Quem não se lembra? Quem não se lembra das conversas um
pouco enfastiadas em que havia quem garantisse que era desnecessário remexer no
passado? Dizia-se que o mundo tinha andado para a frente e que águas passadas
não movem moinhos e que já ninguém se interessava pelo assunto. Quem não se
lembra? Gente culta citava Estaline, «Hitler passa, mas o povo alemão fica». O
muro tinha caído há pouco tempo, e professoras de alemão mostravam-se
genuinamente surpreendidas; sem acinte, perguntavam «para quê estudar coisas
tão tristes?». Quem não se lembra? Quem não se lembra de que os povos tinham
superado os traumas? Anos depois, os alemães já festejavam a vitória da
selecção de futebol, tudo entrara nos eixos. Para arrumar o assunto, afirmavam
alguns, ufanos, «até a Merkel vai ao balneário», era a época da Kabinenbesuch.
Quem não se lembra? A normalização estava mais do que comprovada, tão
comprovada que Israel já praticaria malfeitorias no Médio Oriente. Tornou-se
mesmo um Estado entre outros, não há dúvida. E recebeu muito dinheiro, não se
podem queixar. Para quê estar sempre a falar da mesma coisa? Perguntava-se com
perplexidade, cheira a vingança e a vontade de sacar mais algum. Melhor fora
que se deixassem disso. Estar sempre a falar de Auschwitz é maçador e
contraproducente. Já chega, a vida continua. A vida continuou. Não foi maçador,
nem contraproducente.
Foi inútil.
João Tiago Proença
Sem comentários:
Enviar um comentário