«Claude morava num décimo nono andar com vista sobre o Atomium, no que em
tempos fora um bairro luxuoso. Quando a fé nas virtudes da fissão nuclear se
transformara em desconfiança – e, depois, em claro ressentimento – o próprio
Atomium, símbolo dessa fé, decaíra. Sem que alguém o amaldiçoasse publicamente,
transformara-se, de certo modo, na memória palpável de um trágico erro humano.
Ainda, todos os anos, os governos do mundo inteiro se reuniam para discutir
projectos de descontaminação; ainda as vítimas de sucessivos acidentes em
centrais encerradas e enterradas iam morrendo lenta e dolorosamente; ainda
havia países cuja economia não se recuperara das devastações provocadas pelos
deslumbramentos suicidas do século XX. As luzes do Atomium tinham-se apagado
para sempre e aquela zona da cidade perdera a preferência da alta burguesia; no
entanto, quem lá tinha casa dava-se por satisfeito. Do décimo nono andar de
Claude, a vista era desafogada, e, à noite, bonita.»
João Aguiar, O Jardim das Delícias,
2005
Em
1958, o meu pai meteu-se num carro com uns amigos e foi a Bruxelas ver a Exposição
Universal e Internacional. Até o nome é curioso: por muitas razões que o
expliquem, existir uma exposição que é, em simultâneo, universal e
internacional constitui um feito notável. Quase tão notável como Vila Nova de
Poiares ter sido declarada, em todo o sistema solar, «Capital Universal da Chanfana». O senhor presidente da edilidade, depois de muito cogitar, terá
achado que «capital mundial» era pouco, possivelmente por causa da concorrência
desleal da chanfana mixordeira cozinhada em Saturno ou em Marte. Vai daí, aprovou a
solene proclamação, afixada em grandes outdoors
do concelho: «Poiares, Capital Universal da Chanfana».
Ainda
conservo o mapa que ajudou o meu pai a orientar-se naquela disneylândia de
nacionalismos acampada em Bruxelas, e onde assinalou meticulosamente os
pavilhões visitados ou a visitar: do Brasil, da Alemanha, dos Estados Unidos,
do Japão, do Irão e doutras terras que hoje andam muito turbulentas.
Poucas exposições terão criado um
objecto tão estranho como o Atomium. Vi-o algumas vezes, incluindo os
seus interiores tubulares, há já muitos anos. Na altura, o Atomium acusava sinais de séria degradação, assemelhando-se
a uma nave intergaláctica vinda de terras longínquas, como Marte ou Vila Nova
de Poiares, que se despenhara ali, no Parque Heysel, a sete quilómetros a
nordeste de Bruxelas. Regressei há pouco ao Atomium, estando o edifício ou
como-lhe-queiram-chamar todo remodelado e novinho em folha. Mistura agora a galhardia
das novas tecnologias com a nostalgia rétro
dos anos cinquenta. A Bélgica, que muitos ainda julgam ser o le plat pays pardacento e húmido cantado
por Brel, teve uma fase modernista sensacional. Não sei se o termo é original
ou não, mas chamam-lhe «modernismo lúdico», até para adensar o contraste com o
brutalismo cinzento que esmagou bairros inteiros de Londres e doutras capitais.
No modernismo lúdico, em voga por volta dos anos da Expo’58, predominam as cores, muitas e variadas,
vivíssimas e berrantes. Em algumas obras de banda desenhada, em especial nas de
Spirou e Fantásio desenhadas por Franquin, deparamos com alguns exemplos desse
modernismo lúdico. A coisa é tão alegre e joie
de vivre que mereceu uma exposição apresentada no Atomium, está visto. A
mostra deu lugar a um livrinho encantador, da autoria de Caroline Breckmans,
Pierre Bernard e Anne-Sophie Walazyc, mas os danados dos belgas são muito
ciosos das imagens pelo que só consegui extorquir algumas da Internet. Vi a
exposição do modernismo lúdico, mas pelo que me lembro não deixavam tirar
fotografias, ao contrário do que sucede com o nosso bondoso MUDE, onde permitem
o registo fotográfico das exposições temporárias, como uma que lá está até 2 de
Novembro e que recomendo muito: O respeito e a disciplina que a todos se impõe.
Voltemos a 1958, ano em que muita coisa
se passou no mundo: o general de Gaulle regressou ao poder, o Papa Pio XII
faleceu, o submarino atómico americano Nautilus
alcançou o Pólo Norte, a China deu um grande salto em frente e caiu de costas. Pelas
mãos da empresa Mattel, a Barbie viu a luz do dia, tendo nascido já mulher
feita. E, uma vez que falamos de comércio, a 1 de Janeiro de 1958 entrou em
vigor o tratado que instituía o Mercado Comum. A Bélgica assistiu ao fim da
«guerra escolar» que dividira o partido católico à esquerda anticlerical,
averbando outros triunfos: um belga, o padre dominicano Dominique Pire, ganhou
o Nobel da Paz. A Volta à França foi ganha por um luxemburguês, Charly Gaul, o
que deve ter dado algum gozo aos belgas, espezinhados por décadas de anedotas
vindas do hexágono pedante. Outra vingança: o Prémio Goncourt foi conquistado por um
belga, o escritor Francis Walder. A União Soviética financiou a construção da
barragem de Assuão e creio que basta estar a copiar tão descaradamente as
primeiras páginas do livro de Pierre Stéphany, 58. L’expo, editado em Bruxelas em 2008. Este e outro, de France
Debray, Expo 58. Le grand tournant,
são os melhores livros que conheço sobre a Exposição de 1958, tendo o primeiro
a vantagem de ser mais informativo e o segundo a virtude de estar mais
profusamente ilustrado (e vir acompanhado de um filme em DVD, Rétrospective 58, de R. Vercruyssen).
Mais vocacionado para o Atomium, há também um livrito que se vende dentro do
próprio edifício, mas de menor interesse e volume.
A Exposição de 1958 foi importante por
várias razões. Desde 1948 que se falava em fazer uma exposição universal, mas considerou
a prudência que ainda era cedo, não haviam sarado as fundas feridas da
guerra. Em 1951 tomou-se a decisão final: a Expo seria em 1958. Ela marca,
portanto, a reconciliação entre povos desavindos de morte. Tratou-se do
primeiro grande momento de encontro, nem sempre fácil, da nova ordem mundial. Agora,
os tempos eram outros, sendo também distintos os actores dos confrontos. A Expo
celebrava a concórdia universal e a paz mundial numa altura em que a Guerra
Fria poderia aquecer a todo o instante, e devido aos poderes do átomo. Já tinha
havido a revolta na Hungria, em 1956, pouco depois o mundo estaria à beira do
abismo por causa de umas ogivas nucleares instaladas em Cuba. Para
aumentar a ansiedade – the age of anxiety,
assim lhe chamou o enorme Auden – bastaria a lembrança de que estes encontros internacionais nem sempre deram bons
frutos: em Paris, 1937, o embate frontal entre os mastodônticos pavilhões
alemão e soviético fora premonitório da tragédia subsequente. De resto, a
última exposição antes da Expo’58 tivera lugar em Nova Iorque, no ano de 1939 –
e no preciso momento em que as tropas alemãs invadiam a Polónia.
A organização da mostra foi deixada ao
homem mais condecorado da Bélgica, o barão Georges Moens de Fernig, sem
coloração partidária e, talvez por isso, uma personalidade com imenso
prestígio. Em 1935, fora o mais jovem magistrado do país; mais tarde, escapou
por pouco à deportação nazi e, ainda mais tarde, seria por duas vezes ministro.
Nessa qualidade, havia sido o responsável pela aplicação na Bélgica do Plano
Marshall. Em 1935, quando Moens de Fernig começara a carreira na magistratura, a
exposição de Bruxelas tivera 26 países representados numa área de 80 hectares.
Agora, em 1958, e durante seis meses, estariam presentes 51 países, numa área de 200
hectares. O facto de os cinco continentes se mostrarem em Bruxelas era outro
sinal de que o mundo mudara. É também sintomático que se tenha escolhido a
Bélgica como palco do primeiro grande reencontro internacional após a 2ª Guerra.
No fundo, tratou-se da mesma razão pela qual a Bélgica alberga hoje os
organismos oficiais da União Europeia e os comandos da NATO. Na Bélgica chove,
mas não aquece nem arrefece. Não tendo a mania dos neutralismos da Suíça,
estando centralmente localizada e sendo bem servida de transportes, a Bélgica é o local
perfeito para receber eventos ou endereços internacionais. Em termos
geopolíticos está assim como Magritte para a pintura: demasiado óbvio, mas não
inteiramente desprezível. Desprezível foi, essa sim, a política urbanística levada
a cabo no pós-guerra – e nos anos cinquenta, em especial – que, em nome do
«prático» e do «funcional», esventrou uma cidade com túneis e avenidas, arrasou quarteirões de História. A sanha foi tal que leva um nome:
«bruxelização». Até o Atomium quiseram destruir. Salvou-se de um cruel destino,
o mesmo não acontecendo com uma belíssima obra de Le Corbusier, o Pavilhão Philips, um aracnídeo parabólico em betão pré-fabricado. Também foi abaixo
outra peça de grande volume, a Flecha do
Engenho Civil, com arquitectura de J. Van Doosselaere, seguindo desenho
do escultor Jacques Moeschal e projecto de engenharia de A. Paduart. A flecha,
como um avião supersónico, elevava graciosamente os seus 80 metros de
comprimento a 36 metros do solo. Uma leveza picante, deveras impressiva.
J. Van Dosselaere, Flecha do Engenho Civil
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Le Corbusier, Pavilhão Philips
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Com 15.000 operários prestes a lançar
mãos à obra, a primeira pedra da Expo’58 foi inaugurada em 1955 pelo rei Balduíno,
muito novito, na presença de 2.000 convidados. Quando as altas entidades abandonaram
o local selecto, a turba quis ver a pedra, e de perto. Ora, como os belgas são
muito mexilhões, tanto manusearam a pedra que esta saiu do lugar competente, sendo
arrastada uns metros devido à curiosidade alheia. No dia seguinte, voltou
às origens, sendo cimentada em definitivo.
A
Expo’58 abriu a 17 de Abril, sob céus plúmbeos. Como é evidente, choveu. O
primeiro a entrar no recinto foi um americano, que acampara à porta desde a
antevéspera. John Carl Studer viera de El Paso, no Texas, só para ser o
primeiro a pôr os pés na Expo’58, trazendo consigo uma utopia bonita: propunha ele
que se fizesse um referendo à escala mundial para que todos os povos do
universo se pronunciassem sobre o futuro do átomo.
O átomo era o tema da época, de facto.
Sendo minúsculo, tanto anunciava um futuro radioso para a Humanidade como a
ameaçava de morte. Tão pequenino, infinitesimamente minúsculo, poderia
transformar a Terra inteira num cogumelo de gases e poeira semelhante ao que
arrasara duas cidades japonesas. Todas as exposições, sejam universais ou apenas
internacionais, trazem consigo mensagens banais, seja sobre um «novo
humanismo», seja sobre a paz e a concórdia entre os países. Com esse pretexto, cada
qual busca afanosamente fazer propaganda do que de melhor tem para mostrar ao
mundo. Nesse sentido, estas jornadas acabam por ter a sua graça, já que revelam
muito da auto-representação de cada país ou, mais ainda, daquilo que cada Estado
acha que «vende» no estrangeiro. Para usar palavras de hoje, daquilo que é
«impactante» aos olhos dos outros. Portugal, em pavilhão projectado pelo
arquitecto Pedro Cid, levou o catecismo com que São Francisco Xavier
evangelizara os povos asiáticos e outra peça sagrada: Amália Rodrigues. No
excelente blogue Restos de colecção
encontra-se um bom apontamento sobre a presença portuguesa em Bruxelas, com
fotografias de Mário Novais, belíssimas, pertencentes à Biblioteca de Arte da
Gulbenkian.
O Pavilhão de Portugal
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Os
americanos vieram a terreiro com uma das poucas construções que ainda hoje se
conservam. Um gigantesco anel poligonal sustentado por 72 colunas de 22 metros
de altura. À grande, como aconteceria em Sevilha, muitos anos depois, com um
dos pavilhões mais desinteressantes que por lá vi. Desenhado pelo arquitecto
Edward D. Stone, com uma surpreendente abertura no tecto, o edifício não trazia, ao contrário do que é costume,
estatísticas esmagadoras ou máquinas gloriosas. Celebrava o american way of life, apresentado num estonteante écran circular,
um Circaram. A par disso, as
primeiras televisões a cores, sodas e ice-creams.
Muito apropriada para estas ocasiões, uma obra de Calder, em equilíbrio
estável: Whirling Ear, que por um
estranho acaso, daqueles que só ocorrem na Bélgica, ficaria perdida após a desmontagem da festa, só sendo
descoberta quarenta anos depois nas caves do Museu de Arte Moderna de Bruxelas.
Os soviéticos, como era hábito, não brincaram: uma colossal estátua de Lenine e, como era óbvio, o grande trunfo da altura, uma réplica do Sputnik. A presença das ditaduras ibéricas foi contestada, o que não impediu a realização de uma «jornada espanhola», que se iniciou com uma missa celebrada no pavilhão da Santa Sé, na presença de Carrero Blanco. O edifício português, ainda em obras, fora visitado por Marcello Caetano em 1957, na qualidade de ministro da Presidência.
O Pavilhão da URSS
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Os soviéticos, como era hábito, não brincaram: uma colossal estátua de Lenine e, como era óbvio, o grande trunfo da altura, uma réplica do Sputnik. A presença das ditaduras ibéricas foi contestada, o que não impediu a realização de uma «jornada espanhola», que se iniciou com uma missa celebrada no pavilhão da Santa Sé, na presença de Carrero Blanco. O edifício português, ainda em obras, fora visitado por Marcello Caetano em 1957, na qualidade de ministro da Presidência.
O país-anfitrião vivia tempos
diferentes daqueles que agora atravessa. A dilacerante fractura entre flamengos
e valões não se colocava com o dramatismo inflamado dos nossos dias. A francofonia era de tal forma hegemónica que
nem sequer se colocou o problema de contemplar a Flandres, ainda que, após
vários protestos, protagonizados por Wilfried Martens e outros, a organização
tenha cedido, permitindo que um dia da mostra fosse consagrado aos flamengos.
Os cartazes e letreiros apresentavam-se nas duas línguas mas basta uma
estatística singela para percebermos como era a Bélgica de então: dos 70
arquitectos belgas ligados à Exposição, apenas sete eram de origem flamenga.
Também já existia criminalidade – a mostra abriu a 17 de Abril e logo no dia
seguinte foi capturado o primeiro carteirista em flagrante delito (o memorável Pickpocket estrearia no ano seguinte).
Mas nada disso se comparava com os nossos dias, as tueuries du Brabant, os escândalos de corrupção ou os horrores pedófilos de Marc
Dutroux. Com isto não se pretende fornecer um retrato nostálgico da Bélgica nos
anos 50. O país ainda não fora confrontado com questões que agora o envergonham,
como a evocação do fantasma do Rei Leopoldo e das carnificinas perpetradas no
Congo. Pelo contrário, existia uma ampla área – 75.000 metros quadrados – reservada
ao Congo Belga, sem que isso, segundo sei, tivesse suscitado crítica por parte
dos países convidados (porém, há quem assegure que a Expo’58 foi um catalisador
fundamental para a independência do Congo, que ocorreria poucos anos depois). Nessa
área, uma escultura monumental de Arthur Dupagne reproduzia dois corpos de
ébano desproporcionadamente musculosos.
Arthur Dupagne
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O colonialismo era tão pacificamente
assumido que até estava presente no emblema da exposição. Expliquemo-nos. Para
os cartazes da Expo’58, Lucien de Roeck desenhou uma célebre estrela:
As cinco
pontas da estrela simbolizam, em simultâneo, os cinco continentes e o 50º aniversário da
«doação» do Congo à Bélgica. Isto está dito sem qualquer receio no livro que
serve de guia aos visitantes do Atomium. E muito bem, significa que não
escondem a História. Simplesmente – e esse é o ponto que aqui se quer salientar
–, tal significa que, em 1958, um país-anfitrião de uma Exposição Universal e
Internacional podia assumir, sem receio de represálias ou boicotes, a sua
condição de colonizador. E tudo isto numa altura em que desde há décadas se
conheciam as atrocidades praticadas no Congo, de que já falámos aqui, numa
campanha internacional de denúncia em que participaram desde Mark Twain a Conan
Doyle. A escultura lá esteve, sem incidentes. A par delas, obras de Henri
Moore, Antoine Pevsner, Jesus Soto ou Olivier Strebelle, que para a Expo’58
assinou Cheval Bayard, a maior
escultura em cerâmica até então feita, internacional e universalmente.
Cheval Bayard
|
A exposição foi um sucesso estrondoso,
com 42 milhões de visitantes. No discurso de inauguração, Balduíno falaria da
necessidade de instaurar um «novo humanismo». Esta era a fase em que, após o
choque de Hiroshima e Nagasáqui, se buscava uma relação mais harmoniosa entre
ética e ciência, demanda que ainda hoje perdura, sem resultados à vista. Havia a consciência de que a
ciência poderia levar a Humanidade para caminhos que nunca haviam sido
trilhados, veredas que poderiam conduzir autodestruição total.
Não apurei as razões que levaram o
jovem engenheiro André Waterkeyn a propor ao barão Moens de Fernig, em 1955, a
construção de um edifício evocativo dos movimentos atómicos, o que poderia ter
sido considerado um objecto de mau-gosto numa altura em que tanto pânico
existia em torno da possibilidade de eclosão de uma guerra nuclear. Inclusivamente, o Japão poderia ficar
ofendido com o Atomium. Bem, o certo é que o barão, sempre pragmático, aceitou a audaciosa
proposta, colocando uma condição cautelosa: o projecto deveria ser financiado
exclusivamente por entidades privadas ou por quem quisesse embarcar na
construção de uma estrutura feita em alumínio e aço, simbolizando uma molécula
de ferro aumentada 165 biliões de vezes (ou seria bilhões?). À época, o
elevador do Atomium, deslocando-se a uma velocidade 5 metros por segundo, era o
mais rápido da Europa. Quanto a estatísticas, e reportando-nos a números já
pós-reparações feitas em 2004-2006, temos uma altura de 102 metros e um peso de
2.400 toneladas. As esferas foram desenhadas pelos arquitectos André e Jan Polak, cada qual possuindo 18 metros de diâmetro. Os elevadores eram
dos mais altos da Europa, com 35 metros de altura, percorridos a uma velocidade
alucinante. O átomo simboliza a energia mas também a união – ou, se quisermos,
a energia fornecida pela união dos átomos. La
force par l’union, palavras do engenheiro que o imaginou. Um signo
importante para um festival que celebrava a harmonia e a concórdia entre os
povos do mundo.
O Atomium, como se disse, entrou depois em
colossal declínio, tendo exigido profundas obras de remodelação, as quais
tiveram lugar entre 2004 e 2006. A nova cenografia esteve a cargo do designer
alemão Ingo Maurer, que fez um belo trabalho, introduzindo elementos mais modernos mas mantendo o espírito e a tonalidade nostálgica dos anos
cinquenta. No fundo, aquilo que faz do Atomium um objecto tipicamente belga: sem alimentar a pretensão de ombrear com a graciosidade monumental da Torre
Eiffel, ainda assim tem-na em mente; do ponto de vista
estético, é assim-assim, mas achamos-lhe graça, sendo ao mesmo tempo ágil e
pesadão; é extremamente funcional sem servir para função nenhuma. Bem vistas as
coisas, as bolas do Atomium talvez tenham uma função, como bem me lembrou a
minha filha Leonor: a par do pico da Torre Eiffel, servem de palco às mais
idiotas fotografias turísticas da Europa continental, com os retratados a
fingirem que têm as esferas atómicas nas palmas das mãos (em Nova Iorque, é fatal o
cigarrinho aceso na tocha da Liberdade). Tirando isso, o Atomium de pouco serve
– e nem sequer é um monumento que surpreenda pela sua beleza. Engraçado, um
pouco pesado, e pronto. Mais belga do que isto não há. Gostamos dele,
achamos-lhe graça, estamos bem lá dentro, desfrutando de um conforto prático que é fornecido
por influências alheiasm, que a Bélgica sempre soube absorver: o alemão Ingo Maurer, o fabricante de mobiliário
Vitra, igualmente germânico (rectius, suíço-alemão), que por sua vez se inspirou numa obra original de um
arquitecto americano, George Nelson...
Pelo
recinto da Expo’58 passaram diversas celebridades, de Elizabet Taylor a Sophia
Loren ou Jayne Mansfield, de Georges Simenon a Orson Welles e Kirk Douglas,
incluindo ainda Alain Delon ou Romy Schneider, esta acompanhada da mãe. Outras personagens
históricas, como Konrad Adenauer ou Grace do Mónaco, a princesa Margarida de
Inglaterra, Herbert von Karajan, Karl Böhm, Elizabeth Schwarzkopf. A lista é longa.
Além
do meu pai, a Exposição Universal e Internacional de Bruxelas teve mais 41.454.411
visitantes. Com tanta gente, houve de tudo: o visitante mais idoso tinha 105 anos, no
interior da Exposição nasceram oito crianças. Verificaram-se 27 tentativas de suicídio,
2.000 crianças perderam-se no recinto, ocorreram cinco mortes acidentais.
Anos depois, em
29 de Maio de 1985, a poucos metros do Atomium, os distúrbios no Estádio do
Heysel provocariam 39 mortos e 600 feridos.
António Araújo
Muito bom.Obrigado.Fiquei apenas com uma dúvida:A Belgica na altura era mesmo e ainda um país com colonias assim como outras que la estavam, portanto não podiam mesmo esconder esse fato.Creio que havia pelo contrario um certo orgulho em mostra-lo.Não?Seria mais surpreendente que não tivessem problemas em falar na hipotese de lutas pela independencia das mesmas.
ResponderEliminarA questão, como sabe, é complexa, mais daquilo que deixo transparecer no texto. Importa ter presente, por exemplo, a deslocação de Balduíno ao Congo, em 1955. E a proposta que lá fez...
EliminarO que pode ser singular é o facto de apesar do independentismo já estar em ascensão e de se saber desde há muito o que fora feito no Congo Belga, até pelas denúncias que refiro, não existir uma contestação à Expo'58, pelo menos muito significativa. Foi difícil «convencer» a URSS a estar presente, mas por outras razões.
Muito obrigado pelo seu comentário
Cordialmente,
António Araújo
O México já recuperou o Texas?
ResponderEliminarCreio que o texto foi modificado, não?
ResponderEliminarSim, corrigi entretanto. Obrigado.
EliminarAntónio Araújo
Eu rendo-me ao texto. Não deixo criticas. Fiquei com vontade de regressar a Bruxelas e voltar ao Atomium. Passou-me pela cabeça comer lá uma chanfana...mas chanfanas é um pouco pesado, não?
ResponderEliminarApenas um pequeno comentário lateral: Poiares declarou-se "capital universal da chanfana", em disputa com o concelho vizinho de Miranda do Corvo, que há muito reinvidica o nascimento do petisco, relegando Poiares a capital dos caçoilos de bairro onde se cozinha a dita. Enfim, a chanfana nasceu por ali, pelas serranias de Coimbra. Crónicas de provincia.
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