impulso!
100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !
# 28, # 29 - ART BLAKEY
Fotografia de Herman Leonard, 1958
|
Um
grupo de jazz é uma reunião de personalidades que conversam e discutem
musicalmente. Os participantes são referidos pelo nome próprio e o encontro não
faz qualquer promessa de longevidade; donde as formações de jazz só muito de
vez em quando terem uma designação, como é costume no rock e na pop. A notável
excepção a este modo de ser foram os “Jazz Messengers” capitaneados por Art
Blakey durante décadas, como uma azenha de músicos em contínua rotação.
Pelo
menos três méritos fazem de Art Blakey uma figura inevitável aos progressos do
jazz.
Não
há historiógrafo que se esqueça de arrogar ao jazz a invenção da bateria, mesmo
sabendo que ela teve discreto destaque até que Blakey houvesse pegado no facho
acendido pelos swingers Gene Krupa e Buddy Rich e tonificado o seu impacto, conforme
a respiração ofegante do bebop. Art Blakey, Max Roach e Kenny Clarke formaram o
triunvirato pouco menos do que revolucionário que se inspirou no gospel das
suas infâncias de colarinho azul e numa interpretação enérgica dos blues, para
dar expressão baterística àquilo que lhes formigava no corpo e ia muito além da
tradicional marcação do ritmo. Deles em diante, cuidado com o fulano sentado lá
trás que pode atropelar a linha da frente se houver alguma hesitação. Na brecha
aberta por estes três musculosos, logo entraram os culturistas Philly Joe
Jones, Roy Haynes e Elvin Jones consumando a nova era.
Outro
dos méritos assacados a Art Blakey terá sido a sua incansável evangelização em
prol do jazz, o que lhe deu direito a protagonizar lendas e anedotas, como
aquela em que foi assistir a um funeral e depois das exéquias prestadas pelo
padre, não havendo quem se decidisse ao elogio fúnebre, Blakey adiantou-se: “se
ninguém quiser falar do defunto, deixem-me então dar umas palavrinhas sobre o
jazz.”
Mas
a dádiva maior de Art Blakey foi a regência dos Jazz Messengers, uma formidável
rampa de lançamento de talentos. Desde os idos de 1954 em que encorajou um
promissor Clifford Brown até pelo menos 1981, quando Wynton Marsalis lhe pediu
credenciais, arrolam-se, pelo menos, meia centena de principiantes a quem os
Jazz Messengers outorgaram diploma.
Art Blakey and the Jazz Messengers (Moanin’)
1958
(2004)
Blue
Note - TOCJ-6403
Art
Blakey (bateria), Lee Morgan (trompete), Benny Golson (saxophone tenor), Jymie
Merritt (contrabaixo).
O
fenómeno transcendeu o aspecto académico – os Messengers tinham o epíteto de
“universidade do jazz” – e nalguns casos, como em “Moanin’”, de 1958, colocou-se
como charneira do então nascente hard bop. Na ribalta debutavam Lee Morgan
(trompete) e Benny Golson (saxofone tenor) que devidamente embraiados pela dinâmica
da bateria, davam corpo a uma feição do jazz mais nervosa do que as distensões
do cool e menos angustiosa do que precipitação do bebop, do qual, porém,
mantinha o prumo harmónico. O hard bop vinha a ser acarreado em duas frentes
por Sonny Rollins e Horace Silver (nada por acaso, também catecúmeno de
Blakey), e acabaria por ser o padrão pelo qual todos haveriam de se medir. Na
fertilíssima seara da década de 50 tudo crescia como se em estado de graça;
“Moanin’” não fugiu a esta virtude e nele se estreiam temas icónicos como o que
dá nome à obra ou “Are You Real”.
Mosaic
1962
(2006)
Blue
Note - 37769
Art
Blakey (bateria), Wayne Shorter (saxophone tenor), Freddie Hubbard (trompete),
Curtis Fuller (trombone), Cedar Walton (piano), Jymie Merritt (contrabaixo,
piano).
Três
anos depois, Wayne Shorter e Freddie Hubbard prestariam provas de doutoramento
nos Jazz Messengers na gravação que deu origem ao disco “Mosaic”, também
assinalado como pontapé de saída à configuração do grupo como sexteto. A sessão
foi enxuta e não teve takes alternativas nem nela se ensaiaram outras
composições além das que foram prensadas. Por esta altura os Jazz Messengers
funcionavam como uma cooperativa auto-suficiente na composição, nos arranjos e
na produção – era atar e pôr ao fumeiro. Por isso tudo o que se ouve no registo
foi tudo o que se passou; transparência rara e elucidativa. “Mosaic” é, assim,
um disco voraz, de uma equipa desejosa de jogar e de se afirmar, marcando
pontos em cada nota, interpretando cada tema como se fosse o decisivo.
Contas por alto,
entre 1956 e 1990 (Blakey gravou “One For All” 6 meses antes de morrer) os
“Jazz Messengers” publicaram para cima de 60 discos. Podia-se fazer um jogo:
rastrear as ebulições do jazz durante todo este período, escutando apenas tal
acervo.
José Navarro de Andrade
Sem comentários:
Enviar um comentário