PETIÇÃO
INICIAL DE ACÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO CONTRA O ESTADO PORTUGUÊS
Exmo.
Senhor
Doutor
Juiz Auditor da
Auditoria
Administrativa de
LISBOA
Franklin
Duarte Pedro de Sousa e Mello, solteiro, menor, estudante, com domicílio em Lisboa,
vem, representado por seu pai Henrique Formozinho de Sousa e Mello, casado,
advogado, com escritório em Lisboa, intentar acção de indemnização contra o
Estado Português nos termos e pelos seguintes fundamentos:
1º
O
A. Franklin completou, no ano lectivo de 1973/1974, no Liceu Nacional de
Cascais, o sétimo ano dos Liceus.
2º
Fê-lo
em condições legais de poder ascender à Universidade sem prestar exame de
admissão e
3º
Propondo-se
ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Todavia
4º
Constatou
que a sua matrícula não se pôde efectuar e que a mesma Faculdade está
encerrada. Ora,
5º
−
É óbvio que esta situação lhe causa grande prejuízo. Assim
6º
Requereu
ao Senhor Ministro da Educação e Cultura que se dignasse ordenar a imediata
abertura daquela Faculdade e a efectivação da matrícula pretendida, mas soube
pelo comunicado feito oportunamente ao País que tal requerimento fora
indeferido. Ora,
7º
Apercebe-se
perfeitamente o A., por serem de conhecimento público, das dificuldades que se têm,
deparado ao Governo neste problema de educação. Mas,
8º
A
verdade é que não é ao A., mas sim ao Estado, que incumbe resolver o problema.
9º
Quer
com requisição de edifícios particulares para se solucionar o problema dos
alojamentos.
10º
Quer
com a instalação em quartéis ou em edifícios públicos devolutos.
11º
Quer,
o menos aceitável, adoptando-se o sistema de «tele-escola».
12º
Quer,
dada a falta de docentes, requisitando, no que concerne a Direito, advogados,
magistrados, conservadores e notários mais qualificados para leccionarem (além
do reforço constituído pelos milicianos licenciados que regressem de África).
13º
Quer,
a menos democrática das soluções, mas de salvação pública, militarizando a
Universidade; por exemplo, o requerimento de ingresso (matrícula) funcionaria,
também, como pedido de prestação de serviço militar voluntário, sujeitando os
estudantes ao foro militar e à dignidade de membros das Forças Armadas. De
facto,
14º
O
Estado tem obrigação moral, jurídica e de respeito para consigo próprio, de
resolver um problema para a solução do qual se tem de mostrar, como se
pressupõe, capaz.
15º
A
educação e a cultura, a formação de técnicos, de humanistas, de profissionais
de toda a espécie, é uma das atribuições mais importantes de qualquer Governo.
Portanto,
16º
Repugna
ao A. estar decorrido o 1º período sem que se saneie a patética situação em que
se vive. Ora,
17º
De
harmonia com os preceitos dos artigos 12, 42, 43 e seu § 3º, entre outros, da
Constituição Política da República, preceitos estes mantidos em vigor pelo
Programa do Movimento das Forças Armadas e por legislação posterior, tem o
Estado e, portanto, o Governo, a obrigação expressa de:
− Fornecer
educação e formação profissional aos cidadãos;
− Manter
os diversos graus de ensino e
− Os
estabelecimentos indispensáveis a tal manutenção, etc.
18º
Em
matéria da «instrução», como então se chamava à «educação», dizia Trindade
Coelho: «O Estado não se importava, outrora, absolutamente nadam senão da
instrução das classes elevadas». Mas, prosseguia:
19º
«Quanto
mais se desenvolveu a ideia democrática, mais se reconheceu a necessidade de
pôr a instrução ao alcance de todos. Fez-se mais: em nome da igualdade,
proclamou-se a obrigação geral para todas as famílias, de dar a cada um a
instrução possível.»
De
resto,
20º
A
instrução superior nunca foi livre, pois a lei de 15 de Junho de 1970, embora
nunca revogada, sempre foi letra morta; abusivamente centralizada, sempre
funcionou, portanto, como coutada dos governos.
21º
Modernamente,
Mao-Tsé-Tung, talvez por julgar que «a revolução não é um convite para jantar
ou a composição duma obra literária», sustenta que «um partido político ou um
Governo que dirige um grande movimento revolucionário não pode conquistar a
vitória sem compreender profundamente o movimento prático» (Pensamentos)
22º
Esse
movimento prático, designadamente, refere ele ao dizer:
«Os
jovens devem estudar e trabalhar, mas como eles se encontram na fase de
crescimento físico, há que prestar toda a atenção tanto ao seu trabalho como à
sua actividade recreativa, desporto e descanso» (Pensamentos).
E
acrescenta:
23º
«A
auto-satisfação é inimiga do estudo. Se queremos realmente aprender alguma
coisa devemos começar por nos libertar disso. Devemos ser insaciáveis na
aprendizagem e, com relação aos outros, insaciáveis no ensino. (Pensamentos)
24º
Parece
inevitável concluir-se que o Estudo, a Cultura, a Educação, são aspectos
básicos de qualquer revolução. Logo
25º
Impedir,
sob qualquer justificação, a abertura das Escolas, é contra-revolucionar. Por
outro lado,
26º
Não
pode o Governo queixar-se, como o vem fazendo, de superabundância de candidatos
aos primeiros anos das Faculdades, uma vez que foi ele que concedeu
revolucionariamente regalias especiais de passagens e facilidades de acesso de
que se não pode lamentar, nem com base nelas negar direitos elementares.
27º
Nem
tão-pouco lhe é possível, atrabiliariamente, vir negar ou destruir «direitos
adquiridos» − por exemplo: os candidatos que mercê da sua classificação
e do seu trabalho têm acesso às Faculdades, sem necessidade de prestarem
exames de admissão estão ora em riscos de terem de qualquer forma de os
efectuar e, ainda mais, de verem «a prestação de serviço cívico» como «condição
de preferência». Ora
28º
Aqueles
que não prestem este «serviço» porque são empregados ou porque, por exemplo,
serão mais úteis ajudando o pai no escritório, na oficina, na fábrica ou no
consultório, não devem, obviamente, ser prejudicados:
29º
As reacções, compreensíveis, à «solução»
governamental bem revelam a repulsa do país inteiro.
30º
O
Partido Popular Monárquico, aliás de tendências esquerdistas, condena o cancelamento
das matrículas no 1º ano das Universidades pois tal medida acarretará graves
inconvenientes para o País e frustração de muitos jovens.
31º
Este
partido político afirma ainda: «Compreende-se as dificuldades encontradas pelo
Governo Provisório, o que não se compreende é que se adie para o próximo ano
lectivo um problema que então ainda mais grave se tornará.»
32º
Propõe
este Partido que as aulas comecem reduzindo-se o período de férias, etc.
33º
Por
seu turno os estudantes de Medicina da Faculdade respectiva da Universidade do
Porto propõem, através dos Núcleos Sindicais de Medicina, a entrada imediata de
todos os candidatos do 1º ano. Acresce que
34º
A
deliberação do Governo é anti-constitucional e as próprias palavras com que o
Senhor Ministro anunciou ao País a espantosa notícia bem o revelam.
35º
As
quais, na boca do seu Secretário de Estado do Ensino Superior, assumem
alucinantes aspectos de «desvio de poder».
Por
exemplo:
a) Já
que não podem funcionar todos os 1ºs anos, não funciona nenhuma;
b) Foram
as facilidades dadas este no que geraram a actual situação;
c) Permite-se,
sem aulas e com serviço cívico, levar os jovens junto das massas trabalhadoras,
etc.
36º
Esquecem-se
Suas Excelências dos estudantes empregados, daqueles que se desiludirão por
verem um ano perdido (ou mais), daqueles que tanto lutaram pelos exames «ad
hoc» e agora se vêm frustrados.
37º
Olvidam-se
ainda de que assim criam monopólios odiosos que favorecem os actuais profissionais
que daqui a 5 ou 6 anos não terão mais alguns milhares de colegas a «concorrerem» com eles.
38º
Se
o Estado considera seu privilégio, seu «poder-dever» o ensino superior, não
pode encerrar as Universidades, sem permitir, imediatamente, a abertura de
Universidades particulares. Por outro lado
39º
Certamente
o Governo não pensou que, tomando tão «terrível» deliberação, atacava a
segurança da própria família como fonte de conservação, o desenvolvimento do povo
português como base primária da educação, d disciplina e harmonia social, etc.
(art. 12º da Constituição Política da República Portuguesa) criando conflitos
entre os pais, que não querem que os filhos estudem e do «impasse» se
aproveitarão, e os filhos que não desejam estudar e se utilizarão do mesmo para
ludibriar os propósitos paternais.
40º
Para
já, a decisão superiormente tomada causa ao A. a perda de um ano lectivo, cujo
prejuízo não se poderá computar em menos de 150 000$00 neste período
lectivo de 1974/1975. Assim
41º
É
esta a importância que o A. pede ao R. e
42º
Assim
sucessivamente se, em anos seguintes, a situação se mantiver. Mas
43º
Salientando-se,
desde já, que serão também imputáveis ao Estado os prejuízos resultantes de uma
impossibilidade futura da obtenção do curso de Direito, o que terá, obviamente,
de se apreciar em nova acção. Assim
44º
E
porque o Estado, com acto da sua gestão, violou o direito do Autor de se
matricular, estudar e iniciar curso de formação profissional superior, deve
indemnizar o A. com a quantia de Esc. 150 000$00 tanto quanto se atribui
como prejuízo pelo atraso ora sofrido.
45º
A.
e R. são os próprios e partes legítimas
e o Tribunal solicitado é o competente pois que a acção em caus teria nele que
ser proposta (artº 820 – nº 7 e 8 do Código Administrativo e Lei Orgânica do
S.T.A. artº 17) e sendo condenatória para efectivar a responsabilidade extracontratual
da Administração por danos resultantes de actos de gestão pública (Código
Administrativo alínea b) do § 1º do
art. 15º)
Nestes
termos e nos mais de Direito, requer a V. Exª que, autuada esta, se digne
mandar citr o R., na pessoa do digno Agente do Mº Pº para contestar, querendo,
no prazo e sob a legal cominação, seguindo-se os demais termos até final.
VALOR:
150 000$00 (cento e cinquenta mil escudos)
JUNTA:
Duplicados legais
O
Advogado
***
A
encerrar:
Os
estudantes não são «coisas», nem «peças» de um jogo.
É
indiscutível que os homens e as próprias sociedades não são manipuláveis à
maneira dos materiais; é verdade que é frágil e contingente a ordem moderna,
extraordinariamente vulnerável à utilização programada, hábil e deliberada dos
símbolos e que a Universidade só é possível e só se pode fundar na disciplina
voluntária da massa estudantil. Não se ensina nem se aprende sob coacção ou sob
a protecção da polícia, mas também não se ensina nem se aprende encerrando-se
as Escolas.
O
Governo não poderia ferir tão profundamente como o fez as esperanças das gerações
e os sonhos da juventude. Obviamente tornou-se impopular e anti-democrático.
Há crise. Pois sim! Mas, como ensinou
Hegel, «a saúde de um Estado revela-se geralmente não tanto na tranquilidade da
paz quanto no tumulto da guerra».
Ora «democratizar» é educar e não
encerrar as Universidades.
A ciência e a sabedoria, como já alguém
salientou, não podem estar sujeitas a todas as perversões e corrupções de que a
natureza humana é susceptível, nem ao jogo oportuno de políticas de
conveniência ainda que inspiradas em propósitos honestos e sinceros.
Permitam-se as matrículas! O Governo
bem pode demonstrar a sua vitalidade e espírito verdadeiramente democrático,
servidor que seja de uma democracia universalista e não só relativa, partidária
e comprometida.
Tempos felizes em que as universidades serviam para alguma coisa.Depois tudo voltou ao normal e os carneiros aí estão aos montes.Em todas as profissões.
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ResponderEliminarIsto é maravilhoso. Julgo que outro cidadão, uns meses antes, também tinha intentado uma ação contra o Estado, por ter chegado tarde ao escritório por causa de uns carros grandes com uns tubos de ferro, que impediam o trânsito ali para os lados do Rossio.
Passei por lá na altura e tive dificuldades em me matricular também, Um dia apareci fardado e a malta desapareceu da frente e aí matriculei-me no 1º ano.
ResponderEliminarAquilo era o domínio de um tal Barroso e de tal Santana em campos opostos. Era o tempo de RGA e saneamentos ao tipo o povo é quem mais ordena...
Felizmente aborreci-me de não ter aulas e ser confrontado com passagens administrativas e vim-me embora fazer outra coisa mais proveitosa-trabalhar numa empresa.
Sim sr lindo menino que aos dezassete- dezoito anos se aborrece daquela festa e sobretudo de não ter aulas.Tinha de acabar em grande empresario.Pff...
ResponderEliminarApesar dos pesares, eu sempre achei que o saber não ocupa lugar e é sempre útil e bom estudar, Entrei naquela Faculdade de Direito aos quarenta e dois anos de idade e sempre dei-me bem com o saber mesmo que fosse trabalhar em qualquer outro tipo de trabalho. Assim, pois, é sempre melhor do ter os olhos vendados por falta de estudos e conhecimento para além do que é razoável a qualquer ser humano. Ninguém nasce burro e morre mula. Todos nós somos aquilo que fizermos durante a nossa vida.
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