quinta-feira, 26 de maio de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

 

# 5 - FLETCHER HENDERSON

  

A revolução, como Saturno, devora os seus próprios filhos, assim o jazz tragou Fletcher Henderson, o putativo criador do swing que, como todas as gestações, não foi um fiat lux, mas igual à maré que vai subindo onda a onda até se dar por ela cheia.
Enquanto Louis Armstrong e King Oliver, nas tribunas de Chicago, compunham os artigos da constituição do jazz, instaurando uma distinta espécie musical a partir das cláusulas que trouxeram de Nova Orleães, em Nova Iorque também as coisas se agitavam de novidade. Dorthy Parker e seus comparsas ditavam o gosto desde a sua Mesa Redonda no Algonquin Hotel lançando epigramas sobre a cidade; Dempsey derrotava o aperaltado Carpentier diante de 91.000 espectadores, rompendo a barreira do milhão de dólares de bilheteira para um combate de boxe – 3 anos depois, em 1924, George Bellows pintaria com prazer um pouco perverso o murro de Firpo que atiraria Dempsey para fora do ringue – e o rotundo Paul Whiteman, à frente de uma não menos espadaúda orquestra de 28 elementos, soltava o corpo de toda a gente com a sua música de dança, mescla de “syncopation” e temas populares gerados na Tin Pan Alley, temperada com um exótica pitada de jazz pilhada aos negros. Tal era a popularidade e o poderio de Whiteman que em 1924, precisamente, encomendou a um jovem talentoso da Broadway uma composição a que foi dado o nome de “Rhapsody in Blue” – rugiam, portanto os anos 20.
Estava-se neste pé quando Fletcher Henderson abriu o baile no Roseland’s Ballroom com a sua banda inteiramente negra. Embora ainda não apresentasse um programa emancipado e um estilo incomparável, a sua música era mais vernacular, mais desafectada e mais visceral que a do seu rival Whiteman.
 
 

A Study in Frustration
1961 (2015)
Essential Jazz Classics - EJC 55680
Fletcher Henderson, Horace Henderson, Fats Waller (piano), Elmer Chambers, Howard Scott, Rex Stewart (cornete), Red Allen, Louis Armstrong, Emmett Berry, Elmer Chambers, Roy Eldridge, Leora Henderson, Tommy Ladnier, Mouse Randolph, Howard Scott, Joe Smith, Russell Smith, Bobby Stark, Joe Thomas, Dick Vance (trompete), Fernando Arbello, Ed Cuffee, Charlie Green, Jimmy Harrison, J.C. Higginbotham, George Hunt, Keg Johnson, Claude Jones, John McConnell, Benny Morton, Teddy Nixon, Milt Robinson, George Washington, Dicky Wells, Sandy Williams, Al Wynn (trombone), Coleman Hawkins (saxofone alto, tenor e baixo, clarinete), Don Pasqual, Don Redman, Edgar Sampson, Buster Bailey, Hilton Jefferson, Russell Procope, Omer Simeon, Eddie Barefield, Harvey Boone, Lonnie Brown, Scoops Carry, Benny Carter, Carmelo Jejo, Budd Johnson, Chu Berry, Ben Webster, Elmer Williams (saxofone), June Cole, Ralph Escudero, John Kirby, Del Thomas (tubas), Charlie Dixon, Clarence Holiday (banjo), Bernard Addison, Bob Lessey, Lawrence Lucie, Freddie White (guitarra), Israel Crosby, Elmer James, John Kirby (contrabaixo), Sid Catlett, Walter Johnson, Kaiser Marshall, Pete Suggs (bateria).
 
 
Mesmo que só tenha passado por lá durante um ano – 1924, outra vez… – foi o trânsito de Louis Armstrong pela orquestra de Fletcher Henderson que pôs as cartas na mesa e consubstanciou, numa faísca, todas as promessas anunciadas. A sua presença foi mal acolhida: ele atrevia-se ao grotesco o que aborrecia a urbanidade dos nova-iorquinos, repugnados pelo tipo “uncle Tom” do negro sulista. Sobre isto Armstrong alardeava uma pujança e uma intrepidez rudes, pouco dadas a cálculos comerciais. Ser levado a sério era o ponto de honra que músicos negros começavam a granjear, o que a personalidade de Armstrong parecia confundir e cujas nuances só seriam apreendidas bastante mais tarde – nem na década de 70 as entenderam.
Todavia, Armstrong não só trouxe novidade como, sobretudo, soluções. E foi o preponderante Coleman Hawkins quem percebeu tudo o que havia de ser feito: fundear nos blues a primazia harmónica; manusear os metais com uma técnica que lhes oferecesse maior amplitude, mais cor e flexibilidade; plantar as sementes de um movimento rítmico de parada e resposta cujo fruto haveria de ser o swing.
Com um brilhantismo e uma primazia crescentes após o cometa Armstrong, a orquestra de Fletcher Henderson tornou-se numa espécie de Estação Central por onde todos as futuras locomotivas do jazz haveriam de passar. Porém tal glória não tocou a Henderson gozá-la. Há quem diga que foi devido um acidente de automóvel em que ele bateu com a cabeça, o certo é que depois de 1928 a sua liderança tornou-se errática e incapaz de fixar e organizar o talento à sua disposição. Por misericórdia, Benny Goodman viria a empregá-lo como arranjador, papel que cumpriria com aplicação mas sem que nunca mais aquele fulgor, donde se ateou o swing, voltasse a lampejar.
Todas as luzes e sombras da música de Fletcher Henderson foram compiladas em 1961 pelo produtor John Hammond sob o elucidativo título “A Study in Frustration.”
 
 
José Navarro de Andrade
 
 
 
 

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