Por
estes dias, reuniram-se em Atenas sete chefes de Estado para despedir um
cidadão privado.
A
sua morte, aos 82 anos, no seu país natal, mas com passaporte estrangeiro,
motivou um comunicado seco do governo conservador de Atenas, que ficou a
milímetros de saudar a morte de Konstantínos, com uma frieza que muito
provavelmente custará votos a Kyriakos Mitsotakis nas próximas eleições.
Antigo
campeão olímpico, o último rei simultaneamente filho de rei e genro de rei – e
também o último da sua dinastia em resultado dos erros que cometeu – chegou à
sepultura como um cidadão privado e estrangeiro. A decisão de recusar a
Constantino II um funeral de Estado, decidida em reunião do Conselho de
Ministros, levantou tal polémica que Mitsotakis teve de emendar a mão e
permitir honras adicionais ao cidadão privado.
Na
manhã do funeral e durante várias horas, milhares de cidadãos passaram pela pequena
capela ao lado da Catedral Ortodoxa de Atenas, beijando devota e quase
clandestinamente a sua urna, envolta nas cores, mas não na bandeira grega. Nem
na morte Constantino II conseguiu que o seu país ultrapassasse as feridas de um
reinado curto, mas traumático para os gregos e para o rei.
Nascido
em plena Segunda Guerra Mundial, filho dos Príncipes Herdeiros Paulo e
Frederica, Constantino viveu os seus primeiros anos num exílio depauperado,
entre a Pretória e o Cairo, com a mãe e as irmãs Sofia, futura Rainha de
Espanha, e Irene. O fim da Guerra encontrou uma Grécia cada vez mais
republicana e comunista, que resistia ao regresso da Família Real. A manutenção
da Monarquia foi validada em referendo em 1946, o que permitiu o regresso do
impopular Rei Jorge II e do seu irmão, o Príncipe Herdeiro. Jorge II morreria,
sem filhos, no ano seguinte; Paulo sucedeu-lhe como Rei dos Helenos e
Constantino tornou-se herdeiro do trono, diádokhos, aos 6 anos.
A
Grécia era uma peça importante no xadrez internacional e a guerra civil que se
seguiu e terminou em 1949 foi um dos primeiros episódios da Guerra Fria, com insurgentes
comunistas apoiados pela União Soviética e o governo apoiado pelo Reino Unido e
pelos Estados Unidos. A vitória militar das forças governamentais deixou
latentes tensões que iriam perdurar por muitos anos e explicam em parte a
instabilidade que sempre marcou o país, com evidências recentes no consulado de
Tsipras-Varoufakis.
Paralelamente
a estas tensões, Paulo e Frederica criaram uma corte faustosa, onde se sucediam
bailes, cruzeiros e muito raffinement. A Rainha da Grécia encontrava
sempre uma nova ocasião para celebrar e fazia-o com esplendor que trazia para o
Mediterrâneo pompas dignas das cortes no Norte, de onde, aliás, eram
originários os reis gregos. O custo desta pompa haveria de começar a ser visto
como incomportável para um país onde tanta gente passava dificuldades, ao que
Frederica de Hannover sem hesitação poderia ter respondido com a célebre frase atribuída
a D. Maria Pia de Sabóia, Rainha de Portugal: “quem quer rainhas, paga-as”.
A factura foi pesada para ambas.
A
vida pública da Família Real era acompanhada de constante apoio político dos
Estados Unidos da América. Frederica era uma fervorosa anti-comunista e, como
tal, encontrava sempre abertas as portas da Casa Branca. Os comunistas gregos
pagavam na mesma moeda e chamavam-lhe prussiana e nazi. Se dessa acusação a
Rainha se poderia livrar, já da sua tentação de interferir na política grega
será mais difícil defendê-la.
Em
2003 a revista “Socialist Worker”, tentando angariar manifestantes para
a possível visita de George W. Bush a Londres, publicava um artigo (“How
we wrecked tyrants’ visits in the past”) em que recordava com orgulho
os protestos que marcaram a visita
de Estado de Paulo e Frederica a Londres, 40 anos antes. Foi, de facto, uma
visita de raro tumulto em Inglaterra, com o peso que tal acarretava para a
Rainha Isabel II, visto ter o seu marido nascido Príncipe da Grécia e ter uma
relação próxima com os tios, que se iria estender às gerações seguintes. Os
manifestantes reclamavam a libertação de prisioneiros comunistas e insultavam
especialmente Frederica, impassível no seu desfile das melhores jóias, com os
vitupérios habituais.
Três
anos antes, em 1960, o herdeiro do trono, Constantino, conquistara a primeira
medalha olímpica de ouro para a Grécia em quase 50 anos. Este feito colocava-o
numa posição de quase herói nacional, visto que o seu mérito desportivo era
merecedor de especial reconhecimento e de orgulho dos seus compatriotas. Mais
dado ao desporto do que aos estudos, Constantino daria mais uma alegria à mãe
ao abandonar os romances menos ortodoxos e anunciar o noivado com a filha mais
nova do Rei da Dinamarca, Ana Maria.
O
golpe mais duro para Frederica chegou com o diagnóstico de um cancro ao Rei
Paulo. Importaram-se médicos e especialistas para Atenas mas ao fim de uns
meses, a 6 de Março de 1964, o Rei morria com apenas 62 anos, deixando viúva
uma rainha que adorava sê-lo.
Constantino tornou-se Rei dos Helenos aos 23 anos, jurando diante do governo socialista de Georgios Papandreou “em nome da Santíssima Trindade consubstancial e indivisível, proteger a religião dominante dos Helenos, de respeitar a Constituição e as leis da nação helena”.
Premonitoriamente,
a capa da Paris Match que noticiava a morte de Paulo mostrava
Constantino II fazendo continência com o bastão de marechal. A um canto da
capa, mas em primeiro plano, estava Frederica. A influência da Rainha-Mãe, mas
sobretudo o seu exemplo, foram porventura o que de pior podia ter acontecido a
um rei impreparado e ingénuo, num reino que não era para novos.
Seis
meses depois da subida ao trono, o casamento de Constantino
II da Grécia e Ana Maria da Dinamarca tornou Atenas no foco da atenção
mediática do mundo. Foi a última grande união dinástica entre duas casas reais
reinantes, o princípio do fim de um mundo em que o amor podia coincidir com o
dever, mas em que este se sobrepunha. Durante dias sucederam-se bailes,
cortejos, paradas militares, o cintilar ofuscante de diamantes e o desfile de condecorações
de cores garridas, de reis, rainhas, príncipes e princesas rodeados de genuíno
entusiasmo popular, como não mais se veria.
O
grande casamento de Atenas foi a glória final da Rainha Frederica, a última matchmaker
da Europa do século XX. O fim da cerimónia, onde os cânticos e o incenso faziam
recordar o fausto oriental de Constantinopla, viu chegar um momento teatral,
quase patético, em que Frederica fez uma vénia à nora, a nova Rainha, que lhe
devolveu a vénia. Era uma metáfora do que estava para vir. Se apenas Frederica
se tivesse retirado, como a vénia implicava, em vez de interferir…
Os
três anos que se seguiram foram um turbilhão político. E a tentação da
interferência na política, talvez a mais perigosa tentação para os reis
constitucionais, foi a perdição de Constantino. Recusou nomeações de ministros
e forçou a demissão Georgios Papandreou, o socialista que ancorava a
estabilidade. Sucederam-se meses de manifestações contra o rei, com Constantino
a nomear governos que sucessivamente caíam no Parlamento por falta de apoio. Ora,
na Grécia a única dinastia que foi acabou destituída foi mesmo a da Família Real,
sucedendo-se no cargo de primeiro-ministro filhos, netos e sobrinhos de antigos
primeiros-ministros: Constantino haveria de se cruzar com os Papandreou várias
vezes ao longo do resto sua vida.
Para
resolver a crise, Constantino marcou eleições para o fim de Maio de 1967. Não
se chegaram a realizar. Um golpe de Estado, a 21 de Abril, orquestrado pelo
exército com o argumento de que estavam a prevenir o regresso do comunismo,
seria o golpe de misericórdia ao reinado de Constantino. A incapacidade do Rei para
rejeitar de imediato o golpe e se distanciar foram vistas como conivência,
assim como a fotografia em que o Rei surge à frente dos coronéis da Junta
Militar na escadaria do Palácio Real. O habitualmente sorridente Constantino II
acreditou ingenuamente que a sua expressão facial na fotografia, fechada e
dura, seria sinal suficiente do seu desagrado e da rejeição do governo dos
militares. A percepção generalizada foi a contrária.
Este
episódio haveria de inspirar o cunhado de Constantino, Juan Carlos I de
Espanha, a lidar com a tentativa de golpe de 23 de Fevereiro de 1981. A
condenação internacional perante o golpe de Estado caiu também sobre o Rei, de
todos os quadrantes, incluindo a sua família dinamarquesa que deixou claro que
não seria bem-vindo em Copenhaga enquanto a situação perdurasse. Constantino
tentou, sem sucesso, que os Estados Unidos interviessem em seu favor e acabou
por ensaiar um contragolpe em Dezembro, que falhou. Constantino, Ana Maria e os
seus dois filhos, incluindo o recém-nascido herdeiro, partiram para Roma.
A
Grécia é o país que mais vezes referendou a forma de Estado no século XX,
tornando-se numa monarquia sucessivamente validada pelo povo. Constantino II
alimentou por isso e durante muitos anos a ideia de que o seu exílio não era
definitivo, como não havia sido para o seu avô Constantino I, e para o seu tio,
Jorge II, que tinham recuperado o trono depois de o perderem. Formalmente,
aliás, Constantino manteve-se como rei até 1973, quando o seu alegado
envolvimento numa nova tentativa de golpe contra a Junta Militar levou a que
fosse proclamada a república e feito um plebiscito para a legitimar.
Quando
a democracia foi restaurada, em 1974, o inesperado aconteceu novamente. O líder
da direita tradicionalmente monárquica e antigo primeiro-ministro, Konstantinos
Karamanlis, marcou um novo referendo, mas não só não fez campanha pela monarquia,
como se recusou a autorizar que o Rei regressasse para fazer campanha,
permitindo-lhe apenas uma mensagem ao país, a partir de Londres. Constantino
admitiu os seus erros, fez a profissão de fé na democracia e prometeu que a mãe
não se intrometeria na política – os cartazes da propaganda republicana tinham apenas
a fotografia de Frederica e anunciavam: “Vem aí!”. A república teve uma
vitória retumbante com quase 70% dos votos.
Constantino
viveu as suas décadas de exílio expectante, cada vez menos convencido de que
regressaria do exílio para uma pátria que o receberia como o herói olímpico a
quem os pecados seriam perdoados. Permitiram-lhe regressar por um par de horas,
em 1981, para enterrar a mãe, a Rainha Frederica, no cemitério de Tatoi. O
complexo de Tatoi seria, aliás, o pretexto da grande batalha de Constantino contra
o Estado grego.
Em
1992, o Primeiro-Ministro Konstantinos Mitsotakis, sobrinho-neto, primo e pai
de primeiros-ministros, chegou a acordo com Constantino para lhe devolver a
propriedade de Tatoi, que o antigo rei considerava privadas, a troco das terras
no resto da Grécia. Constantino regressou a Atenas no ano seguinte, mas a
pressão política sobre o governo de Mitsotakis foi tal que lhe pediram para
voltar a sair. No ano seguinte, as eleições ditaram o regresso ao poder de Andreas
Papandreou, antigo primeiro-ministro, filho e pai de primeiros-ministros e um
velho conhecido de Constantino – fora afinal à volta do alegado envolvimento de
Andreas Papandreou em conluios durante o governo do pai que começara a crise em
1965. Papandreou fez aprovar legislação a reverter o acordo com Mitsotakis e a
retirar a nacionalidade grega a Constantino. O Rei não se conformou. Pôs uma
acção no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que viria a ganhar em forma de
indemnização, mas sem recuperar Tatoi.
Só
muito mais tarde e muito discretamente pôde Constantino regressar para viver os
seus últimos dias, tranquilos, na terra que o rejeitou por ampla maioria. Ironicamente
e novamente em vésperas de eleições, foi a um novo Mitsotakis, Kyriakos, filho
e sobrinho-bisneto de primeiros-ministros, que coube tomar as decisões sobre o
funeral do antigo monarca, arriscando desta vez ir em sentido contrário das
decisões do pai e mantendo-se longe dos monárquicos e do funeral.
A
gentileza e bonomia de Constantino II fizeram com que à sua volta se
continuassem sempre a reunir os reis europeus, que o tratavam como um dos seus.
Em Atenas, embalado pela polifonia ortodoxa, incensado pelo Arcebispo de
Atenas, Constantino foi rodeado por esses reis por uma última vez. Ao lado das
mais importantes condecorações gregas, dinamarquesas e espanholas, estava a sua
maior glória, a medalha de ouro olímpica. Georges Menant, que assinava a peça
de Atenas para o Paris Match quando Constantino subiu ao trono, terminava o
texto dirigido ao novo rei com “Régnez en paix, Sire. Les dieux feront le
reste.” Os deuses gregos não foram generosos para Constantino.
Ademar
Vala Marques
Janeiro
2023
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