domingo, 29 de novembro de 2020

Sapatos de Corda.






Esta carta tem por objectivo explicar todas as dificuldades do meu entendimento com as pessoas, não com uma determinada pessoa, mas o mundo conivente em geral. […]

Sinto-me lentamente apoderada por forças que ultrapassam a minha capacidade de reacção. E tenho a lucidez bastante para compreender que isso prejudica uma normal relação com os outros e os afecta num sentido grave pois lhes destrói a personalidade em favor dum instinto de defesa necessariamente hostil.   

[…]

Eu sempre amei, com paixão que me foi imposta, as coisas inviáveis, como a perfeição, a incorrupção, a fidelidade, a justiça para consigo mesmo. Tudo isto não leva a um processo de decepção, mas sim a uma luta com os direitos da mediocridade, que são incontestáveis. Não me sinto vencida perante eles; dou-lhes o lugar que lhes pertence a bem da saudável organização do mundo. Nem sequer estou cansada ou descontente.

[…]

Não devemos tomar como excepcional o que fazemos e o que somos. Mudar de vida e de costumes, é a maneira de mostrar que a eternidade está disponível a todo o momento e que se pode legar, mas que não pode ser personificada por ninguém.

 

(Agustina Bessa-Luís, carta sem destinatário nem envio)









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