PRIMEIRO
DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA: MAKING OF
I
- ENTREGA DO ESPÓLIO
– Em 15 de Abril de 2019, pelo meu
amigo de longa data Francisco Teixeira da Mota (FTM), tendo em vista a
publicação do Diário que o seu falecido irmão Carlos Teixeira da Mota (CTM)
elaborara aquando do exercício de funções diplomáticas em Luanda. Tratava-se de
uma pretensão conjunta da família e do Instituto Diplomático.
– Espólio, à data, quase integral:
três pastas de documentação encadernadas e uma pasta simples de Diários (desorganizada,
parte dactilografada e parte manuscrita), dois dossiês de imprensa (um deles
“blindado”, com a lombada presa por pregos e cola); posteriormente foram
recebidos mais dois dossiês de imprensa.
– Em 26 de Abril, envio do meu
currículo para o Embaixador Freitas Ferraz, director do Instituto Diplomático.
II
– PRIMEIRA APRECIAÇÃO DO(S) DIÁRIO(S)
– Muito completos entre Junho de 1975
e a declaração de independência de Angola em Novembro desse ano.
– Irregulares e escassos quanto aos
meses de Dezembro de 1975 e Janeiro de 1976 (incluindo estadia em Lisboa).
– Temas centrais abordados: i)
instalação da embaixada de Portugal; ii) caracterização do ambiente em Luanda;
iii) relatos sobre o êxodo de militares e civis; iv) problemática relativa à
declaração de independência [proclamação e reconhecimento do Governo da
República Popular de Angola (RPA)]
III
– PRIMEIRA HIPÓTESE DE SISTEMATIZAÇÃO (EM 9 DE AGOSTO DE 2019, CENTRADA NA
PUBLICAÇÃO DOS DIÁRIOS)
Divisão
do texto em 3 Partes: Parte I – DIÁRIOS (edição integral), Parte II – IMPRENSA
E CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS (dia-a-dia, seguindo e completando estritamente os
diários); Parte III – DOCUMENTOS (constantes das duas pastas de correspondência
oficial e por ordem cronológica)
IV
– A FEITURA DO LIVRO
Em 6 de Setembro de 2019 enviei ao FTM,
por e-mail, dois anexos com o primeiro rascunho do livro, distinguindo: a)- rascunho
de trabalho (organização) e b) o mesmo, mas com vastas anotações.
IV.
a) – Organização provisória (cinco hipóteses de título/capa): 1.ª
Hipótese: O PRIMEIRO DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA (JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976);
2.ª Hipótese: DIÁRIOS DO PRIMEIRO DIPLOMATA PORTUGUÊS EM LUANDA (JUNHO DE 1975-MAIO
DE 1976); 3.ª Hipótese: O PRIMEIRO
ENCARREGADO DE NEGÓCIOS PORTUGUÊS EM LUANDA: JUNHO DE 1975- MAIO DE 1976; 4.ª Hipótese: VOU-ME QUEIXAR À HISTÓRIA DO QUE AQUI VI FAZER (LUANDA, JUNHO DE
1975-MAIO DE 1976); 5.ª Hipótese: DIÁRIOS
DE LUANDA:UMA DESCOLONIZAÇÃO DIFERENTE (JUNHO DE 1975-MAIO DE 1976)
IV. 1)
– ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (Índice,
com múltiplas anotações):
APRESENTAÇÃO
A
cargo do FTM, Duarte Silva (DS) e Embaixador – texto conjunto, mas cada qual a
tratar do seu pelouro
NOTA
BIOGRÁFICA
Desenvolvida
(FTM).
PARTE
I – OS DIÁRIOS [por não haver um só, mas três, ou melhor, o Diário dividido em
três (fases, períodos ou épocas)] e os dois “MEMORIAIS”
A
– Diário de Luanda (12 de Junho a 16 de Novembro de 1975) [ou: Diário 1]
1. A
editar tal e qual, só com eventual explicação de nomes e siglas ou abreviaturas,
feitas no texto, mediante parêntesis rectos, ou em nota pé-de-página; há uns
fáceis, outros difíceis, alguns talvez impossíveis.
2.
É necessário o texto em “word”. Já agora: o
CTM reviu a versão dactilografada, e anotou à margem (por exemplo, “confuso”),
não é verdade?
B
– “Angola, Minha Liberdade” (Novembro/Dezembro de 1975) [ou: Diário 2]
1. Há
um problema de “apresentação” desta fase (pois contém dois tipos de textos) e
um problema de datação (por exemplo, algumas datas têm claras “gralhas”) em
função do manuscrito, pois concluí que, neste “caderno” – e salvo no primeiro
texto (de 20/11) –, o CTM colocou a data do escrito no termo do texto e não no
princípio.
2. Só
vai até ao texto da “Véspera de partida…”, entrada (acho eu) de 21/12/75, data
que, aliás, tem uns traços e riscos (não constantes do original) cuja razão não
entendo.
3. Também
aqui é necessário o texto em “word”.
4. Tal
como no anterior “Diário”, gostava de saber quem fez as correcções e anotações
ao texto que recebi, dactilografado.
C
– Missão a Lisboa (Dezembro de 1975/Janeiro de 1976) [ou: Diário 3]
1. Foi para mim, “a grande revelação”:
está aqui o essencial do livro que o CTM pretendia fazer, sobretudo metodologia
e um “prefácio antecipado” sobre a descolonização (em função do qual pus a
hipótese “provocadora” de o título do livro conter a referência à
“descolonização diferente” no caso de Angola).
2. Este
“Diário” (melhor esta parte do Diário, “o Diário 3”, toda escrita em Lisboa)
começa na entrada «Se em meia dúzia de palavras…» - que é nitidamente posterior
à entrada de 21/12/75, como a letra e tinta do original confirmam.
D
– Dois Memoriais: i) “Considerações” recomendando o reconhecimento do Governo
da República Popular de Angola (de 26/12/75); ii) “A clarificação do processo
político em Angola” (manuscrito, versão revista em 15/5/76)
1. A
designação “Memorial” é provisória.
2. Encontrei
a versão final das “Considerações” (sem título, nem qualquer outra
identificação, mas rubricada), entregue ao Ministro dos Negócios Estrangeiros
em 26/12/75, e datada de Luanda, 22 de Dezembro de 1975, na pasta
Correspondência Oficial -1. É esta última versão que interessa.
3. Quanto
ao manuscrito “A clarificação…” é mais complicado: tem título original, está
corrigido, datado, mas mais nada (está também na pasta Correspondência Oficial
-1).
4. Parece
ter sido escrito em Portugal.
5. Fiz
uma versão dactilografada. Constatei
então algo extraordinário: em 1976, o CTM fazia uma análise (previsão) do que
viria a ser a tentativa de golpe de Estado, dirigida por Nito Alves, em 27 de
Maio de 1977, ou seja, um ano depois!
6. Pergunto-me
qual a razão para ter ficado só manuscrito e ser desconhecido até agora.
Note-se que a sua data (15/5/76) é a do encerramento da Representação
Portuguesa em Luanda.
7. Pode
abrir-se uma nova Parte, juntando este dois textos à “Informação de Serviço”
(confidencial, de 28 de Julho de 1976) [sobre o restabelecimento de relações
diplomáticas com Angola], que refiro no fim da Parte III.
PARTE
II – TECER O CONTEXTO (RECORTES DA IMPRENSA ANGOLANA)
1. O
dossiê é magnífico. Gostei de o tratar. Vi e revi, fiz e refiz.
2. A
grande questão é a da “ligação” do Diário ao contexto histórico, para efeitos
de apresentação e leitura. Optei pela separação (alternativas: intercalar ou
colocar ambos os textos “lado a lado”) e seguir o calendário (com a desvantagem
de as notícias serem sempre posteriores ao dia do “Diário”)
3. Consegui
dispensar toda a bibliografia (tenho muita e, numa primeira fase, cheguei a
recolher e consultar, mas não fui por aí) e não pus uma única nota!
4. Aceito
sugestões e refarei segundo elas.
5. Tive
várias dúvidas, fui muito respeitador (dos recortes do CTM, incluindo as fotos
e anúncios), aqui e ali havia recortes “descolados“ e tive de fazer opções
quanto a certas datas, locais de publicação e, sobretudo, na ordenação.
6. Sugiro
que se o título desta parte for considerado inadequado, “limpa-se”.
7. O
uso do negrito pareceu-me adequado e muito visível (corresponde a títulos das
notícias). Usei o itálico para destacar “momentos” (artigos, comunicados,
declarações, entrevistas, etc.) mais relevantes, o que é, concordo, subjectivo.
Fica a dúvida: terá ficado confuso, e será preferível eliminar tal destaque
(itálico)?
PARTE
III – CORRESPONDÊNCIA OFICIAL
Dado o volume da documentação existente, impunha-se
uma selecção estrita. A forma da publicação levantava várias dúvidas: Telegrama
integral? No original? Fac-simile?
Com títulos, sumariando a matéria do telegrama? Em sequência cronológica, como
me parecia adequado e, de resto, correspondia às três questões selecionadas?
IV.
2) – ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (desenvolvimento das três partes do livro, com
anotações):
PARTE
I – OS DIÁRIOS
Textos
a inserir, tal e qual como no índice.
Prevejo
que este conjunto (PARTE I) andará à volta de 40/50 páginas.
NB:
Texto manuscrito, corrigido (letra do CTM, sem dúvida) que se encontra
arquivado sem qualquer anotação ou referência (salvo a data manuscrita 15/5/76,
em que aliás parece haver uma correcção quanto ao mês: estava 15/4/76 e, na
correcção, passou a 15/5/76). Note-se
ainda que, curiosamente o texto encontra-se na Pasta “Correspondência Oficial –
1”, logo antes de um telegrama do CTM, datado de 15/Abril/76, e logo depois (ou
seja, está intercalado) a um apontamento desenvolvido e manuscrito de uma
conversa com seis tópicos que teve com R.A. (quem será?) e data de 16.4.76.
Esse “enredo” fica para se ver melhor.
Mais
uma nota: a colocação das vírgulas… Que fazer?
PARTE
II – TECER O CONTEXTO (RECORTES DA
IMPRENSA ANGOLANA)
Talvez
100 páginas, dependendo muito da “mancha”
[Enviei o texto integral redigido até essa
data, só com base no Dossiê 1, pois na altura eu ainda não tinha aberto o
Dossiê 2 e desconhecia a existência dos Dossiês 3 e 4. Portanto, não estavam
ainda considerados os jornais relativos à declaração de independência. O dossiê
1 tinha interrupções e só recomeçava em 5/2/76]
PARTE
III – CORRESPONDÊNCIA OFICIAL
Talvez
50 páginas, dependendo muito da forma de reprodução dos documentos
Divisões:
A – Declaração de independência (relação
de seis documentos, identificados por autor, forma, classificação e assunto);
B - Reconhecimento do Governo (relação de
vinte e três documentos, identificados por autor, forma, classificação e
assunto); C – Estabelecimento e corte de relações diplomáticas (relação de vinte e quatro documentos,
identificados por autor, forma, classificação e assunto)
IV.
3) – ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (dois
e-mails intercalares ao FTM):
a)- E-mail de 22 de Setembro: |
|
|
|
Nova versão (em anexo) da Parte III -
Documentação oficial (alterando a versão de 6 de Setembro, e criando uma nova
divisão sobre o restabelecimento das relações diplomáticas). Sumário abreviado
para cada uma das 4 divisões, numeração sequencial dos documentos, e seu
tratamento conforme os critérios adoptados em outras "Memórias" de
diplomatas.
b)- No dia seguinte (e-mail, sem efeito útil, devido à sobreposição de
textos):
Sugestão do envio do livro no estado
actual ao Embaixador Freitas Ferraz, com a indicação de se tratar de uma
primeira proposta e ainda incompleta.
IV.
4) – ORGANIZAÇÃO PROVISÓRIA (o “clique” triunfal: fazer um puzzle):
Na
sequência, passei a trabalhar mais intensamente sobre os diários e os
documentos e abri o dossiê 2 (até então “blindado”). Comecei a “ver o livro” e
a pensar como poderia fazer uma apresentação coerente e legível das três fontes
fundamentais e muito diversas, pondo as seguintes hipóteses: dispô-las em
sequência ou dispô-las autonomamente nas páginas par/ímpar.
Mas,
subitamente, descobri: o que resultava, e sobretudo o que resultava do programa
enunciado pelo próprio CTM, era apresentar todo o livro em forma de puzzle!
Por
isso, quando fui ao escritório buscar os dois novos dossiês de imprensa
(Dossiês 3 e 4, entretanto descobertos pela viúva) comuniquei ao FTM: a) a nova forma era tão importante e
decisiva que até devia servir como subtítulo, constante da capa; b) ia refazer
todo o livro, o que me demoraria mais de um mês.
IV.
5) – A fase conclusiva, antes do envio para a editora
Em 13 de Dezembro de 2019 enviei o texto
integral e todo refeito ao FTM. Este, em 16 de Janeiro de 2020 endereçou-a ao
embaixador Freitas Ferraz nos seguintes termos: «Aqui vai o livro do
meu irmão Carlos que o António Duarte Silva organizou. Creio que está muito bom
mas fico à espera da sua opinião e das perspectivas da sua publicação.»
No início de Março reuni com a dr.ª
Margarida Lages, Chefe de Divisão de Arquivo e Biblioteca, do Instituto
Diplomático. Em resultado, enviei-lhe
depois a versão revista do livro, com uma apresentação mais curta e “incisiva”,
a descrição do espólio autonomizada e eliminando a relação de documentação
oficial. Encarregou-se então de contactar a editora com vista à publicação.
V
– A EDIÇÃO
Em
16 de Setembro de 2020, a Dr.ª Margarida Lages fez-me chegar um e-mail enviado
pela Catarina Homem Marques, das Edições Tinta-da-china, com algumas folhas da
paginação para mostrar ao organizador, pois «tratando-se de um livro que vai
exigir várias formatações diferentes», ajudava
saber se este estava confortável com a solução encontrada. Mais
explicava que o paginador escolhera para os títulos uma fonte parecida com os
telexes daquela época.
Respondi
em 17 de Setembro: «A primeira apreciação é muito positiva e acho que as opções
(alterações à minha formatação inicial) de estilo e tipo de letra são
muito felizes. Mas as Partes subsequentes ainda são mais
"complexas" e "arriscadas"...». Pedia também o envio da
paginação completa para apreciação e revisão. Referia ainda que em conversa com
o FTM destacáramos a mútua satisfação com a amostra e o processo de revisão, a
sugestão (já antiga) da publicação de fotografias, e a remissão quanto à
preparação da biografia do CTM.
Durante
a segunda quinzena de Setembro e a primeira de Outubro, tratámos ambos do
processo e normas de revisão, das duas biografias, da apreciação e aprovação da
capa, e da colocação das fotografias seleccionadas. Da minha parte, o texto foi
revisto três vezes: a primeira prova completa (texto em PDF pelo que a errata
foi dactilografada à parte); a segunda prova sobre o documento (com as notas da
Catarina e as minhas já transferidas); finalmente, a terceira e última revisão,
em 16 de Outubro de 2020, perante as “Artes Finais do miolo do livro”.
VI
– SÚMULA
A
Parte Primeira assenta essencialmente no Diário, quando CTM, além de preparar a
instalação da Embaixada de Portugal em Angola, exercia as funções de assessor
diplomático do Alto-Comissário; por isso, é essencialmente existencial e
descritiva do ambiente de Luanda, nos cinco meses anteriores à declaração de
independência. Os acontecimentos mais impressivos são a “batalha de Luanda”, a
substituição do Alto-Comissário, a evacuação dos repatriados, o início da
guerra civil e o fracasso das diligências para um entendimento entre os
Movimentos de Libertação.
A
Segunda Parte é emocionante: descreve o processo de declaração de independência
de Angola, que assumiu contornos pouco protocolares, dramáticos e bélicos.
A
partir da Terceira Parte, a situação de CTM altera-se substancialmente: passa a
ser o único representante oficial de Portugal, liderando os Serviços de
Instalação da Representação Portuguesa e tendo de enfrentar o grave problema do
reconhecimento do Governo da República Popular de Angola. Apenas acompanhado, institucionalmente,
pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes, e, decisivamente, pelo
Presidente da República e do Conselho da Revolução, Costa Gomes, defende o
imediato reconhecimento do Governo da República Popular de Angola, redigindo
sucessivos telegramas, elaborando documentos jurídico-políticos e deslocando-se
a Lisboa para defesa das suas posições. Esta actuação corresponde à primeira
intervenção efectiva da diplomacia portuguesa no conjunto da descolonização
portuguesa, antecedendo a «sabedoria da diplomacia e da política portuguesa»
que, já nos anos 90, irá marcar a independência de Timor.
As
Partes IV e V incidem sobre o estabelecimento, corte e restabelecimento das
relações diplomáticas, durante 1976. Quanto ao inicial estabelecimento de
relações diplomáticas, proposto pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros em 23
de Fevereiro e só acordado pelo Ministro das Relações Exteriores em 8 de Março,
tudo começou mal e acabou pior. Primeiro, Angola dificultou e minimizou a
divulgação da correspondente mensagem portuguesa. Já acreditado como
Encarregado de Negócios, CTM suportou imensas dificuldades na constituição e
funcionamento da Embaixada. Subitamente, em 27 de Abril, recebeu um ultimato do
Ministro das Relações Exteriores. Chamado a Lisboa para consultas já não voltou
a Angola. Preparou, então, dois documentos históricos: o seu Comentário, datado
de 15 de Maio de 1976 (dia do encerramento da Missão Diplomática Portuguesa em
Angola), sobre o processo político angolano, em que, além do mais, analisou a
relação de forças na conjuntura angolana e previu a (sangrenta) crise
político-militar de 27 de Maio de 1977, em Luanda, e, depois, uma Informação de
serviço, de 29 de Julho, em que desenvolveu o quadro político a seguir para o
restabelecimento de relações diplomáticas entre Portugal e Angola.
Tudo
visto, Carlos Teixeira da Mota foi contemporâneo do seu presente – o que é
raro.
.
António Duarte Silva
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