Conheci
há dias a Céline Gaille, fotógrafa francesa freelancer que vive em Lisboa desde 2014 e se apaixonou pela Feira
da Ladra. Como muitos, vasculha fotografias antigas na Feira, imagens de gente vulgar. O
que não é nada vulgar foi a ideia que teve. Juntou fotografias desirmanadas,
seleccionou-as, e contou uma história imaginária que cruza o Portugal de antes
e depois do 25 de Abril. Sem ódios nem rancores, sem ressentimentos ou paixões
incendiadas. Fê-lo de uma forma twee,
suave e delicada.
A história começa em 1919 e 1979, tem um enredo meio
policiário e somos de tal forma levados pelo encantamento de cartas e episódios
que se produz no nosso espírito uma estranha suspension of disbelief, algo que geralmente só ocorre nos filmes.
Na verdade, este álbum é um filme, com as fotografias colocadas em rigorosa
sequência temporal. E, como espectadores de uma fita, julgamos que as pessoas
que vemos são as mesmas, a crescer adultas e a envelhecer aos poucos. Não, não
são; são fotografias de várias proveniências, de gente muito diversa,
seleccionada pelo olho clínico da Céline que nelas encontrou afinidades capaz de converter tudo isto em algo verossímil. É essa a trouvaille deste projecto, aquilo que impede que o classifiquemos
como um (mais um) divertissement
pós-colonial. Este projecto irá ser mostrado nos Encontros da Imagem, o festival internacional de Fotografia de
Braga. Bem o merece. E merece mais: merece que contribuamos para o livro,
que está na forja na prestigiada The Eyes Publishing, seja publicado. Já um dia
apelei aqui ao crowdfunding a favor
de um trabalho do João Pina. Não sei se ajudou, mas ajudou-me a sentir melhor.
Não conheço a Céline, estive com ela uma vez, quando teve a gentileza de me
mostrar este seu álbum de encantamento. Não sou de «amigos». E cada dia que passa odeio
mais o sectarismo das claques e a cegueira das tribos. Aceita-o, assim se chama o livro da Céline Gaille. Aceitem-no, recebam-no
assim como ele é: lindo. E, se acharem bem, façam com que exista de verdade e veja a luz do
dia. Quanto mais não seja, em homenagem à delicadeza com que uma francesa
tratou dos nossos mortos, juntando-os todos numa história de acasos e desencontros,
enquadrada por um texto da Filipa Lowndes Vicente. Se quiserem ajudar, então é aqui que se
ajuda:
https://www.kisskissbankbank.com/en/projects/accepte-le
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