Trata-se
de um manual de referência, inteligentemente estruturado para manuseio de um
amplo espectro de públicos, percorrem-se as novas realidades ditadas pelo 25 de
Abril, uma viagem pelo Estado de Direito, pelo quadro constitucional, o caminho
percorrido para sermos uma sociedade mais igualitária e justa a partir das
reflexões de oito investigadores, eles vão discretear sobre as liberdades, o
lugar de Portugal no concerto europeu e mundial, as voltas que a economia deu,
a habitação que se construiu e a que falta construir, o quadro de saúde
conquistado e as manifestas urgências, a melhoria educacional e a premência dos
desafios e, por último, como estamos a responder à emergência climática e às
alternativas energéticas. Escrevem os autores que o rumo é ditado por um mote
da Revolução, que Sérgio Godinho cantava: “Só há liberdade a sério quando
houver a paz, o pão, habitação, saúde e educação (…), quando houver liberdade
de mudar e decidir.”
Na
gare desta viagem, ao cuidado de se lembrar de que país éramos, a taxa de
analfabetismo e de mortalidade infantil, quem possuía estudos universitários,
os direitos das mulheres, o policiamento do espírito graças a múltiplas
censuras, as farsas eleitorais, e o muito mais que se sabe. Oito investigadores
puseram-se a refletir sobre alguns dos progressos das últimas cinco décadas,
ficamos a saber o lugar onde estamos e o que falta fazer a partir daqui.
Gozamos
de direitos, liberdades e garantias que se expressam em múltiplos domínios,
desde as liberdades de expressão e religiosa à participação política. Mas o
futuro espreita, há novos desafios e novos contextos de efetivação, há riscos e
ameaças, recorde-se a inteligência artificial, a mudança climática, a
desorganização em que se encontra o fenómeno da globalização; o
hiperindividualismo confronta-se e hostiliza mesmo a era de cuidados, o Estado
social está constantemente a ser posto à prova, emergem novos movimentos de
emancipação e as novas e velhas desigualdades são mais facilmente cativadas
pelas forças populistas e de extrema-direita. É o combate aliciante pelas
liberdades.
Vivemos
num continente há muitas décadas em paz, com exceção de focos regionais, caso
da desagregação da Jugoslávia; a maioria dos portugueses revela satisfação pela
pertença à União Europeia; mas há instituições no país que ganharam má imagem,
as demoras dos tribunais, a justiça tardia, o grassar da corrupção (mesmo que
denunciada e punida); o espectro político alterou-se, cá como por toda a
Europa, há verdadeiros combates para instituir reformas e ninguém pode negar os
défices de representação e a queda do associativismo, há que encontrar novas
formas de dar voz aos cidadãos e abrir espaços de deliberação e participação no
processo de decisão política. Até porque é impossível reverter o Estado social,
o país ficaria a ferro e fogo.
Mudou
profundamente o modo de vida, é ínfima a percentagem de quem trabalha na
agricultura, desce o número dos trabalhadores na indústria, o setor dos
serviços está em constante empolamento. Genericamente, vivemos muito melhor,
apareceu por aí o mantra do empobrecimento, o que é verdade e é mentira,
Portugal continua a ser um dos países da Europa com uma maior taxa de
incidência de pobreza e uma maior desigualdade, é inaceitável pensar-se em
deitar por terra os programas do Estado providência, a questão é delicadíssima,
tem a ver com a produtividade, o investimento, e tudo se agravou desde o Covid,
a invasão da Ucrânia e a completa incerteza dos preços da energia. O turismo
não resolve tudo, como diz um dos autores, o turismo é uma atividade de baixo
valor acrescentado, não ajuda muito a aumentar a produtividade do país, o mesmo
autor (Luciano Amaral) lembra que ainda não desapareceu a ameaça de
insustentabilidade, envelhecemos muito, inverte-se cada vez mais a proporção de
ativos por pensionistas, não tenhamos ilusões, o grande problema social
português é fundamentalmente um problema económico.
Não
se ilude minimamente o pilar da habitação, passa-se em revista como se passou
da falta de casas à expansão, como se usou o crédito e como tem evoluído a
iniciativa pública, qual o significado da concentração da habitação e não se
esconde o peso dos desafios, doravante: regular o mercado de arrendamento,
implementar um mercado de arrendamento acessível bem como uma estratégia
territorial, e há verdades que não devemos iludir: “A crise da habitação é,
afinal, uma crise de ordenamento do território. Uma crise do modo como nos
organizamos no espaço; do modo como distribuímos recursos, infraestruturas,
equipamentos e atividades; do modo como nos movemos, trabalhamos, habitamos.
Sem mapa, sem uma estratégia de ordenamento do território, sem uma real atenção
às especificidades de cada contexto e uma verdadeira preocupação com a coesão
territorial, não será possível resolver o problema do habitar em Portugal, do
qual a atual crise de acesso ao mercado residencial é apenas um sintoma.”
Quero
lembrar o leitor que ainda temos pela frente três dossiês de monta: saúde,
educação e ambiente. Vamos viajar pelo SNS, analisar os recursos humanos da
saúde e a sua gestão, não é novidade para ninguém que nascemos melhor e vivemos
mais tempo, tudo isso custa dinheiro, competência, tecnologias apropriadas,
meios auxiliares de diagnóstico, uma multiplicidade de cuidados. Todas as
respostas estão em suspenso. Viajar pela educação é percecionar as autoestradas
do desenvolvimento, a escola vai mudando com a incorporação da digitalização e
há um aspeto aliciante que não se pode ignorar: “A escola não só mudou ao fazer
lugar para outras culturas, populações e responsabilidades, como se tornou
também agente de mudança em perímetros diversificados. Andaremos muito
distraídos, ou temos fraca memória, se achamos que a escola não sofreu essas
alterações.”
E
chegámos à questão ambiental. Por muito tantã mediático que haja, as
associações ambientais têm escassa dimensão popular, o que parece um paradoxo
com a inequívoca preocupação com as questões climáticas e outras. Faz-se aqui o
percurso de 50 anos de políticas de ambiente e de clima, quem discreteia sobre
o tema destaca uma sucessão de falhanços em que estamos envolvidos e recorda
uma responsabilidade que transcende os poderes do dia, os conflitos de
interesses, a ganância e até a miséria moral têm a ver com a discussão que leva
50 anos a localização do novo aeroporto de Lisboa, como alegremente
desmantelamos a ferrovia em detrimento de uma opção rodoviária, dos negócios
das autoestradas e da idolatria do popó… andamos todos comprometidos, e
assobiamos um tanto para o lado com a falta de solidez nas políticas ambientais
e climáticas em que podemos condenar as futuras gerações.
De leitura obrigatória, para professores e alunos, especialistas e leigos, estão aqui dados fulcrais sobre as nossas cinco décadas de democracia.
Mário Beja Santos
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