terça-feira, 21 de novembro de 2023

Carta de Bruxelas.

 




                                                            Pour faire chier les juifs

 

Sayid Marcos Tenório, historiador e militante do Partido Comunista do Brasil, convertido ao Islão, autor de artigos como «Terrorismo de Israel contra ONGs de Direitos Humanos» e «Os laços do sionismo com o nazismo», colunista do sítio Brasil 247, sítio de «jornalismo independente, progressista e para todos», comentou na rede social X, as calças de uma jovem mulher raptada pelo Hamas a 7 de Outubro de 2023. A frase de Tenório reza: «Isso é marca de merda. Se achou nas calças», a que se segue um emoji de sorriso.  Se Tenório quisesse apenas humilhar uma mulher imputando-lhe cobardia, a sequência seria a inversa: «Se achou nas calças. Isso é marca de merda».  Aliás, se quisesse tão-somente chamar-lhe cobarde, bastaria o «Se achou nas calças», o resto seria supérfluo. Mas não. Tenório quis começar com a merda para afastar a possibilidade de ser outra coisa – sangue, em resultado de uma violação sabe Deus como ou com quê. O seu comentário era precisamente uma resposta à suspeita de violação. Além disso, o se achou nas calças faz da mulher a responsável pelo acto, não esteve à altura do que lhe sucedeu. Estaria Tenório à altura, se fosse selvática e repetidamente sodomizado? Ou se lhe metessem o cano de uma metralhadora pelo cu acima?

No entanto, marca de merda tem leituras diferentes, consoante o duplo sentido do genitivo. E talvez seja por isso que Tenório, historiador e militante do Partido Comunista do Brasil, adoptou essa ordem. Terá sido Heinz Thilo, médico no campo de Auschwitz-Birkenau, o primeiro a designá-lo como anus mundi, designação que posteriormente foi popularizada pela obra do deportado polaco Wieslaw Kielar, Anus Mundi – cinco anos em Auschwitz. Tenório é tudo menos inocente. Sabe muito bem o que diz. Sabe que a defecação foi um dos meios preferidos pelos nazis para humilhar até ao fim: até igualizar o judeu e a merda. Primo Levi refere em Os que sucumbem e os que salvam que «evacuar em público era angustiante e impossível: um trauma para o qual a nossa civilização não nos prepara, uma ferida profunda infligida à dignidade humana, um atentado obsceno e cheio de pressentimentos; mas também o sinal de uma malignidade deliberada e gratuita.» O caso do oficial nazi que depois de alinhar as prisioneiras obrigou uma mulher, sozinha, a defecar em frente de todas, tendo-a, acto contínuo, abatido a tiro, mostra que compreendeu o valor objectificante do olhar. Reduz a mulher que defeca em público a seu próprio produto: o seu interior, a sua verdade está à vista de todos. Nada é senão aquilo. Por isso, comenta ainda Primo Levi, algumas páginas depois, «antes de morrer, a vítima deve ser degradada, para que o matador sinta menos o peso da sua culpa. É uma explicação a que não falta lógica, mas que brada aos céus: é a única utilidade da violência inútil.» Quem não gostaria de dar razão a Primo Levi? O emoji de Sayid Marcos Tenório mostra, no entanto, outra coisa, mostra como a depravação humana resplandece de alegria no mal. A culpa não é atenuada; é transfigurada numa perversa alquimia.

 

 

João Tiago Proença


Sem comentários:

Enviar um comentário