quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Em cima do acontecimento: a mudança climática que os nossos filhos receberão de herança.


 


 

Quanto à pertinência do trabalho jornalístico de Isabel Lindim a contracapa é elucidativa: “De todos os países da Europa, Portugal é o mais vulnerável às alterações climáticas. Por um lado, sofremos com o aumento da temperatura e com a diminuição da chuva que são próprios de um clima com influência mediterrânea; por outro, estamos expostos à agressividade do Oceano Atlântico, também ele vitima da poluição e das emissões de gases com efeitos de estufa. Os fenómenos extremos vão intensificar-se em todo o mundo, mas é nas terras do litoral que as consequências serão mais severas – e o nosso país, à beira-mar plantado, está na linha da frente. Este livro apresenta o impacto das alterações climáticas para os próximos 50 anos em Portugal. É uma projeção, não uma premonição. Foram ouvidos 30 especialistas de diferentes áreas, da geografia à biologia, da saúde à física. Por sermos um país que reúne tanto conhecimento científico, existe uma esperança de que as medidas necessárias sejam concretizadas. Ainda estamos a tempo de evitar o pior dos cenários. Saiba o que pode, ou não, acontecer.”

E, de facto, Portugal, Ano 2071 – As grandes ameaças e como nos adaptarmos, por Isabel Lindim, Oficina do Livro, 2021, é um roteiro pautado por opiniões abalizadas, nada tem a ver com aqueles ideários enunciados por gurus do catastrofismo ou por cientistas que recebem avenças dos grandes tratadores de combustíveis fósseis; temos aqui, em súmula, o quadro das grandes ameaças (calor, cheias e inundações, fogos, saúde humana, impacto económico), o que acontecerá à nossa paisagem, enfatiza-se a importância dos estuários e da biodiversidade, o uso dos nossos recursos agrícolas e piscatórios, a vida nas nossas cidades, a transição a operar no paradigma energético; breve, o que é possível fazer, haja coragem para proceder às escolhas mais cuidadas para o nosso futuro.

Logo, a subida da temperatura, o que acarreta: “Se continuarmos na trajetória que temos seguido, a temperatura global aumenta provavelmente 4ºC até 2100, o que significa uma série de consequência irremediáveis: países e cidades submersos, ondas de calor e incêndios mais frequentes, a vida marinha a definhar, períodos de seca maiores, os recursos hídricos mais afetados, fenómenos extremos que aconteciam de 100 em 100 anos passam a acontecer em cada década”. Não basta a substituição de combustíveis fósseis por fontes renováveis de baixo carbono e fontes de energia limpas, impõe-se a redução de emissões poluentes como o metano e hidrofluorcarbonetos, a redução do desmatamento e a necessidade de restauro de ecossistemas que são naturais captadores de CO2, como as florestas, os pântanos, os mangais e as pradarias marinhas”. E temos as grandes ameaças. Recorda a autora que nos últimos 30 anos a temperatura média no país elevou-se 2ºC. Mas as previsões são altamente inquietantes, atendendo ao que rezam os estudos: “A partir de 2017, as temperaturas máxima e mínima irão subir entre 3 a 4ºC no litoral e 5 a 6ºC no interior. Isto significa que uma cidade como Beja poderá ter dias com 48 a 50ºC. No sul do país, as noites vão ser tropicais e os dias demasiado quentes. As projeções do IPMA mostram que o Algarve vai mudar bastante, não só topograficamente, devido à subida do nível médio das águas do mar, como em termos de precipitação e calor. Junto à costa, onde o mar ainda pode trazer alguma frescura, esse calor pode ser suportável, mas no interior, das serras algarvias às planícies alentejanas, a vida pode tornar-se muito difícil, para nós e para toda a fauna e flora”. Temos depois o espectro das cheias e das inundações, os peritos fazem propostas de adaptação, umas de proteção leve, outras de proteção pesada, chegando à elevação de diques. Para contrariar os temíveis fogos e incêndios em que vivemos, o regime agroflorestal pode ser uma resposta, merece ser ponderada com caráter de urgência.

A saúde humana também está em causa, não é pura especulação falarmos de uma maior intensidade dos mosquitos e o recrudescimento de doenças causadas por vírus ou bactérias. E quanto ao impacto na economia, independentemente de no quadro atual ainda não ser possível prescindir dos combustíveis fósseis, se se pretende contrariar a queda do crescimento e o agudizar do desemprego, o modelo económico tem que apostar na proteção costeira, numa ampla inovação técnica, na produção de energias limpas. Personalidades de indiscutível prestígio têm vindo a apontar para soluções em que a economia pode ter um caminho diferente. É evidente que Isabel Lindim procedeu à sua importante narrativa jornalística muito antes da guerra da Ucrânia, não podemos ser ingénuos, estamos a viver um doloroso compasso de espera, é imprevisível para aonde aponta a mudança de paradigma energético e antevêem-se custos dolorosos para as alterações radicais que se irão processar na globalização económico-financeira. De grande importância é o que a jornalista escreve quanto à nossa paisagem, atenda-se ao que ela enfatiza sobre a importância dos estuários e ao reconhecimento de que a biodiversidade é um dos maiores pilares para travar ameaças e facilitar a nossa adaptação a este enorme período de transição que se avizinha.

Discreteia sobre o uso do solo, os recursos hídricos, como igualmente nos dá um enfoque do que se passa nas grandes cidades; a questão energética, como é compreensível, dá-lhe margem para abordar o que será uma transição justa para onde deve caminhar a eficiência energética. Dado o quadro ambiental em que nos movemos há que saber o que temos para fazer, desde a reforma administrativa, à descentralização, o papel da interioridade, a resposta ao calor, como cuidar da água, papel que devemos atribuir à agrofloresta, enfim, há um manancial de escolhas, não podemos continuar a meter a cabeça na areia. Quando desapareceu, vítima da covid, a cientista Maria de Sousa, Carmo Fonseca, uma outra cientista do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, deixou uma mensagem às novas gerações sobre os problemas do provir, vale a pena terminar a apreciação desta obra de Isabel Lindim, a todos os tipos meritórios da nossa atenção, com o texto da sua carta: “Muitos modelos ainda praticados na indústria agropecuária incentivam a destruição de florestas, interferem com a qualidade dos solos, são poluidoras e favorecem a propagação de epidemias em plantas e animais. Vão certamente ocorrer grandes desastres naturais como fogos, tempestades e terramotos. As alterações climáticas são uma realidade instalada. Vai faltar a água e aumentar a poluição. As sociedades do futuro vão depender da ciência e da tecnologia para lidar com catástrofes. Mas as sociedades de hoje insistem em ignorar os múltiplos alertas dos cientistas para perigos iminentes que ainda podem ser evitados.”

Leitura aconselhada a docentes e discentes a caminho de ensino universitário. 


Mário Beja Santos






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