz ao grupo periférico de pele escura,
fazendo com que todos se façam ouvir na chamada área da cultura, a sua representação
acaba por ser amputada de uma ligação ao quotidiano e ao trabalho. Trata-se,
reconheço, de uma crítica fácil, mas não significará esta mesma operação de
exclusão um convite a uma visão estetizada de um grupo que é, à partida,
considerado subalterno?
Para responder à última pergunta e
perceber como pode uma representação pela imagem escapar ou não aos riscos de
estetizar bairros pobres e grupos subalternos, vale a pena analisar toda uma
série de diálogos que insinuam a ironia resignada, a alegria risonha e a
solidariedade sentida na falta de dinheiro, e que não passa pela representação
do modelo da família monoparental. Por outras palavras, o documentário reporta
a uma economia moral dos subalternos, fundada no riso, na ironia e em
sentimentos solidários de colaboração e entreajuda, bem como na representação
de lindos corpos e caras. Onde fica, então, o sofrimento, a violência e a
resistência em resposta às inúmeras formas de controlo e discriminação sofridas
pelos subalternos?
Uma última palavra diz respeito ao tema
da viagem, da periferia ou de fora para o centro. Trata-se de um velho tema da
cultura ocidental. As Cartas Persas (1721) de Montesquieu são
talvez uma das obras mais conhecidas deste tipo de procedimento da razão
iluminista europeia. De facto, este documentário parece tributário desta linha
crítica do pensamento ocidental que procura encontrar, na visão do outro, um
espelho que nos permita ganhar distância e pormo-nos em causa a nós próprios?
Sem pôr em causa esta preocupação pelo
espelho, sobretudo, quando este nos ajuda a ganhar distância e a conhecermo-nos
melhor, não haverá outras formas – porventura mais eficazes e descentradas de
nós próprios – de dar voz àqueles que não têm voz? Sem a pretensão de responder
a uma questão que só quem domina a linguagem dos documentários poderá alcançar,
não resisto – por saber que Graça Castanheira vem da Huíla – a citar aqui o
testemunho exemplar de Pereira do Nascimento, um médico português de finais do
século XIX, em Da Huilla às Terras do Humbe (Huíla, 1891). Eis
o que pensavam os habitantes do Humbe acerca dos portugueses brancos, segundo o
registo que publicou:
Os brancos, na sua opinião, não
passam de uns pobres diabos sem beira, nem eira, que não tendo gado nem
plantações nas suas terras emigram para a África, onde passam vida errante
(ova-kankala); vêm ao Humbe carregados de bugigangas, que lhes vendem a troco
de gado, que enviam para as suas terras afim de sustentar os parentes, que não
têm que comer, nem onde cair mortos. Dizem que nós temos habilidade para fazer
coisas bonitas e boas, mas não sabemos criar gado nem plantar mantimentos, por
isso que as nossas terras são áridas e secas, não têm pasto nem se prestam a
ser cultivadas e para não morrermos à fome somos forçados a emigrar, onde, com
o engodo nos artefactos que os seduzem, vamos vivendo à sua custa!
Diogo Ramada Curto
(originalmente publicado aqui)
Documentario profundamente racista.Acabou a luta de classes e agora temos a raça com factor de divisao social e intoletancia.
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