quinta-feira, 5 de maio de 2016




impulso!

100 discos de jazz para cativar os leigos e vencer os cépticos !

 

# 28, # 29 - ART BLAKEY

 

 




 
Fotografia de Herman Leonard, 1958

 

Um grupo de jazz é uma reunião de personalidades que conversam e discutem musicalmente. Os participantes são referidos pelo nome próprio e o encontro não faz qualquer promessa de longevidade; donde as formações de jazz só muito de vez em quando terem uma designação, como é costume no rock e na pop. A notável excepção a este modo de ser foram os “Jazz Messengers” capitaneados por Art Blakey durante décadas, como uma azenha de músicos em contínua rotação.
Pelo menos três méritos fazem de Art Blakey uma figura inevitável aos progressos do jazz.
Não há historiógrafo que se esqueça de arrogar ao jazz a invenção da bateria, mesmo sabendo que ela teve discreto destaque até que Blakey houvesse pegado no facho acendido pelos swingers Gene Krupa e Buddy Rich e tonificado o seu impacto, conforme a respiração ofegante do bebop. Art Blakey, Max Roach e Kenny Clarke formaram o triunvirato pouco menos do que revolucionário que se inspirou no gospel das suas infâncias de colarinho azul e numa interpretação enérgica dos blues, para dar expressão baterística àquilo que lhes formigava no corpo e ia muito além da tradicional marcação do ritmo. Deles em diante, cuidado com o fulano sentado lá trás que pode atropelar a linha da frente se houver alguma hesitação. Na brecha aberta por estes três musculosos, logo entraram os culturistas Philly Joe Jones, Roy Haynes e Elvin Jones consumando a nova era.
Outro dos méritos assacados a Art Blakey terá sido a sua incansável evangelização em prol do jazz, o que lhe deu direito a protagonizar lendas e anedotas, como aquela em que foi assistir a um funeral e depois das exéquias prestadas pelo padre, não havendo quem se decidisse ao elogio fúnebre, Blakey adiantou-se: “se ninguém quiser falar do defunto, deixem-me então dar umas palavrinhas sobre o jazz.”
Mas a dádiva maior de Art Blakey foi a regência dos Jazz Messengers, uma formidável rampa de lançamento de talentos. Desde os idos de 1954 em que encorajou um promissor Clifford Brown até pelo menos 1981, quando Wynton Marsalis lhe pediu credenciais, arrolam-se, pelo menos, meia centena de principiantes a quem os Jazz Messengers outorgaram diploma.
 


Art Blakey and the Jazz Messengers (Moanin’)
1958 (2004)
Blue Note - TOCJ-6403
Art Blakey (bateria), Lee Morgan (trompete), Benny Golson (saxophone tenor), Jymie Merritt (contrabaixo).
 
O fenómeno transcendeu o aspecto académico – os Messengers tinham o epíteto de “universidade do jazz” – e nalguns casos, como em “Moanin’”, de 1958, colocou-se como charneira do então nascente hard bop. Na ribalta debutavam Lee Morgan (trompete) e Benny Golson (saxofone tenor) que devidamente embraiados pela dinâmica da bateria, davam corpo a uma feição do jazz mais nervosa do que as distensões do cool e menos angustiosa do que precipitação do bebop, do qual, porém, mantinha o prumo harmónico. O hard bop vinha a ser acarreado em duas frentes por Sonny Rollins e Horace Silver (nada por acaso, também catecúmeno de Blakey), e acabaria por ser o padrão pelo qual todos haveriam de se medir. Na fertilíssima seara da década de 50 tudo crescia como se em estado de graça; “Moanin’” não fugiu a esta virtude e nele se estreiam temas icónicos como o que dá nome à obra ou “Are You Real”.
 

Mosaic
1962 (2006)
Blue Note - 37769
Art Blakey (bateria), Wayne Shorter (saxophone tenor), Freddie Hubbard (trompete), Curtis Fuller (trombone), Cedar Walton (piano), Jymie Merritt (contrabaixo, piano).
 
 
Três anos depois, Wayne Shorter e Freddie Hubbard prestariam provas de doutoramento nos Jazz Messengers na gravação que deu origem ao disco “Mosaic”, também assinalado como pontapé de saída à configuração do grupo como sexteto. A sessão foi enxuta e não teve takes alternativas nem nela se ensaiaram outras composições além das que foram prensadas. Por esta altura os Jazz Messengers funcionavam como uma cooperativa auto-suficiente na composição, nos arranjos e na produção – era atar e pôr ao fumeiro. Por isso tudo o que se ouve no registo foi tudo o que se passou; transparência rara e elucidativa. “Mosaic” é, assim, um disco voraz, de uma equipa desejosa de jogar e de se afirmar, marcando pontos em cada nota, interpretando cada tema como se fosse o decisivo.
Contas por alto, entre 1956 e 1990 (Blakey gravou “One For All” 6 meses antes de morrer) os “Jazz Messengers” publicaram para cima de 60 discos. Podia-se fazer um jogo: rastrear as ebulições do jazz durante todo este período, escutando apenas tal acervo.
 
 
José Navarro de Andrade
 

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