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Página do caderno de apontamentos de Darwin, de Julho de 1837, onde surge pela primeira vez um desenho da árvore da evolução. O texto começa, modestamente, pelas palavras «I think». |
A publicação de
A Origem das Espécies foi um dos
mais impressionantes acontecimentos do século XIX. Quando o livro
saiu,
Darwin foi visto como o homem que tentara assassinar Deus.
Começava uma polémica – será que descendemos dos macacos? teremos que deixar de
acreditar em Adão e Eva? seremos obrigados a aceitar que o mundo não tem
significado? – que durou até hoje.
A 12 de Fevereiro de 2008, celebrou-se o segundo centenário
do seu nascimento e em 2009 festejou-se
o 150º aniversário de A Origem das
Espécies. Se, em Portugal, o livro pouca atenção suscitou, tal deriva
de o Vaticano desaconselhar a leitura da Bíblia, tendo os católicos aceite, como
alimento espiritual, a magra dieta do Catecismo. Nos EUA, um país que nasceu
umbilicalmente ligado à religião, as coisas fiaram mais fino. Apesar de o
conceito da separação da Igreja e do Estado estar no cerne da Constituição, a
América ainda é o país protestante no qual a Bíblia desempenha um papel mais
importante. Não admira que tenha sido aqui que apareceu uma candidata a
vice-presidente dos EUA insistindo em que o relato da Criação deveria ser tomado
a letra.
Curiosamente, este tipo
de fundamentalismo é uma criação moderna: o que preocupava os Vitorianos não era
a interpretação da Bíblia – eram suficientemente cultos para saber que o texto
sagrado era para ser lido como uma metáfora – mas a possibilidade de o
Darwinismo poder transformar a vida num caos amoral. A expansão moderna das
teses anti-darwinistas foi uma reacção ao abrandamento, nos anos 1960, dos
códigos morais.
Charles Robert Darwin
nasceu no seio de uma família rica, culta e ilustre. Depois de ter feito vários
estudos nas Universidades de Edimburgo e de Cambridge, optou por ser geólogo.
Foi nessa qualidade que, aos 25 anos, partiu, a bordo do Beagle, para uma viagem que o levaria aos
Açores, Cabo Verde, Baía, Rio de Janeiro, ilhas Falklands, Valparaíso, Galápagos,
cidade do Cabo, ilhas Maurícias e a Austrália. A 2 de Outubro de 1836, ao pôr os
pés em Inglaterra, tinha já em mente os fundamentos da sua teoria, mas, com
receio, não tanto da opinião pública, mas da forma como a mulher, uma anglicana
fervorosa, reagiria, decidiu nada publicar. Foi preciso um susto para divulgar o
que sabia. Em 1859, apercebeu-se que, se não o fizesse, outro – Alfred Russel
Wallace - avançaria. Por muito amor que tivesse pela mulher – e tinha –
sentiu-se obrigado a dar a conhecer a sua tese.
Do ponto de vista
social, o pior ficava para trás. As décadas de 1830 e 1840 tinham assistido a
momentos difíceis: os motins dos trabalhadores tinham-se multiplicado, os
Dissenters enchido as igrejas de
cânticos revolucionários e as classes médias exigido leis tidas como
impensáveis. Neste contexto, como podia um jovem respeitável abrir um livro com
notas de viagem e, de forma despreocupada, afirmar que os nossos antepassados
eram chimpanzés? O dilema, entre o que sabia ser verdade e as exigências do meio
social a que pertencia, dilacerou-o. Quando, um dia, se decidiu a contar a um
amigo as conclusões a que chegara afirmou-lhe que, para ele, tal era idêntico a
«confessar um crime».
Mal A Origem das Espécies apareceu nas
livrarias, os anglicanos classificaram-na como ateia, afrancesada e imoral.
Apesar do cuidado de Darwin em apresentar todas as provas e do apelo aos
leitores para as considerarem imparcialmente, não era possível aos
contemporâneos aceitarem, de ânimo leve, as conclusões do livro. Porque, do
ponto de vista intelectual, Darwin era um revolucionário. Terá aliás sido o
reconhecimento desta faceta que levou Karl Marx a, depois de ter pensado em
dedicar-lhe a obra, lhe enviar O
Capital.
Darwin continuou a
observar a Natureza de forma obsessiva, tendo chegado a dizer que os corais o
fascinavam mais do que a música de Handel. Na velhice, perseguido por
sentimentos de culpa, escreveria uma Autobiografia destinada a ser lida pelos
filhos e netos. Vinte e três anos depois da publicação do seu mais célebre
livro, morria. Com o tempo, Darwin passara a ser considerado como alguém cujo
estatuto intelectual só era comparável ao de Newton. Enquanto o coro cantava, em
Westminster Abbey, «Happy is the man that findeth wisdom», a catedral, onde
ficaria sepultado o seu corpo, enchia-se de professores, clérigos e aristocratas
que vinham prestar a derradeira homenagem a um homem sábio e
bom.
Maria Filomena Mónica
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