De cada vez que é usada
a expressão francesa rentrée em época de regresso às aulas,
devia arranjar-se maneira de saltar logo para uma outra, infinitamente mais
útil e, sobretudo, encantadora: Le chemin des écoliers.
E que tem de especial
“o caminho da escola”? É que não é bem-bem o caminho para a
escola, mas o caminho, ou caminhos, que a pequenada toma até lá chegar sempre
que pode. Não o caminho mais direto nem o pré-determinado, mas aquele que se faz
caminhando, desdobrado em múltiplos atalhos e desvios, ora encurtando o troço
mais feio e sensaborão, ora enveredando pelo percurso mais longo e aventuroso,
explorando as belezas das redondezas nas voltas e contravoltas -- e na
brincadeira com colegas, é claro.
Não é, pois, um
arrastar de pés cabisbaixo a retardar a chegada, uma procrastinação triste e
resignada do encontro com o destino. Tomar o caminho mais longo, le
chemin des écoliers, é uma flânerie viva e tónica, cheia de
propósito.
Não é de admirar que na
canção O Testamento,
George Brassens quisesse “partir para o outro mundo pelo chemin
des écoliers".
Se me pedissem para
escolher de repente, assim à queima-roupa, a encarnação de tudo isso em música
(“de repente”, porque se me ponho a matutar a coisa complica-se) seria a de
Carl Philipp Emanuel Bach -- filho do outro grande Bach. Carlos Filipe Emanuel,
filho de João Sebastião.
E escolhia, agora a
dedo e muito espiolhadas, interpretações audaciosas, imaginativas, arejadas,
ardentes, dessa música cheia de vida. Que não se limitam a executá-la como
esperado e a tocam como se fosse ao mesmo tempo a primeira e a última vez.
Ficam aqui 5 minutos da primeira, da orquestra Pulcinella, de
Ophélie Gaillard. Creio ser sobre ela que ouvi a um crítico, já meio enfadado
após ouvir de enfiada uma mão-cheia de outras interpretações mais quadradas ou
cinzentas, a seguinte tirada, irresistível de rabugice bem-humorada:
“Não há direito! Faltar a este ponto
ao respeito a um grande compositor, filho de outro grande compositor. Devia ser
proibido. Sempre a fervilhar de ideias, de alacridade, de chama, de brilho, de
cor… Mas quem lhes pediu tal coisa? É ultrajante. Ainda por cima têm o topete
de tocar bem. Se tocassem mal, ainda vá, ficava tudo mais sossegado. Assim não
dá. Em suma: genial. O respeito é para os cemitérios. Isto vive, vibra!”
O mesmo se poderia
dizer desta (mon
coeur balance) e desta. E para
não se pensar que cheia de vida é sinónimo de contentete e alegrete, eis
este largo.
Nota: este texto foi
redigido de acordo com… novas preocupações, éticas e estéticas. Na minha
rentrée, vou propor a estudantes que descubram o preceito escondido, o discutam
com calor e arejamento, e redijam um parágrafo segundo o mesmo preceito, sobre
assunto à escolha.
Manuela Ivone Cunha.
Sem comentários:
Enviar um comentário