Acossados
pelo vírus e diante de um novo espectro que ronda a Europa e a economia — a
falência total da generalidade do comércio e de alguns serviços —, os livreiros
independentes de Portugal decidiram juntar forças, associar-se, e partir para a
luta.
Sabemos
todos, como nunca soubemos antes — nem em tempos de guerra nem nos de outras
calamidades globais —, que a luta que vamos ser obrigados a travar é muito
desigual: não sabemos onde estão as armas e não temos um inimigo declarado à
vista.
O
coronavírus, e o rasto de outras infecções e contaminações que ele próprio
produziu e continuará a produzir, espalham-se por aí numa progressão geométrica
avassaladora, contaminando a economia e as nossas vidas. As ruas estão
desertas, e as pessoas, acantonadas em suas casas, não podem sequer ocupar os
seus lugares nas trincheiras. O comércio fechou, às livrarias foi-lhes proposta
a venda ao postigo, hipótese pouco adequada à realidade de uma livraria, e dos
clientes que a procuram. O medo, as incertezas e o recolhimento progridem com a
passagem do tempo.
Não temos
dúvidas de que os governantes terão as melhores das intenções, mas não sabemos
se eles vão conseguir acudir a todas as situações. Acreditamos que os apoios
até podem chegar às pessoas, às empresas e à economia, mas não sabemos se chegará
a tempo, e a todos, nomeadamente às livrarias e ao pequeno comércio.
Pouco
sabemos, mas temos a certeza, isso sim, de que se anunciam tempos bem mais
difíceis do que aqueles que vivemos até ontem.
É diante
desta realidade crua que toma corpo uma ideia antiga, consubstanciada agora num
movimento associativo dos livreiros independentes.
Estamos
convencidos de que este movimento nos permitirá solidariamente atenuar,
primeiro, e ultrapassar, depois, os efeitos da propagação do Covid-19,
principalmente os efeitos corrosivos que o pós-vírus exercerá em crescendo
sobre o tecido social, as finanças, a economia e a vida de cada um de nós.
Sabedores da
importância vital das livrarias independentes na coesão territorial e no tecido
social e cultural do país ao alimentar a matéria de que se faz o pensamento, a
perspectiva, a crítica e a evolução da humanidade, os livreiros independentes
decidiram criar uma rede de cooperação.
Essa rede já
tem um nome: RELI — Rede de Livrarias Independentes.
E tem uma
causa: conjugar esforços para levarmos por diante os nossos projectos
individuais e o grande projecto colectivo que é o de dotar o país de uma rede
de livrarias especializadas e de proximidade.
Acreditamos
que a constituição desta plataforma nos vai permitir agregar esforços, juntar
todos os livreiros independentes de Portugal — maioritariamente micro e
pequenas empresas —, delinear estratégias e acções comuns e enfrentar esta
situação inédita, que nos apareceu num momento em que o encerramento das
livrarias independentes — empurradas para fora dos seus estabelecimentos pelos
efeitos da desenfreada, desnecessária e absurda especulação imobiliária — dava
sinais de algum abrandamento.
Entretanto,
a sobrevivência das livrarias independentes, como a vida — aquilo que ainda temos
por seguro apesar das perdas já verificadas — tem de ser assegurada, mesmo
quando as condições da nossa sobrevivência individual ou colectiva não se
apresentam favoráveis. Não sendo, todos ficaremos culturalmente mais
pobres.
Com muito
conhecimento acumulado, com uma importância crescente no panorama editorial e
cultural português, os livreiros das livrarias independentes — as novas como as
outras — têm um papel fundamental a desempenhar na promoção dos autores e na
difusão do livro e da leitura.
No entanto,
os livreiros sabem que serão longos e difíceis os tempos que vamos viver nos
próximos meses. Também sabem que se não houver apoios claros dos governos,
nomeadamente dos Ministérios da Economia, das Finanças, da Educação e da
Cultura, bem como das autarquias, as possibilidades de continuarem por cá
quando a crise acabar são muito reduzidas.
Quanto aos
apoios, os livreiros independentes sabem que haverá muitos carenciados, mas
todos pensamos que chegou a hora de o Ministério da Cultura se comprometer em
encontrar ou contribuir para uma solução que previna o encerramento de mais e
mais livrarias. Nos consulados dos anteriores ministros da cultura, foram
feitos alguns estudos do mercado livreiro português e prometeram-se algumas
medidas de apoio às livrarias. Como nada se fez entretanto, muitas livrarias
foram encerrando a sua actividade.
Simultaneamente,
os diferentes ministérios deverão obrigar-se a incluir, nas diversas medidas
que vão sendo discutidas e aprovadas em Conselho de Ministros, apoios explícitos
a conceder às livrarias, e sobretudo às livrarias independentes. Estas
livrarias, tal como a esmagadora maioria das micro, pequenas e médias empresas
em Portugal, na Europa e numa grande parte do mundo, não vão conseguir assumir,
de per si, os compromissos e as responsabilidades que têm e que querem
continuar a ter para com os seus trabalhadores, para com os seus fornecedores e
para com o Estado.
Compete-nos
a nós procurar soluções alternativas, é certo, e por isso constituímos esta
rede livreira. Mas se não pudermos contar com o apoio e a colaboração dos
poderes públicos, os nossos esforços individuais dificilmente conseguirão
atingir os objetivos imediatos que todos deveremos pretender: sobreviver com o
mínimo de dignidade e de danos colaterais.
A Rede de
Livreiros Independentes agora criada apresenta aos poderes públicos, e em
particular ao Governo de Portugal, à senhora Ministra da Cultura, ao senhor
Presidente da República e ao senhor Presidente da Assembleia da República, um
conjunto de reivindicações: umas, emergenciais, de execução imediata, e
outras, estruturais, para serem aplicadas no termo dos efeitos da
pandemia. Quanto a estas reivindicações, limitamo-nos aqui a enumerá-las para
mais tarde, e se conseguirmos acordar desta longa noite, as discutirmos tanto
com os poderes públicos como com todos os interessados e os directamente
envolvidos na actividade livreira.
Para já,
detemo-nos nas medidas emergenciais que propomos no imediato:
1.º Garantia
da extensão das medidas governamentais às livrarias independentes
Extensão das
medidas de apoio à tesouraria que vierem a ser aprovadas pelo Governo ao
comércio em geral e às livrarias independentes em particular, de modo a
garantir que a banca não exclui o pequeno comércio das candidaturas às linhas
de financiamento.
2.º Compras
institucionais
Reforço dos
programas de aquisição de livros e revistas para as bibliotecas públicas,
escolares, ou municipais mesmo em situações de encerramento temporário
forçado — através de consultas preferenciais às livrarias independentes, de
acordo com a sua proximidade e não de acordo com o preço, que deveria ser o do
PVP dos livros ou fixado num desconto mínimo (máximo de 10%) de modo a
facilitar e não impedir a participação destes livreiros independentes nessas
consultas públicas. Todos sabemos que não é possível exigir dos livreiros
descontos que são muitas vezes iguais ou superiores aos que as condições
comerciais praticadas pelas grandes editoras nos permitem.
3.º
Arrendamentos e despejos
Apoios
financeiros a fundo perdido destinados ao reforço de tesouraria ou ao pagamento
das rendas, em articulação com as medidas que vierem a ser aprovadas para o
comércio em geral para a restauração e hotelaria, para as micro e pequenas
empresas, tendo em consideração que a especulação imobiliária, principalmente
nas grandes cidades, foi a primeira responsável pelo encerramento de muitas
livrarias independentes e do comércio de proximidade em geral. Nos tempos que
virão, esta é uma cautela que os governos e as autarquias têm que assegurar.
4.º Seguro de
salários e rendimentos de sócios-gerentes
Seguros de
salários, ou equivalente, de modo a garantir um rendimento mínimo a todos e
enquanto os efeitos da epidemia durarem. Em caso de layoff ou
situação equivalente os rendimentos mínimos devem contemplar, obrigatoriamente,
os sócios-gerentes das micro e pequenas empresas. Muitas das vezes são esses
sócios-gerentes os únicos trabalhadores efectivos nos estabelecimentos, e a sua
sobrevivência depende exclusivamente do exercício dessa actividade;
5.º Apoio
directo à RELI — Rede de Livrarias Independentes
Apoio à
constituição da Associação RELI, nomeadamente para construção de um site com
venda online e georreferenciação das livrarias aderentes à rede, o qual
constituirá o embrião de uma central de compras e de distribuição. Outros
apoios serão apresentados de acordo com o evoluir da situação de calamidade
pública.
6.º
Cumprimento da Lei do Preço Fixo, mesmo em tempos de emergência
Exigir o
cumprimento da Lei do Preço Fixo, sem subterfúgios nem atropelos, quer por
parte de algumas grandes cadeias de livrarias online — que
praticam descontos acima dos permitidos pela lei —, quer pelas próprias
editoras — que concorrem com os sites das livrarias
através da venda a retalho nos seus próprios sites.
Quanto às
medidas estruturais que propomos para discussão, consideramos que, a
seu tempo, teremos obrigatoriamente que as discutir franca e abertamente no
sentido de evitarmos, de vez, alguns dos procedimentos que impedem as boas
práticas da concorrência, nomeadamente:
1. Feiras do Livro:
facilitar a participação dos livreiros independentes, fiscalizar a aplicação de
descontos ilegais,
2. Fiscalização da
actividade comercial de venda a retalho de livros, através do IGAC e da ASAE:
prática de descontos pontuais acima do permitido e de promoções de duração
superior ao estipulado na Lei do Preço Fixo, quer em algumas redes de livrarias
(físicas ou online) quer em outros pontos de venda de livros.
3. Livro Escolar: a venda
ao público feita directamente pelas editoras de livro escolar, os vouchers do
Ministério da Educação que deveria ter sido uma medida para apoiar a rede
livreira e afinal não foi.
4. Instalação de novas
livrarias, e das que vierem eventualmente a ser despejadas quando terminar o
estado de emergência e de calamidade pública, em edifícios que sejam
propriedade do Estado, das Autarquias e de Fundações ou Instituições privadas
dependentes do OE.
Um silêncio
estranho se instalou em Portugal, e com ele o prenúncio de um desastre social
que só poderá ser evitado ou amortecido se todos, mas mesmo todos, conseguirmos
encontrar a solidariedade bastante para ultrapassar tanta falência anunciada.
O Governo de
Portugal, que tem sabido comportar-se à altura da gravidade dos acontecimentos,
tem que saber continuar a gerir as diferentes situações com a mesma
«inteligência e coragem» e a mesma «sabedoria» com que tem sabido enfrentar a
pandemia e criticar os repugnantes de todos os azimutes, começando desde já a
tratar da economia e da sobrevivência das micro, pequenas e médias empresas e
dos seus trabalhadores, onde reside o essencial do tecido produtivo do país.
Os livreiros
independentes estão naturalmente atentos à evolução das condições sanitárias e
da economia, sabendo que as dificuldades vão ser muitas e de duração
indeterminada. E, enquanto nos detemos a cuidar do presente, devemos começar
desde já a preparar-nos para construirmos, no futuro próximo, um mundo melhor.
Todos somos
chamados e todos não seremos demais para prevenir e impedir — na
justa medida das nossas possibilidades e com o contributo imprescindível dos
poderes públicos — falências, encerramentos de actividade, quebras
abruptas e irreversíveis de rendimentos.
Contamos com
o executivo, contamos com os legisladores, contamos com os nossos parceiros
habituais: editores, distribuidores, e restantes fornecedores.
FIM
www.reli.pt
Ainda bem que não viveu durante o período,digamos.da 2ª Guerra Mundial,porque no final desta,dos 60 milhões de mortos e com todos os países em pandarecos, o meu amigo,por certo,suicidar-se-ia !
ResponderEliminarCompre um cão!