Brandos Costumes… O Estado Novo, a PIDE e os
intelectuais, com coordenação de Luís Reis Torgal, Temas
e Debates/Círculo de Leitores, 2022, é um livro que resulta de um projeto de
investigação que pretende desvelar o comportamento da polícia política e da
censura do Estado Novo face a intelectuais que não eram nada amáveis com o
regime forjado por Salazar. O coordenador fala-nos na introdução dos brandos
costumes dentro do pensamento único exigido pelo ditador, como funcionavam os
órgãos repressivos desse regime, como vigiava a PIDE quem afrontava ou
procurava desmitificar a ditadura, chamasse-se Aquilino Ribeiro ou Soeiro
Pereira Gomes, Amílcar Cabral ou Agostinho Neto. Há a preocupação de lembrar o
papel da Censura, ela definia os livros cuja circulação era proibida, uma lista
farta, incluía obras revolucionárias, obras que abordavam o comunismo, livros de
teoria política como os de Maurice Duverger ou Raymond Aron, a obra de Sartre
ou Simone de Beauvoir, não faltavam os portugueses como José Vilhena, Natália
Correia, Manuel Alegre, como também algumas obras de Jorge Amado. E todos
aqueles que assinavam documentos de índole política apelando à libertação de
presos ou à reposição das liberdades de expressão iriam ter uma vida menos
fácil.
Tomás
da Fonseca, que para muitos era o Tomás das Barbas, escritor anticlerical em a
quem se deve talvez o libelo mais demolidor sobre as aparições de Fátima, era
alvo das atenções da PIDE, teve muitos livros apreendidos, a polícia tratava-o
como simpatizante do PCP, que em todos os seus interrogatórios Tomás da Fonseca
negou, a despeito das ligações fraternas que manteve com comunistas e
companheiros de estrada. O seu funeral foi alvo de relatório da polícia
secreta, não se escondeu que chegou um cortejo automóvel com cerca de 100
viaturas ao cemitério de Mortágua onde o esperava uma multidão de 800 a 900
pessoas. Aquilino Ribeiro também não foi poupado, se bem que um dia Salazar lhe
tenha tecido elogios, quando um jornalista francês que lhe pediu para conhecer
a realidade nacional, o ditador respondeu: “Comece o seu inquérito por
Aquilino. É um inimigo do regime. Dir-lhe-á mal de mim, mas não me importa: é
um grande escritor.” Acontece que Aquilino era alvo de admiração de pessoas
como Marcello Caetano, Santos Costa, António Ferro, Caeiro da Mata, Rafael
Duque, incondicionais do salazarismo. O ensaio sobre Aquilino aborda o processo
da rotura de Aquilino com o regime, a fúria com que foi recebido o romance Quando os Lobos Uivam, refere como Aquilino
era indiciado por vários delitos, tais como: fazer perigar o bom nome de
Portugal, bem como o crédito e o prestígio do Estado português no estrangeiro;
fazer a apologia de crimes contra a segurança do Estado; injuriar e ofender o
Presidente do Conselho e os demais ministros, etc., etc. Nem mesmo a sua
indigitação para o Prémio Nobel da Literatura acalmou a vigilância da PIDE. Com
Ferreira de Castro, talvez por ser ao tempo o escritor com mais traduções, a
repressão era selecionada, a PIDE considerava-o “desafeto ao regime”, sabia-se
das suas ligações aos intelectuais de oposição, mas salvaguardavam-se as
distâncias, Ferreira de Castro era nome sonante na literatura internacional,
temia-se o ridículo pondo no Índex qualquer uma das suas obras.
Situação
execrável foi o processo de Andrée Crabbé Rocha na PIDE. O marido, Miguel
Torga, sempre recusou enviar as obras à censura prévia, a polícia política
sentiu-se afrontada, Torga conheceu a cadeia do Aljube, livros queimados,
apreendidos, proibidos. Andrée Rocha foi demitida da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa em 1947 e cinquenta anos depois partilhou no Expresso as suas memórias: “[…] nunca nas minhas
aulas de literatura portuguesa e de literatura francesa falei em política.
Talvez tivessem descoberto que eu era mulher de Miguel Torga. […] nada pude
fazer em relação à decisão. Passados 2 anos, abriu um concurso para professor extraordinário
em que era necessário apresentar um trabalho. Preparei um sobre o Cancioneiro
Geral de Garcia Resende. No dia das provas recebi um ofício da reitoria a dizer
que não as podia prestar. Solicitei durante 21 anos a realização da prova, e
durante todo este tempo me foi recusado. Fui obrigada a dar lições particulares
em Coimbra, para onde me mudei, e frequentei outro curso, que me permitiu dar
aulas em colégios particulares. Mas em 1955, até esse diploma me tiraram”.
Andrée Rocha era classificada na PIDE como mulher do comunista Torga, só pôde
retomar funções universitárias na Faculdade de Letras de Lisboa em março de
1970.
O
percurso de Soeiro Pereira Gomes foi a de um regente agrícola que foi viver
para Alhandra e se tornou empregado de escritório na fábrica Cimento Tejo, cedo
se comprometeu com o ideário comunista, movia-se pela vontade de proteger os
humildes, como é explícito na sua obra maior Esteiros,
a vida de crianças conduzidas ao duro trabalho naquela região ribatejana. A
PIDE tinha-o sob vigilância, ele teve um papel de grande importância na greve
dos operários daquela fábrica, Soeiro teve que fugir, vai conhecer a
clandestinidade mais dura, é um intelectual comunista. Esteiros recebeu mesmo elogios de Marcello Caetano,
é obra escrita em 1941, havia uma réstia de esperança na vitória dos Aliados e
que esta comportaria a queda do regime de Salazar. Dado curioso, a obra foi
lida e autorizada pelo tenente-coronel Salvação Barreto, diretor da Censura,
muitos anos depois esta mesma Censura considerou que o livro deveria ter sido
proibido quando apareceu, “mas agora deve ser ignorado”, pois que a proibição
agora só serviria à sua propaganda no nosso meio”. O escritor, agitador e
quadro de topo do PCP morreu muito novo, em 1949, conceituados escritores como
Ferreira de Castro reconheciam o seu imenso talento.
O
leitor encontrará ainda nesta obra trabalhos bem elucidativos sobre a
vigilância da PIDE a Fernando Namora, Jorge de Sena, as obras teatrais, o
trabalho dos informadores da polícia política, as péssimas relações de figuras
da Igreja Católica com o Estado Novo a partir da década de 1960, a PIDE no
encalço de Agostinho Neto e Amílcar Cabral. Luís Reis Torgal não deixa de
referir na conclusão que não passou de um mito a ideia de intolerância branda,
e se é certo que a ação policial da PIDE não é comparável com os sistemas
racistas e antissemitas ou com as práticas da violência sem limites no
estalinismo, o regime de Salazar quis-se intransigente, perseguindo ou
asfixiando as ideias e práticas anarquistas e comunistas, mas também as
simplesmente liberais, católico-progressistas ou até monárquicas; e a guerra
colonial veio a justificar a permanência dessa repressão deixando bem claro que
isso dos brandos costumes não passou de um mito.
A pedir leitura urgente.
Mário Beja Santos
Quanto às praticas de perseguição comunista, compreendem se hoje melhor face aos dados que temos . O comunismo era e é uma ideologia totalitária que sempre foi inimiga do ocidente e da democracia liberal. Os seus agentes infiltravam se ate nos governos ocidentais e as universidades eram usadas como base de recrutamento de agentes e de propaganda dos seus ideais.Bast ver o papel do Pcp ainda hoje como defensor declarado das piores tiranias do planeta.
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