Quanto
à pertinência do trabalho jornalístico de Isabel Lindim a contracapa é
elucidativa: “De todos os países da Europa, Portugal é o mais vulnerável às
alterações climáticas. Por um lado, sofremos com o aumento da temperatura e com
a diminuição da chuva que são próprios de um clima com influência mediterrânea;
por outro, estamos expostos à agressividade do Oceano Atlântico, também ele
vitima da poluição e das emissões de gases com efeitos de estufa. Os fenómenos
extremos vão intensificar-se em todo o mundo, mas é nas terras do litoral que
as consequências serão mais severas – e o nosso país, à beira-mar plantado,
está na linha da frente. Este livro apresenta o impacto das alterações
climáticas para os próximos 50 anos em Portugal. É uma projeção, não uma
premonição. Foram ouvidos 30 especialistas de diferentes áreas, da geografia à
biologia, da saúde à física. Por sermos um país que reúne tanto conhecimento
científico, existe uma esperança de que as medidas necessárias sejam
concretizadas. Ainda estamos a tempo de evitar o pior dos cenários. Saiba o que
pode, ou não, acontecer.”
E,
de facto, Portugal, Ano 2071 – As grandes ameaças e como nos adaptarmos,
por Isabel Lindim, Oficina do Livro, 2021, é um roteiro pautado por opiniões
abalizadas, nada tem a ver com aqueles ideários enunciados por gurus do
catastrofismo ou por cientistas que recebem avenças dos grandes tratadores de
combustíveis fósseis; temos aqui, em súmula, o quadro das grandes ameaças
(calor, cheias e inundações, fogos, saúde humana, impacto económico), o que
acontecerá à nossa paisagem, enfatiza-se a importância dos estuários e da
biodiversidade, o uso dos nossos recursos agrícolas e piscatórios, a vida nas
nossas cidades, a transição a operar no paradigma energético; breve, o que é
possível fazer, haja coragem para proceder às escolhas mais cuidadas para o
nosso futuro.
Logo,
a subida da temperatura, o que acarreta: “Se continuarmos na trajetória que
temos seguido, a temperatura global aumenta provavelmente 4ºC até 2100, o que
significa uma série de consequência irremediáveis: países e cidades submersos,
ondas de calor e incêndios mais frequentes, a vida marinha a definhar, períodos
de seca maiores, os recursos hídricos mais afetados, fenómenos extremos que
aconteciam de 100 em 100 anos passam a acontecer em cada década”. Não basta a
substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de baixo carbono e
fontes de energia limpas, impõe-se a redução de emissões poluentes como o
metano e hidrofluorcarbonetos, a redução do desmatamento e a necessidade de
restauro de ecossistemas que são naturais captadores de CO2, como as
florestas, os pântanos, os mangais e as pradarias marinhas”. E temos as grandes
ameaças. Recorda a autora que nos últimos 30 anos a temperatura média no país
elevou-se 2ºC. Mas as previsões são altamente inquietantes, atendendo ao que
rezam os estudos: “A partir de 2017, as temperaturas máxima e mínima irão subir
entre 3 a 4ºC no litoral e 5 a 6ºC no interior. Isto significa que uma cidade
como Beja poderá ter dias com 48 a 50ºC. No sul do país, as noites vão ser
tropicais e os dias demasiado quentes. As projeções do IPMA mostram que o
Algarve vai mudar bastante, não só topograficamente, devido à subida do nível
médio das águas do mar, como em termos de precipitação e calor. Junto à costa,
onde o mar ainda pode trazer alguma frescura, esse calor pode ser suportável,
mas no interior, das serras algarvias às planícies alentejanas, a vida pode
tornar-se muito difícil, para nós e para toda a fauna e flora”. Temos depois o
espectro das cheias e das inundações, os peritos fazem propostas de adaptação,
umas de proteção leve, outras de proteção pesada, chegando à elevação de diques.
Para contrariar os temíveis fogos e incêndios em que vivemos, o regime
agroflorestal pode ser uma resposta, merece ser ponderada com caráter de
urgência.
A
saúde humana também está em causa, não é pura especulação falarmos de uma maior
intensidade dos mosquitos e o recrudescimento de doenças causadas por vírus ou
bactérias. E quanto ao impacto na economia, independentemente de no quadro
atual ainda não ser possível prescindir dos combustíveis fósseis, se se
pretende contrariar a queda do crescimento e o agudizar do desemprego, o modelo
económico tem que apostar na proteção costeira, numa ampla inovação técnica, na
produção de energias limpas. Personalidades de indiscutível prestígio têm vindo
a apontar para soluções em que a economia pode ter um caminho diferente. É
evidente que Isabel Lindim procedeu à sua importante narrativa jornalística
muito antes da guerra da Ucrânia, não podemos ser ingénuos, estamos a viver um
doloroso compasso de espera, é imprevisível para aonde aponta a mudança de
paradigma energético e antevêem-se custos dolorosos para as alterações radicais
que se irão processar na globalização económico-financeira. De grande
importância é o que a jornalista escreve quanto à nossa paisagem, atenda-se ao
que ela enfatiza sobre a importância dos estuários e ao reconhecimento de que a
biodiversidade é um dos maiores pilares para travar ameaças e facilitar a nossa
adaptação a este enorme período de transição que se avizinha.
Discreteia
sobre o uso do solo, os recursos hídricos, como igualmente nos dá um enfoque do
que se passa nas grandes cidades; a questão energética, como é compreensível,
dá-lhe margem para abordar o que será uma transição justa para onde deve
caminhar a eficiência energética. Dado o quadro ambiental em que nos movemos há
que saber o que temos para fazer, desde a reforma administrativa, à
descentralização, o papel da interioridade, a resposta ao calor, como cuidar da
água, papel que devemos atribuir à agrofloresta, enfim, há um manancial de
escolhas, não podemos continuar a meter a cabeça na areia. Quando desapareceu,
vítima da covid, a cientista Maria de Sousa, Carmo Fonseca, uma outra cientista
do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, deixou uma mensagem às
novas gerações sobre os problemas do provir, vale a pena terminar a apreciação
desta obra de Isabel Lindim, a todos os tipos meritórios da nossa atenção, com
o texto da sua carta: “Muitos modelos ainda praticados na indústria
agropecuária incentivam a destruição de florestas, interferem com a qualidade
dos solos, são poluidoras e favorecem a propagação de epidemias em plantas e
animais. Vão certamente ocorrer grandes desastres naturais como fogos,
tempestades e terramotos. As alterações climáticas são uma realidade instalada.
Vai faltar a água e aumentar a poluição. As sociedades do futuro vão depender
da ciência e da tecnologia para lidar com catástrofes. Mas as sociedades de
hoje insistem em ignorar os múltiplos alertas dos cientistas para perigos
iminentes que ainda podem ser evitados.”
Leitura aconselhada a docentes e discentes a caminho de ensino universitário.
Mário Beja Santos
Alarmismo sem fundamento.
ResponderEliminarO Malomil é melhor que isto...
ResponderEliminar