quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Notas sobre A Grande Onda - 6

 
 
 
 
6.

 
        «Mesmo alguém que os visse sem nada saber das circunstâncias em que haviam sido pintados, por muito pouco que fosse versado em essas matérias, de força se sentiria profundamente movido. Assim podereis imaginar a emoção com que os enxergariam aqueles para quem cada quadro era a resposta a perguntas e tormentos de algum mau sonho de que parecia ser impossível despertar».
 
         Eis um trecho do Conto (ou Romance) de Genji (Genji Monogatari), escrito no século XI por uma mulher, Mursaki Shikibu, e que alguns têm aproximado, quanto à estrutura, da Recherche de Proust.  
        
         Poderemos, de facto, admirar e sentirmo-nos tocados pela espuma de A Grande Onda sem saber as circunstâncias em que foi elaborada.
 
Dela se fizeram muitos milhares de exemplares; o original desenhado e pintado por Hokusai perdeu-se no próprio acto de impressão, ao ser gravado com um estilete no bloco de cerejeira, como era próprio desta técnica de reprodução de xilogravuras em larga escala. A obra original é sacrificada para que, a partir dela, milhares de cópias floresçam, o que faz com que nas galerias e nos museus ou nas colecções privadas de todo o mundo não haja, nem possa haver, «o» exemplar de A Grande Onda. Quanto muito, existem impressões de melhor ou pior qualidade, dependendo do estado de conservação e da altura em que foram realizadas, já que com o passar do tempo os tipos de madeira se iam desgastando, naturalmente.     
 
         A cópia considerada mais perfeita, designadamente quanto à coloração dos céus e à preservação dos contornos, encontra-se no Metropolitan Museu of Art, em Nova Iorque, e integra a colecção Harvey Mansfield (cf. The Metropolitan Museum of Art Bulletin, Vol. 43, nº 1, Summer 1985, disponível em PDF, aqui). 
 
         É interessante compará-la com um dos três exemplares da colecção do Museu Britânico, descrito aqui, que pertenceu ao pintor Charles Haslewood Shannon (1863-1937)  e em que, nas linhas delidas pelo tempo, se nota claramente a erosão das décadas ou o cansaço da cerejeira quando recebeu a tinta. Repare-se, desde logo, na interrupção do contorno da onda do lado direito da xilogravura; ou, para os mais atentos, no cume do Monte Fuji.  A par disso, e até mais importante do que isso, é o esbatimento do céu, em que quase se perdeu a nuvem acastelada, cujo perfil dialoga com as ondas do mar e com o recorte da montanha sagrada (que, por sua vez, surge em duplicado na gravura, com uma das vagas a assemelhar-se à elevação do Fuji).


      Curiosamente, as cópias do Museu Britânico e do Metropolitan Museum foram adquiridas pela mesma altura: a primeira em 1937, a segunda em 1936.

 
Exemplar do Museu Britânico, 1937, 0710, 0.147


Exemplar do Metropolitan Museum of Art, Colecção Mansfield
 


 
 
 

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