quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Histórias da realidade improvável - 31

Por Sara Sanz Pinto, publicado em 10 Jan 2012
Dois grupos feministas franceses conseguiram abolir o uso do termo “mademoiselle” na localidade de Cesson-Sévigné e querem que a alteração se estenda a todo o país
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Quando estiver em França, tenha tento na língua e não arrisque chamar a alguma mulher “mademoiselle”. É que o termo, que a si lhe deverá soar como uma forma de tratamento educada, já foi banido em todos os documentos formais em Cesson-Sévigné, um subúrbio de Rennes, e corre perigo de vida em todo o país se a batalha for ganha pelas feministas.
A alteração é obra de dois grupos, o Osez le Féminisme e Les Chiennes de Garde, que consideram a expressão “sexista e condescendente”, uma vez que faz a distinção entre mulheres solteiras e casadas. Talvez nascida em tempos como um sinal de alerta para os homens, a palavra deriva da expressão “damsel” e é equivalente ao “miss” em inglês.
A fúria é inflamada pelo facto de, para os homens, existir apenas uma forma de tratamento: o “monsieur” (“mr.” em inglês). A expressão “damoiseau”, antigamente reservada aos homens solteiros, há muito que caiu em desuso. Outra questão, que deixa ainda mais furiosas as defensoras da abolição da palavra, prende-se com o facto de “mademoiselle” ter origem no termo virgem e, por isso, arrastar consigo um conjunto de conotações. “[A palavra] obriga as mulheres a expor a sua situação pessoal ou familiar”, argumenta Julie Muret, líder do grupo Osez le Féminisme, à revista “Time”. “Poderá parecer um detalhe, mas é muito simbólico no que toca às desigualdades”, acrescenta.
Para a língua portuguesa, que não tem palavra que corresponda à expressão francesa, a guerra dos termos formais poderá soar-nos algo excessiva. Estamos habituados ao tratamento informal de “menina” e “senhora” – e a que o troquem volta e meia – e ouvimo-lo como um barómetro da aparência física. No entanto, para as activistas francesas, o uso de “mademoiselle” obriga à separação das mulheres em duas categorias. E ainda mais: ou se refere às mesmas como demasiado novas para casar, ou, após uma certa idade, como demasiado velhas para o conseguirem fazer, o que, no segundo caso, poderá envolver algum estigma. Algo que não terá dado muitas dores de cabeça a Coco Chanel que, quando lhe perguntaram porque não se tinha casado com o duque de Westminster, respondeu: “Já existiram muitas duquesas de Westminster. Chanel só há uma.” E até tem um perfume que eterniza para sempre a sua condição: Mademoiselle.
“Há cinco anos que me chamo a mim mesma ‘madame’, porque ‘mademoiselle’ não parece ser sério quando nos estamos a candidatar a um emprego ou a lidar com um banco e leva a que sejamos tratadas como se ainda fôssemos adolescentes”, conta Aude, de 29 anos, num outro artigo da revista “Time”. “Das primeiras vezes que usas o madame é um pouco doido, porque estás a sugerir a toda a gente que és casada quando não és. Isso pode ser desconfortável, mas a reacção geralmente compensa – especialmente com homens atiradiços que, de outra forma, se fariam a ti. Além disso, penso que é preferível as pessoas acharem que sou casada do que pensarem que sou uma rapariga jovem à caça ou uma mulher velha em desespero”, acrescenta.
Apesar de vir de antes, a luta destas feministas intensificou-se após Dominique Strauss-Kahn ter sido acusado por uma empregada de hotel de violação . A queixa contra o antigo director do Fundo Monetário Internacional acabou arquivada, mas serviu como exemplo, segundo estes grupos, do tipo de conivência colectiva e indiferença para com as agressões sexuais que as mulheres francesas podem sofrer.

Outros grupos feministas dizem que, em vez de estarem a perder tempo com questões de formalismo, o esforço das activistas devia estar centrado no combate a um certo tipo de atitudes e abusos dos quais as mulheres são vítimas todos os dias em termos sociais, económicos, políticos e físicos.

jornal i, de 10/1/2012

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