16.
Uma
das xilogravuras de Hokusai em que é mais notória a interacção entre os dois
elementos – terra e mar – pertence à série Cem
Poemas por Cem Poetas, datada de finais da década de 1830 (mais
precisamente, circa 1835-36).
Publicada
por Nishimuraya Yohachi, o mesmo editor de Trinta
e Seis Vistas do Monte Fuji, onde se insere A Grande Onda, a série Cem
Poemas por Cem Poetas (Hyakunin
isshu uba ga etoki; 百人一首 宇波がゑとき, que em inglês tem a designação One Hundred Poems by One Hundred Poets, Explained
by the Nurse, e em francês Cent
poèmes de cent poétes expliqués para la nourrice, podendo ser traduzida
como Cem Poemas por Cem Poetas, Explicados
pela Nutriz), reveste-se de particular significado na obra de
Katshushika Hokusai, sendo um dos seus últimos trabalhos em xilogravuras de
grande formato.
Da série Cem Poemas por Cem Poetas
Museu Britânico, 1906, 1220, 0.583
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A série
reproduz uma antologia de poemas datada do século XIII que ainda hoje é das
mais apreciadas e populares no Japão, tendo-se prestado no passado a um curioso
divertimento da burguesia citadina: nesse jogo de salão, um dos participantes
citava a primeira estrofe, cabendo aos restantes parceiros dizer quem era o
autor e prosseguir a declamação do poema.
A
xilogravura, descrita aqui, está assinada «Do pincel de Iitsu, o antigo Hokusai» (Saki
no Hokusai Iitsu hitsu; 前北斎為一筆) e tem por título Yamabe no Akahito
(山部の赤人), o nome do autor do poema.
Atente-se no modo como as ondas se projectam
sobre a costa a partir da Baía de Suruga. Ao fazê-lo, entram pela terra
adentro, o que poderia indiciar estarmos perante um mar revolto, o que é desmentido
pela placidez das águas na baía, pela serenidade dos dois navios, pela suave
correnteza das ondas que riscam horizontalmente o espaço central da imagem. À
semelhança de A Grande Onda, os
elementos mais relevantes não se encontram no centro mas nas margens da gravura,
que é preenchida por completo em todas as suas dimensões verticais e
horizontais, estando mais carregada de elementos na secção inferior, com as
figuras humanas e a elevação rochosa ocupando todo o extremo-direito, e o
contraponto das ondas descaído para o centro e a esquerda, numa faixa
horizontal que acaba por destacar a presença do Monte Fuji, o qual surge no espaço
menos preenchido da imagem, erguendo-se na metade superior do desenho.
A terra – se quisermos, a vegetação
terrestre – vai adquirindo uma coloração mais esverdeada à medida que se desce
a encosta. E, no sopé, duas ondas penetram os arbustos, a ponto de apenas
percebermos o que é da terra e o que é do mar devido à coloração distinta das
vagas e das plantas (plantas que, à medida que se desce a encosta, adquirem um
perfil cada vez mais próximo do das vagas marítimas, a ponto de Hokusai ter sentido
a necessidade, por assim dizer, de colocar no fundo um conjunto arbóreo a azul,
com os ramos bem identificados, para se perceber que estamos ainda perante dois
mundos diversos, o da terra e o do mar). Se acaso os arbustos que emergem do mar
tivessem uma cor azul, ou branca, não julgaríamos serem ondas ou a sua espuma?
Originalmente, pensou-se que a série Cem Poemas… teria, como o nome indica,
cem gravuras, sendo um empreendimento de grande fôlego. Muito provavelmente,
foi a crise económica que afectou o Japão em meados e finais da década de 1830 que
levou à interrupção da série, da qual só foram publicadas 27 estampas.
Da série Cem Poemas por Cem Poetas
Museu Britânico, 1951, 0714, 0.40
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Por esse motivo, conserva-se uma peça
única, de extraordinário valor, descrita aqui: o desenho original de Hokusai para uma das
gravuras, não destruído no processo de impressão. Mais precisamente, aquilo que
se designa «desenho pronto para gravação» (hatsushita-e ),
tal como Hokusai o traçou. Taira no Kanemo (平兼盛), o nome do poeta falecido em 990 a.C. A gravura, de delicado traço, mostra um conjunto
de viajantes que fazem uma paragem na sua jornada para consultar um
fisionomista profissional, que analisa o carácter e a personalidade de um dos caminheiros
escrutinando o seu rosto com o auxílio de uma lupa.
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